Wynton Marsalis foi o primeiro músico a deixar o palco. Passou sério e rapidamente pelo hall para o camarim. Logo depois o maestro Spok, igualmente sério, chegava ao seu camarim. Era como se ambos tivessem aliviados por ter saído tudo certo na pioneira experiência de um grande evento que reuniu frevo e jazz nas ruas tortuosas da Olinda colonial e nas linhas exatas da obra em concreto traçadas por Oscar Niemeyer. Anteontem, no Parque Dona Lindu, com o palco voltado para a esplanada, um público de cerca de cinco mil pessoas assistiu com atenção ao concerto da Spokfrevo Orquestra e da Jazz at Lincoln Center Orchestra (JLCO), com as exceções de sempre, incluindo ai barulhentos adolescentes, que gritavam e deslizavam nos skates indiferentes à música.
"Histórico é a palavra que resume o que aconteceu", confirmou o maestro Spok sobre o encontro da SFO com a JLCO, da qual o trompetista Wynton Marsalis é o diretor musical. O maestro também louvou o comportamento do público: "Quando a música é boa ela impõe silêncio, e se provou que o povo gosta de música boa". O encontro programado há dois anos foi confirmado no ano passado e consumado em dois encontros memoráveis. Terçafeira, na visita dos músicos americanos e brasileiros ao Grêmio Musical Henrique Dias (cujo nome homenageia o herói negro da guerra contra o invasor holandês), comandado pelo maestro Espírito Santo, em Olinda, e quarta, no programa duplo no Dona Lindu, cada orquestra apresentando seu concerto em separado, convergindo no final para uma saudável e revigorante mistura de frevo e jazz, com uma homenagem ao aniversário de 200 anos do consulado americano no Recife, o maisantigo do Brasil.
Com direito ao Happy birthday to you, em compasso de second line, um das vertentes do jazz de New Orleans, e em frevo de rua, com Vassourinhas (Joana Baptista/Mathias da Rocha), Fogão (Antonio Lisboa), e o Parabéns pra você. Cada orquestra teve pouco mais de um hora de tempo, pela limitação de horário de eventos abertos no parque (permitido só até às 22h). Mas foi o suficiente para a Spokfrevo Orquestra dar uma geral no repertório de seus dois discos, Passo de anjo e Ninho de vespa, ainda abrindo espaço para convidados. O trompetista Fábio Costa (que já tocou na SFO) participou de Nino, o pernambuquinho, do maestro Duda, que teve também o trombone de Elliot Mason (nascido na Inglaterra, o único não americano na JLCO). Os improvisos dos dois convidados, mais os saxes de Spok e Kebinha, arrancaram aplausos e assovios da plateia. O quarto convidado foi o sanfoneiro Beto Hortiz, que participou de Capibarizando (composição dele, faixa de Ninho de vespas).
Foi o encontro da música dionisíaca, o frevo, com a apolínea, o jazz. Embora as duas orquestras se apresentem de terno, gravata, cabelos curtos, a pernambucana tem a liberdade, ou a malandragem 03/04/2015 JC Premium http://jconlinedigital.ne10.uol.com.br/web/ 2/2 brasileira, no bom sentido, com abertura de sair das trilhas do frevo, sem perder o passo, reverenciando Luiz Gonzaga, com Asa branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira) e A volta da asa branca (Luiz Gonzaga/Zé Dantas). A JLCO passa a impressão da formalidade. Quando é a sua vez de improvisar, cada músico levanta-se e vai até o microfone, nada de desdobrar o improviso em outro improviso, como faz a SFO. O repertório da orquestra americana, no Dona Lindu, foi didático, escolhido no camarim, pinçado de uma vasta biblioteca da tradição americana, da qual Wynton Marsalis é uma espécie de guardião e disseminador, com a concessão da inclusão do baião Bebê, do alagoano Hermeto Pascoal.
No mais foi puro jazz do estilo criado em Kansas City ao second line de New Orleans, cidade natal de Marsalis de uma vasta biblioteca da tradição americana, da qual Wynton Marsalis é uma espécie de guardião e disseminador, com a concessão da inclusão do baião Bebê, do alagoano Hermeto Pascoal. No mais foi puro jazz do estilo criado em Kansas City ao second line de New Orleans, cidade natal de Marsalis, de onde a JLCO trouxe o seminal tema Joe Averys blues. A precisão da orquestra do Lincoln Center beira a perfeição, máquina de música. No final, o que todos esperavam: as duas orquestras juntas no palco. Os rios Mississippi e Capibaribe misturando suas águas diante do Oceano Atlântico, curiosamente, numa homenagem a um baiano. A música escolhida para o encontro no palco foi Moraes é frevo, composição do maestro Spok (de Ninho de vespas), com direito a improviso dos bateristas, Ali Jackson, da JLCO, Augusto Silva e Adelson Silva e do percussionista Dedé Simpatia da SFO. Uma noite histórica e antológica