Do litoral ao semiárido, veja exemplos de empresas com responsabilidade climática

Reduzir emissões, usar fontes renováveis de energia e diminuir o consumo de água serão procedimentos inevitáveis, sobretudo no Nordeste
Angela Belfort e Adriana Guarda
Publicado em 03/11/2019 às 7:45
Reduzir emissões, usar fontes renováveis de energia e diminuir o consumo de água serão procedimentos inevitáveis, sobretudo no Nordeste Foto: Foto: Léo Motta/JC Imagem


A corrida para se adaptar à crise climática também está no centro do mundo dos negócios. Atingir metas de sustentabilidade é ponto indispensável no planejamento estratégico de qualquer empresa que quiser se manter competitiva vendendo produtos e serviços num planeta que precisa impedir que o aquecimento global ultrapasse o limite de 1,5 grau Celsius (na comparação com a era pré-industrial) até 2030, de acordo com o quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) da ONU. Reduzir emissões, usar fontes renováveis de energia e diminuir o consumo de água serão procedimentos inevitáveis, sobretudo no Nordeste que enfrenta escassez hídrica, prolongamento das secas, aumento da temperatura e avanço das áreas de desertificação no semiárido.

“As empresas têm um papel chave no enfrentamento à crise climática. Elas precisam protagonizar esse enfrentamento somando-se ao governo e a sociedade por uma razão simples: são as maiores responsáveis por produzirem de uma forma irresponsável”, chama à responsabilidade o presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, destacando setores impactantes como petróleo, mineração e agronegócio. Estudo publicado agora em outubro pelo Climate Accountability Institute, no jornal britânico The Guardian, apontou que 20 empresas de exploração de petróleo, gás e carvão foram responsáveis por um terço de todas as emissões globais de carbono desde 1965. A primeira do ranking foi a saudita Saudi Aramco e a vigésima, a Petrobras.

Exemplos

No Grupo Moura, maior fabricante de baterias automotivas da América do Sul, um dos objetivos estratégicos da companhia é atingir patamares internacionais em sustentabilidade ambiental. Das sete fábricas da empresa, cinco estão localizadas na ‘escaldante’ Belo Jardim (Agreste), que nesta época do ano atinge uma temperatura de 34°C, sob um céu azul sem nuvens. As outras duas funcionam em São Paulo e na Argentina. “Até pelas características do nosso produto, que tem chumbo e ácido (na composição) temos a consciência de que é preciso ter um tratamento diferente, porque quando esta bateria está inservível precisa ser reciclada”, observa o chefe corporativo das engenharias de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, Diogo Siqueira. Há 35 anos o Grupo Moura mantém um programa de logística reversa, em parceria com sua rede de revendedores espalhada por todo o País, que oferece uma vantagem financeira aos clientes que deixarem a bateria usada para ser reciclada. A Moura produz 10 milhões de unidades por ano para atender os mercados nacional e internacional.

Localizada no Agreste – região de maior déficit hídrico do Estado – a Moura tem meta de reduzir em 50% o consumo de água até 2021. “A região viveu dez anos de estiagem forte, mas 2016 foi um ano crítico. A barragem secou, o preço da água subiu, a Moura perfurou poços para ajudar a população e nós decidimos intensificar nosso programa de redução de consumo de água, que este ano já alcançou 42%. A fábrica inaugurada no ano passado já foi projetada com engenharia ambiental para aproveitar a água da chuva que cai nos telhados e nas calçadas e fica armazenada em duas lagoas”, detalha Siqueira. O investimento anual do Grupo Moura em sustentabilidade chega a R$ 20 milhões.

O executivo diz que entre os meses de maio e agosto o sistema permitiu armazenar 32 mil m³ de água. Isso fez com que a nova unidade se auto-abastecesse e ainda enviasse o excedente para outras plantas. “O grupo conseguiu uma economia de 10% no consumo, além de deixar de usar uma água que serviu à população da cidade”, comemora. No próximo ano, a Moura vai construir uma nova lagoa de captação de água da chuva para atender ao Centro de Distribuição. Durante três anos consecutivos, a barragem Pedro Moura Júnior (principal reservatório de Belo Jardim) entrou em colapso e só voltou a acumular água este ano. A situação crítica acentua a importância da iniciativa das empresas.

A redução no consumo de água também é uma das metas globais de sustentabilidade da AmBev, que inaugurou em 2012 uma de suas maiores cervejarias do Brasil, no município de Itapissuma. “Reconhecemos que o nosso negócio é essencialmente consumidor de água. Para se ter uma ideia, 95% do nosso produto é feito de água. Por isso, apostar em técnicas e reúso e na recuperação das fontes é fundamental para deixar nosso negócio sustentável”, afirma o gerente regional de Meio Ambiente da Ambev, Simão Marques.

