O Brasil ainda não conseguiu recuperar o patamar da economia que registrou no pico de atividade antes do início da crise, há cinco anos. Ao redor do País, porém, o desempenho econômico não foi uniforme. O Centro-Oeste e o Sul, segundo o índice Itaú para a atividade econômica - que reúne empregos formais, comércio, indústria e agricultura -, foram as duas regiões que atingiram ou superaram o movimento que exibiam em março de 2014. Foi nesse ponto, segundo o banco, que começou a espiral de decadência do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
"As commodities, que abastecem o mercado externo, beneficiaram o Sul e o Centro-Oeste, pois a demanda internacional foi mais alta do que a das atividades que dependem do mercado interno", explica Paula Yamaguti, economista do Itaú Unibanco. Nas demais regiões, Norte e Nordeste tiveram desempenho semelhante à média nacional, enquanto o Sudeste ficou na lanterninha. "A indústria foi o indicador com a pior performance nesses anos - e como a maior parte da indústria está em São Paulo, isso puxou o resultado para baixo", ela diz.
Em todo o Brasil, segundo o levantamento do Itaú, a economia está pouco mais de 4 pontos porcentuais abaixo do nível que exibia cinco anos atrás. Entre as regiões, a única que, no primeiro trimestre de 2019, superava com folga a atividade de cinco anos atrás foi o Centro-Oeste. Já o Sul ficou no zero a zero no período (no fim de março, estava 0,25 ponto porcentual abaixo do nível de 2014).
O Estado de São Paulo, com desempenho abaixo da média nacional, foi prejudicado pelo próprio gigantismo, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. "São Paulo sofre porque concentra a maior parte das indústrias, mas não existe questão estrutural pressionando a economia paulista. Com a aprovação das reformas, há chance real de recuperação."
Não se pode dizer o mesmo de Minas Gerais e Rio de Janeiro, de acordo com Mendonça de Barros. "O Rio, em especial, vive a tempestade perfeita, um esfarelamento do sistema regional, algo que vai demorar muito tempo para ser reconstruído."
O Rio de Janeiro, ao lado de Bahia e Sergipe, está entre as economias mais frágeis. Segundo o índice de atividade do Itaú, o nível da economia nesses Estados está mais de 8 pontos porcentuais abaixo do exibido em 2014. O Rio lidera o fechamento de empregos formais no País - de cada 100 postos de trabalho com carteira assinada que o Estado concentrava há cinco anos, 13 foram fechados. Os dados vão até março de 2019 e, portanto, já incluem a recente retomada da indústria fluminense de petróleo.
Para Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV, a situação da economia do Rio tem tintas políticas. Além de citar casos de corrupção no Estado, Pessôa lembra que as regras dos governos petistas para a exploração das reservas do pré-sal, que determinaram a Petrobrás como operadora principal de todos os campos de produção, prejudicaram a economia fluminense. "Com medo dos gringos, os governos petistas seguraram os leilões do pré-sal. Agora parece que isso vai mudar, mas um efeito mais estruturado para a economia vai vir só daqui a uns cinco anos."
Mendonça de Barros acrescenta outra camada que prejudicará, nos próximos anos, o desempenho de Estados como Rio e Minas Gerais: as dificuldades orçamentárias, com forte comprometimento da receita com folha de pagamento de servidores na ativa e aposentados. "Os efeitos são perversos, pois não é algo que se nota da noite para o dia. Quando o Estado está quebrado, ele deixa de investir em hospitais e estradas. Na hora em que se percebe, as estruturas já foram desmontadas."
Emprego vem se recuperando de forma mais lenta que a economia
Os dados do Itaú mostram que, em todo o País, o emprego vem se recuperando de forma mais lenta do que a economia. De cada 100 vagas existentes em 2014, apenas 94,5 estão abertas atualmente, na média. Além disso, apenas seis Estados recuperaram o total de empregos formais de 2014, ao passo que oito chegaram ao mesmo PIB de cinco anos atrás.
Além do Rio, Pernambuco e Amazonas também perderam mais de 1 de cada 10 empregos que tinham há cinco anos, aponta o Itaú. O primeiro foi prejudicado pelo fim de obras que geraram muitas vagas - como a polêmica Refinaria Abreu e Lima, agora posta à venda pela Petrobrás - e o segundo, pelas demissões na Zona Franca de Manaus.
Mesmo nos Estados que voltaram ao total de vagas formais de 2014, os índices mostram alta no desemprego, pois os cálculos do Itaú consideram os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), e não a taxa de desocupação.
Indústria em Santa Catarina
Em grandes empresas de Santa Catarina, como a gigante industrial Weg, a crise econômica já é tratada como um assunto superado. A fabricante de motores elétricos e outros equipamentos está em fase de aumento de mão de obra após registrar, no primeiro trimestre, expansão de 14,9% em receita e o maior lucro em oito anos. Mesmo após ter contratado 1,3 mil pessoas em 2019, a Weg tem hoje 340 vagas. "Durante a recessão, fomos obrigados a fazer ajustes, mas essa fase ficou para trás", diz o diretor financeiro, André Luis Rodrigues.
Segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, a vantagem econômica catarinense passa pela estruturação de uma indústria com vocação exportadora. "São empresas que podem conseguir tirar vantagem do acordo entre a União Europeia e o Mercosul (que foi assinado no fim de junho)", diz. Santa Catarina é um dos quatro Estados brasileiros que conseguiram recuperar tanto o total de vagas formais quanto o nível da economia, ante 2014.
