Em 2019, o último ano da década de 60, completou meio século. Várias efemérides musicais da época foram revisitadas pela imprensa. O festival de Woodstock, discos clássicos, feito Abbey Road, dos Beatles, Tommy, do The Who, ou Let it Bleed, dos Rolling Stones, tiveram relançamentos em edições turbinadas. No entanto, muitos do que contribuíram para a exuberância musical dos anos 60, obtiveram algum destaque e logo caíram num ostracismo no qual continuam. Não por falta de talento, mas pelo parentesco com megastars de uma época farta nesta fauna.
Imaginem o cara ser cantor, compositor e irmão de Paul McCartney. O mínimo que pode fazer é mudar o sobrenome, pra não se achar que pegava carona no parente famoso. Foi o que fez Mike McCartney, o caçula da família. Como Mike McGear, ele formou, em Liverpool, o grupo Scaffold, que mesclava música com poemas e comédia satírica, um formato bem típico de Liverpool, conhecida como a capital do humor britânico. É até provável que tenham sugerido George Martin para o teste com os Beatles porque ele até então era especialista em discos de humor.
Mas McGear era bom de música. A propósito, o “Gear” em Liverpool era o mesmo que “Fab”, ou “Fabulous”. O Fab Four, claro, era como chamavam o grupo do irmão dele. Paul até deu uma mãozinha ao brother, escreveu algumas canções pro grupo Scaffold, mas as melhores de Mike McGear são dele mesmo. Uma dia, por exemplo, McGear gravava, num estúdio de Abbey Road, uma canção chamada Thank U Very Much. McCartney estava presente, e comentou que a música era meio oblíqua. McGear retrucou que a música era toda oblíqua. Macca lavou as mãos. Disse que tudo bem, a canção era dele, McGear. Oblíqua ou não (o que quer que isso signifique) Thank U Very Much foi o maior hit do irmão do Beatle.
A carreira de Mike McGear foi relativamente bem sucedida. Obviamente, muita gente ia a seus shows pela ligação com os Beatles. Ele dividiu a carreira com discos solo e com o Scaffold, que sobreviveu até 1977. Também teve outro grupo, o Grimms, formado por músicos de Liverpool e parte dos Scaffold. Em 1968, o hit do Natal inglês foi Lily the Pink, de McGear e Roger McGough, mas ele nunca chegou ao status de estrela do rock.
O parceiro McGough é um poeta de Liverpool que participou dos Scaffold. Em 1968, os dois decidiram gravar um álbum de canções e poemas. Paul McCartney apareceu para dar uma mãozinha, em 18 de junho, dia de seu aniversário de 25 anos. Naquele dia tinha tomado LSD pela primeira vez. Viajando no efeito do ácido, ele levou o irmão e o amigo ao estúdio do editor musical Dick James (cujo office boy, ou menor aprendiz, era um tal de Reginald Kenneth Dwight, mais tarde conhecido como Elton John), onde gravaram o álbum McGough & McGear (EMI).
À medida que iam gravando, os amigos de Paul foram aparecendo, e participando do disco. O álbum McGough & McGear, que pouca gente se lembra, ou escutou, tem as ilustres figuras de Jimi Hendrix, Graham Nash, Dave Mason (do Traffic), Gary Leeds (do Walker Brothers), Viv Prince ( ex-Pretty Thing), e Paul Samwell-Smith (ex-Yardbird). E ainda Paul McCartney e a namorada Jane Asher, que veio com a mãe. Nenhum desses está nos créditos. Na época, cláusulas contratuais impediam que artistas de uma gravadora participassem de discos de artistas de concorrentes.
Michael McCartney reassumiu, nos anos 80, o nome de família, e deu uma parada nas gravações, mas continuou como produtor. Escreveu uma autobiografia, fez exposição de fotografias, continua dando palestras, e tocando eventualmente. Em 2019, completou 75 anos, e teve relançado, com várias faixas extras, seu melhor álbum, McGear, de 45 anos atrás. Um disco pop de primeiríssima. A voz do cara lembra a do irmão, o estilo das composições também, inclusive ao resvalar para baladas melosas. Afinal, foram criados juntos, escutaram as mesmas coisas, e têm o pesado sotaque do Norte da Inglaterra. Uma das faixas Leave it foi gravada com os Wings, a banda de Paul na época (a voz de Linda McCartney é inconfundível
OUTROS
Ser irmão de Mick Jagger não é moleza. Que o diga Chris Jagger, seu irmão caçula (com 72 anos em 2019), com onze discos gravados e quase todos ignorados. Ele optou por usar o sobrenome da família. Assim como Mike McGear, a voz lembra a do irmão, o estilo também – blues, cajun, soul, R&B, rock à Chuck Berry. É provável que se não fosse irmão de Mick tivesse teria mais exposição. Confiram, por exemplo, o álbum Atcha, de 1994. Um ótimo disco de gêneros americanos, também com participações ilustres – David Gilmour, Dave Stewart e, claro, Mick Jagger.
Ao contrário, de Mike McGear, Chris Jagger não se limitou à música, atuou em vários filmes, escreveu para vários jornais ingleses, apresentou programas na BBC, e produziu festivais. Mas nunca deixou de ser sempre citado como irmão do Rolling Stone Mick. Quase todos os medalhões dos anos 60, tiveram irmãos músicos, mas que foram ofuscados pelo brilho do parente famoso. Alguns foram coadjuvantes de luxo, a exemplo de Simon Townshend, irmão caçula de Pete Townshend (está com 69 anos).
Além de gravar solo, Simon tocou com várias bandas do primeiro time, inclusive em The Who. O Pearl Jam está entre os grupoS em que tocou, assim como na banda de Eric Clapton. A discografia de Simon Townsend é longa e de boa qualidade.
FOLK
Nos primeiros anos da década de 60, Greenwich Village, em Nova Iorque foi epicentro de um revival folk, que acabaria nas paradas e revelaria nomes feito Bob Dylan, Joan Baez, Dave Von Ronk, Peter, Paul & Mary, Janis Ian, Richie Havens, muita gente. Entre os mais destacados, o casal Mimi e Richard Fariña. Ela americana, filha de um cientista mexicano e mãe americana. Ele também escritor de ficção.
Mimi Fariña tinha tudo para ser uma estrela. Além do talento musical, era muito bonita e fotogênica. Tinha 16 anos, quando Bob Dylan a conheceu e apaixonou-se por ela. Não a namorou porque quando a convidou para uma festinha, a irmã mais velha de Mimi proibiu terminantemente. Não confiava no tal de Dylan, um novato na cena folk. A irmã de Mimi já gozava de prestígio, desde que participou do Newport Folk Festival em 1959. Seu nome: Joan Baez, que se tornou o maior nome do folk americano nos anos 60. Ainda mais quando namorou com Bob Dylan, quando este se tornou um fenômeno popular nos EUA.
O imenso sucesso de Joan atrapalhou a ascensão de Mimi Fariña, que começou em dupla com o marido Richard Fariña. Ele tinha acabado de publicar um romance elogiado, quando morreu de um acidente de motocicleta, em 1966. Estava com 29 anos. Mimi se tornou uma ativista política, e passou a gravar e a se apresentar esporadicamente. Morreu em 2001, de câncer, aos 56 anos