Nos últimos 20 anos, a Ambev reduziu em 50% a quantidade de água usada para produzir cervejas, sobretudo na área de lavagem de garrafas retornáveis. Atualmente, o índice é de 2,86 litros de água para produzir um litro de cerveja, mas a proporção já foi de 8 para 1. A companhia contabiliza uma economia de 18 trilhões de litros de água, o suficiente para abastecer a cidade de Florianópolis por mais de seis meses. A fábrica de Itapissuma consegue ter o menor índice do Nordeste, consumindo 1,96 litros de água para cada litro de cerveja produzida.

Criado em 2017, outro projeto da AmBev com foco na questão hídrica é o AMA, que reverte os recursos das vendas da primeira marca de água da empresa para obras de perfuração de poços, instalação de cisternas e reúso de água em escolas no semiárido brasileiro. Já foram revertidos R$ 3 milhões para 28 projetos, beneficiando 35 mil pessoas. Em Pernambuco, em parceria com a Cáritas Brasileira, a iniciativa atendeu a 3,5 mil pessoas nos municípios de Sanharó, Tupanatinga, Buíque, Pesqueira e Sertânia.

Na área de energia, a AmBev tem meta de ter 100% de sua matriz de fonte limpa até 2025 e vai inaugurar 31 usinas solares no Brasil até 2020, sendo uma em Pernambuco. Para reduzir as emissões de carbono, a companhia terá 1,6 mil caminhões elétricos rodando em sua frota até 2023, o que representa um terço do total. O projeto é uma parceria com a Volkswagen Caminhões & Ônibus e terá baterias de lítio da Moura.

As fabricantes de papel e papelão Klabin, de cosméticos Natura e de roupas Malwee também estão dando exemplo de dever de casa. As três empresas estão entre as 87 que assinaram um compromisso com o Pacto das Nações Unidas para cortar emissões de gases de efeito estufa até 2030. Batizada de Our Only Future a proposta é que cada uma faça a sua parte para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Caio Magri, do Ethos, diz que um dos procedimentos que ajudam no processo da redução de emissões é a economia circular. “Poucas empresas adotam, mas essa prática de tentar manter os produtos, componentes e materiais em circulação, extraindo o proveito máximo de valor, resulta em quase nada de desperdício”, alerta.

A Natura é adepta da economia circular. “Isso traz um benefício duplo, porque reduz a extração de insumos naturais, não destruindo, e deixa de poluir, porque, por exemplo, muitas embalagens não vão parar na rua, no rio e depois no oceano”, diz o gerente de Sustentabilidade da Natura, Keyvan Macedo, lembrando que a companhia passou a usar refil em 1983. “Essa iniciativa permite reaproveitar a embalagem por mais tempo e consumir menos matéria-prima, além de orientar o consumidor a destinar a embalagem a uma cadeia de reciclagem”, destaca.

Na Klabin, a expectativa é alcançar mais de 90% de energias renováveis nas suas 18 fábricas. Atualmente, esse percentual é de 89,1%. Nos últimos 16 anos, a empresa reduziu em 61% as emissões de carbono. A companhia tem uma área plantada de floresta de 239 mil hectares e mais 216 mil hectares de florestas preservadas. No total, a floresta captura 11,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente e as emissões em todo o processo produtivo é de 6,1 milhões de toneladas de carbono, resultando num saldo positivo de 5,1 milhões. “Temos um balanço favorável. Isso reduz o impacto da mudança climática”, assegura o gerente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Klabin, Júlio Nogueira. A Klabin é a maior recicladora do Brasil e o setor de papeis recicla 77% de tudo que produz.

No setor de construção civil, a MRV é pioneira em soluções sustentáveis em seus projetos. O condomínio Real Garden, que será entregue este mês no município de Camaragibe, tem quatro dos 28 blocos com painéis solares, torneiras com sistema de redução de vazão (que traz economia de 40% no consumo) e bicicletário coletivo. A empresa também já colocou em teste dois projetos-piloto de carros elétricos em condomínios em Belo Horizonte (MG) e Campinas (SP), que não tardam a chegar por aqui. O gestor Executivo de Sustentabilidade, Luís Henrique Capanema, diz que a meta da construtora é investir R$ 45 milhões só no projeto de instalação de painéis fotovoltaicos, que já tem 300 empreendimentos selecionados no País, com 100 mil apartamentos beneficiados. “Não temos dúvida de que esse será um critério de escolha dos clientes num futuro próximo: optar por equipamentos sustentáveis”, aposta.

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