O mercado externo tem peso importante no negócio da empresa catarinense: de cada R$ 5 que entram no caixa da Weg, quase R$ 3 vêm de fora do País. Com o câmbio bom para os exportadores e um mercado chinês crescendo a dois dígitos, a companhia tem planos de investir R$ 530 milhões no Brasil e em outros países - recursos que serão destinados à ampliação e modernização de fábricas. Parte da mão de obra da Weg é treinada dentro de casa, em um núcleo de capacitação mantido pela empresa a um custo anual de R$ 23 mil por aluno. Por ano, são formados 200 jovens.
A empresa de Jaraguá do Sul tem ajudado a puxar para cima os indicadores econômicos da região norte do Estado. A Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina aponta um crescimento de 8,23% na região norte, enquanto a economia catarinense, segundo esse mesmo índice (Iper-SC), avançou 7% no ano passado.
"Somos uma exceção", diz o prefeito de Jaraguá do Sul, Antídio Aleixo Lunelli. "Hoje, aqui no município só está desempregado quem quer." Mesmo as indústrias têxteis de Jaraguá, como Malwee e Marisol, que ainda sentem os efeitos da crise, voltaram a contratar. O grupo de moda Lunelli, da família do prefeito, demitiu 1 mil dos 5,2 mil empregados no auge da crise e começou a recontratá-los no ano passado. Boa parte das 400 vagas abertas foi preenchida por antigos funcionários.
Em Joinville, principal polo econômico do Estado, também já se percebe a retomada. Nos últimos 18 meses, o número de companhias sediadas no parque industrial da cidade subiu de 160 para 220, enquanto o total de funcionários subiu de 5,1 mil para 8 mil. O índice de ociosidade do Perini Business Park, que chegou a 14% na crise, hoje gira em torno de 6%.
Entre as companhias que ampliaram a ocupação do parque industrial está a XPM, que oferece armazenagem a importadores: sua área passou de 4 mil para 14 mil metros quadrados no fim de 2018. "Em 2015, quase fechamos as portas", diz André Xavier, diretor-geral da XPM. Do fim do ano passado para cá, o cenário mudou. "Só no mês passado, fechamos três novos contratos, coisa que em um ano inteiro não acontecia."
Segundo maior polo econômico do Estado, atrás da capital, a cidade de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, é o retrato da situação do emprego fluminense. Nos últimos três anos, o município fechou mais de 27 mil vagas, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. Em 2018, cidades do Rio ligadas à indústria do petróleo começaram a reabrir vagas, mas Duque de Caxias fechou mais 4,5 mil postos de trabalho.
Depois de operar por 40 anos, a fabricante de sacolas plásticas Salix, que gerava 100 postos de trabalho, se viu obrigada a fechar as portas. Segundo Bete Bior, uma das proprietárias do negócio, a Salix vinha sofrendo com a alta de custos e a carga tributária. Acabou vencida pela crise: "Não tinha como repassar para os preços, por causa da concorrência."
O trabalhador de serviços gerais Marcelo Alves, 35 anos, buscava uma vaga no posto do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Caxias no início deste mês, após ser demitido de uma distribuidora atacadista com outros 20 funcionários.
No dia da visita da reportagem ao Sine havia só uma oportunidade aberta no sistema, de serralheiro, para um total de 270 candidatos. No primeiro semestre, 20 mil pessoas buscaram atendimento, mas somente 400 vagas foram ofertadas.
Edson Pinheiro dos Santos, 54 anos, foi dispensado de uma filial das Casas Bahia em Caxias e está dando entrada no seguro desemprego. Com 32 anos de experiência no comércio, ele diz que pretende se aposentar para se dedicar à atuação como pastor evangélico. "A crise na indústria fechou portas para muita gente Isso explica por que estamos sentindo tanto em outras áreas, como o comércio. É um efeito dominó."
O presidente da representação da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) em Duque de Caxias, Cláudio Lopes, diz que a situação reflete a dificuldade de reação da indústria, principal atividade local. O PIB industrial brasileiro já acumula dois trimestres consecutivos de retração.
Em 2014, a Marcopolo, que fabrica carrocerias para ônibus e caminhões, chegou a ter 2,5 mil empregados em Duque de Caxias. Nos últimos anos, com o esfriamento da economia e a queda na produção, ajustou o quadro a menos da metade. Em 2019, a empresa deve desmobilizar cerca de 600 contratados para produzir ônibus escolares dentro de uma licitação, agora encerrada, passando a empregar 1,1 mil funcionários.
Apesar de o estudo do Itaú Unibanco mostrar que seis Estados - Mato Grosso, Roraima, Tocantins, Piauí, Goiás e Santa Catarina - já chegaram ao nível de empregos formais que tinham em suas economias há cinco anos, a taxa de desemprego subiu em todos os Estados no período.
Isso ocorre porque os dados do Itaú consideram apenas as vagas formais - conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) -, e não o desemprego medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE), que considera diversas outras variáveis, entre elas o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA).
Mesmo nos seis Estados com melhor desempenho segundo o Itaú, a taxa de desemprego média do País cresceu nos cinco anos entre o primeiro trimestre de 2014 e março de 2019. Conforme o IBGE, a taxa de desemprego saltou de 7,2%, no início da base de comparação, para 12,7%, ao fim do período.
Diferenças. A região com os menores índices de desemprego é o Sul, com três Estados com taxa abaixo de 10%: Paraná (8,9%), Santa Catarina (7,2%) e Rio Grande do Sul (8%).
De acordo com o IBGE, oito Estados tinham, em março, taxa de desocupação superior a 15%, com metade deles concentrada no Norte (Acre, Amazonas, Roraima e Amapá). Na mesma situação aparecem três Estados do Nordeste (Pernambuco, Alagoas e Sergipe) e um do Sudeste (Rio de Janeiro). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.