A receita é italiana, a marca, brasileira. E o início da história é no Sertão do Araripe, entre os estados do Ceará e de Pernambuco. Com sete anos de criação e 90 pontos de venda no País, a gelateria Bacio di Latte inaugurou esta semana sua primeira loja no Nordeste – localizada no Shopping Recife, Zona Sul. Trata-se de um retorno às origens. Foi após a visita à região que o economista italiano Edoardo Tonolli decidiu mudar de vida e de País.
Nascido em Milão, centro financeiro ao Norte da Itália, o empresário trabalhava como consultor na corretora de valores da família. “Mas não me encaixava nesse trabalho, disse ‘chega’”, conta Tonolli em português perfeito. Em 2005 decidiu viajar pelo mundo, não apenas com objetivos turísticos, mas também sociais. Durante as pesquisas sobre os possíveis destinos, descobriu a Fundação Marcelo Candia, entidade italiana que mantém hospitais filantrópicos no Nordeste brasileiro. Começava assim o enredo da história.
A primeira parada foi Quixadá, interior cearense. “Talvez você conheça como a cidade da pedra da galinha choca. Mas não confunda com Quixeramobim, que é perto, também no Ceará”, diz, causando surpresa pela familiaridade e memória. Sua missão era oferecer os conhecimentos em finanças para ajudar a melhorar a gestão dos hospitais mais carentes da região. Os primeiros dias foram no convento da cidade, da ordem das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, de onde saiu para ficar por seis meses no mosteiro beneditino da mesma cidade.
Mais familiarizado com a língua, a realidade local e a rotina de um hospital, Tonolli cruzou a divisa para continuar o trabalho no lado pernambucano do Sertão, em Araripina. Foi no Hospital Maternidade Santa Maria, com o apoio do mesmo grupo filantrópico. “Presenciei um parto, segurando a mão de uma jovem que estava dando à luz pela primeira vez. Foi um período de experiências muito fortes”, lembra.
A rotina era rígida: acordava todos os dias às 5h30, assim como os padres, para a primeira oração do dia antes do café da manhã. Entre as atividades no hospital, ele circulava pelas cidades próximas em sua moto com uma câmera fotográfica, registrando os detalhes da vida local. “Muitas crianças se assustavam, nunca tinham visto um ‘gringo’, outras achavam engraçado.”
Foram mais seis meses em terras pernambucanas até o fim da experiência “exótica” para um europeu. Ao retornar à terra natal, promoveu uma exposição fotográfica com os registros no Nordeste e enviou a arrecadação para a Fundação Candia, para a qual também realizou um relatório com o feedback da situação das unidades onde trabalhou. Ao encerrar o período sabático, não mais se adequou à antiga realidade, agora acrescida do início da crise mundial.
Voltou para o Brasil com a intenção de trabalhar no mercado financeiro de São Paulo, aproveitando seu conhecimento e a familiaridade com o idioma. “Entre uma entrevista de trabalho e outra, percebi que não havia gelaterias. Em Milão, a cultura do gelato, que é uma receita diferente do sorvete, é muito forte. São empresas familiares, uma em cada esquina”, detalha o empresário. Depois do insight, voltou à Itália, de onde recrutou um sócio (o escocês Nick Johnston), um chef e recursos para investir.
A primeira loja foi inaugurada em 2011, na Rua Oscar Freire, reduto da sofisticação paulistana. Desde então a marca conquistou o paladar brasileiro, expandiu em formatos de lojas próprias, pontos em shoppings e quiosques em aeroportos. Mas faltava o Nordeste. “Vimos que era a hora certa de investir aqui”, justifica o empresário. Com todas as unidades próprias e sem plano em vista para transformar a marca em uma franquia, a aposta em Pernambuco é consistente.
Além da loja já inaugurada no Shopping Recife, haverá outra unidade, já em maio, no RioMar, também na Zona Sul, e uma loja própria, ainda sem data de inauguração definida, no bairro de Casa Forte, na Zona Norte. Para registrar a simbologia da chegada da marca à região, os copinhos foram estampados com xilogravuras e quatro sabores serão exclusivos para os pernambucanos: bolo de rolo, pé-de-moça, cajá e leite em pó. Os valores não são cobrados por bola, mas pelos tamanhos do recipiente (R$ 12, R$ 14 e R$ 17), que podem ser preenchidos por até três sabores.
“Gostei do Recife. Só tinha andado pelo interior. Mas senti uma atmosfera diferente, dá para perceber a peculiaridade histórica e cultural. Vou voltar mais vezes”, promete o empresário, acenando para mais capítulos de uma história com sotaque nordestino.