Gilberto Gil em show que celebra o samba e João Gilberto

Cantor canta repertório do seu novo disco lançado em abril
Do JC Online
Publicado em 21/05/2014 às 6:00


Gilbertos samba, disco que Gilberto Gil lançou em abril, e cuja turnê aterrissa hoje e amanhã no Teatro Shopping RioMar, é uma homenagem ao mestre dos mestres da MPB João Gilberto e, por tabela, uma celebração ao samba. Do repertório do álbum três faixas remontam aos anos 40: Aos pés da cruz (1942, Marino Pinto e Zé da Zilda), Doralice (1945, Dorival Caymmi) e Eu sambo mesmo (1946, Janet de Almeida): “Uma das coisas mais importantes de João foi resgatar estas canções e trazê-las para as novas gerações, com uma interpretação que representava uma inovação profunda, ao mesmo tempo em que cantava a música dos novos, Tom Jobim, Carlos Lyra. De uma certa forma, é o que faço neste disco, levando avante a ideia de João”, comenta Gil, de Salvador, onde se apresentou domingo, no Teatro Castro Alves. 

“Levar avante a ideia do João”, ou homenagea-lo não tem a ver com cantar o que se entende ser música bossa nova, ou interpretar suave e sem vibrato, acompanhando-se ao violão, sentado num indefectível banquinho. A maior lição de João foi bem apreendida por ele, que a de ser para sempre desafinado, no sentido bossa-novista do termo. Gilberto Gil reuniu uma dúzia de sambas, a maioria pinçado da obra de João, e lhes deu uma interpretação contemporânea, numa série exaustivas de ensaios até chegar no ponto de entrar em estúdio. Tem o banquinho e o violão, mas tem igualmente progamações, percussões, guitarra, de músicos jovens, que aprenderam a ser desafinados com Gilberto Gil ou Caetano Veloso.

No disco ele foi produzido por Moreno Veloso e Bem Gil, e canta na companhia de Pedro Sá (guitarra), Bem Gil (viola), Dori Caymmi (violão), Domenico Lancellotti (percussão, programações), Nicolas Krassik (violino), Danilo Caymmi (flauta) e Mestrinho (acordem e percussão). No show, a banda se resume a Gil, Bem Gil, Domenico Lancelotti e Mestrinho.

Ao repertório do disco foram acrescentadas mais oito sambas, enquadrados dentro do conceito do álbum: “Botei mais alguns que o próprio João gravou, e duas que me foram sugeridas pelos meninos, Meio de campo e Mancada”, diz Gil, citando dois dos Lados B de sua obra. A segunda é um dos seus primeiros sambas (lado B do compacto com Domingo no Parque), e a primeira, lançada por Elis Regina (1973), samba que homenageia Afonsinho (craque que marcou época em campo, e fora dela encarando a cartolagem). Tanto o disco quanto o show são formados por músicas que trafegam em mão contrária a dos sucessos acumulados por Gilberto Gil em meio século de estrada.

Aquele abraço, que está no final do show, é uma das poucas figurinhas fáceis do álbum. Uma canção revestida de simbolismos para o baiano. Foi composta na cadeia, em 1969: “Aquele abraço, uma expressão que hoje está em desuso, era um bordão de um comediante de Lilico, um comediante bem popular da época, e que eu conheci na cadeia”. Lançada em compacto simples (com a psicodélica, e pouco conhecida, Omã Iaô no lado B), Aquele abraço tornou-se o maior sucesso popular do cantor até então. O disco estourou nas paradas do país inteiro, quando ele era obrigado a sair do Brasil. Num texto para o Pasquim, na época, Gil corrigia: Aquele abraço não era uma música de despedida, mas de reencontro. Como tal, ao longo dos anos o samba não perdeu a atualidade

Aquele abraço fecha o show com Vim da Bahia, um samba composto por Gil em 1965: “Foi a única música minha que João gravou, uma das razões dela estar no disco”, afirma ele sobre a música que o amigo de fé, irmão, camarada Caetano Veloso, num texto sobre Gilbertos samba ressalta que esta é a música que sintetiza este projeto: “Gil a retoma simplesmente porque João a gravou - mas reduz grande parte da composição a um modalismo primitivista que nega a sua natureza para reafirmá-la em outro nível. E vai além de João no caminho de busca de uma nota só, aproximando-se de nota nenhuma. É uma realização do projeto íntimo já confessado por Gil de ater-se simplesmente a bater num tambor (Caetano Veloso).

DESAFINADO

O quase manifesto, de um quase movimento, Desafinado (Tom Jobim/Newton Mendonça), foi o clássico da bossa nova que Gil escolheu, em lugar de, por exemplo, Chega de saudade, mas numa interpretação no disco em a guitarra de Pedro Sá dialoga, ou melhor, provoca o violão que faz a harmonia. Até hoje este samba, em que letra e música estão ligadas entre feito siameses, não foi devidamente assimilado. Mesmo João Gilberto hesitou em grava-la. Desafinado foi gancho para detratores da bossa nova, cantores e compositores que não entenderam o samba esquema novíssimo de João Gilberto. “Um gaiato cantando sem voz/um samba sem graça/desafinado que só vendo/e as meninas de copo na mão/fingindo entender/mas na verdade, nada entendendo”, nestes versos de Seresta moderna (gravada, em 1962, por Nelson Gonçalves), Adelino Moreira ironiza a bossa nova da maneira estereotipada como ela era vista pelos que se apegavam às formas musicais atualizadas por João Gilberto. Os tropicalistas recorreriam a Desafinado, em Saudosismo e suas tantas citações da BN (leia mais na edição de hoje do Jornal do Commercio)

Show Gilbertos samba, com Gilberto Gil e grupo, hoje e amanhã, 21h, no Teatro Shopping Rio Mar, ingressos: R$ 100, e R$ 50


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