Na crise, desempregados viram empreendedores

Sem conseguir retornar ao mercado de trabalho, profissionais apostam no próprio negócio
Adriana Guarda
Publicado em 30/08/2015 às 7:00
Sem conseguir retornar ao mercado de trabalho, profissionais apostam no próprio negócio Foto: Heudes Regis/JC Imagem


Vestir o jaleco de metalúrgico do setor naval era o sonho de Everton Dayvid, 27 anos. Enquanto trabalhava na portaria de um edifício de classe média em Boa Viagem, aproveitava o tempo vago para estudar. A lida como porteiro foi curta. Uma oportunidade no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Suape, fez o jovem trocar de farda. Aprendeu a profissão de montador e passou também pela Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e pelo Estaleiro Promar. Em dezembro do ano passado, Everton entrou na estatística do desemprego. Em Pernambuco, o setor de metalurgia demitiu 4 mil profissionais, impactado pela crise econômica e pela operação Lava Jato. A dificuldade de voltar ao mercado de trabalho fez o metalúrgico se aventurar na carreira de empreendedor. Montou a oficina Candeias Reboques, especializada na fabricação de trailer para food truck.


Diante do avanço do desemprego, os brasileiros estão investindo o dinheiro de suas rescisões na abertura do próprio negócio. “Em momentos de crise, ocorrem esses ciclos de empreendedorismo. No primeiro semestre deste ano, o número de microempresas e empresas de pequeno porte cresceu 16,5% no Estado. Esse é um caminho, mas precisa fazer o dever de casa. O empresário tem que ter capacidade de correr risco calculado, que é diferente de correr perigo”, alerta o analista de Atendimento Individual do Sebrae em Pernambuco, Luiz Nogueira, com 35 anos de experiência no tema.

A desmobilização da Rnest, em Suape, contribuiu para Pernambuco liderar o ranking de desemprego no Nordeste. Em julho, a taxa na Região Metropolitana do Recife alcançou 9,2%. Nos sete primeiros meses do ano foram fechados 77,9 mil postos de trabalho. Em contraponto ao desemprego, cresceram os investimentos em abertura de novos empreendimentos, com destaque para as franquias. “Está acontecendo um fenômeno que chamamos de empreendedorismo por necessidade. A expansão do número de Microempreendedores Individuais (MEIs) coincide com a intensificação do desemprego a partir do segundo trimestre. Até abril, o crescimento estava na casa dos 7%, mas a partir de maio dobrou para 15%”, compara o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. 


As franquias estão na lista dos negócios mais procurados. “Há uma tendência de crescimento do setor em anos de crise, porque as pessoas temem arriscar num negócio novo e apostam nas marcas consolidadas. As microfranquias, com investimento entre R$ 2 mil e R$ 80 mil são as mais procuradas. Para este ano, estamos apostando numa expansão de 13% do faturamento, na comparação com 2014. No primeiro semestre, o aumento foi de 11,2%”, observa o diretor da regional Nordeste da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Leonardo Lamartine.

Optar por uma franquia foi o caminho escolhido pelo geógrafo Rodrigo Ferreira, 30. Depois de passar três anos e meio trabalhando numa empresa de tecnologia do Porto Digital, em fevereiro deste ano, ele recebeu a notícia de que seria demitido por conta da crise. A empresa precisava cortar custos e ele entrou na lista. “Foi um momento doloroso porque gostava do que fazia ali e as pessoas me respeitavam. Fiquei sem saber pra onde ia até que recebi o convite de um casal de amigos para assumir a franquia da Docecleta na Zona Norte do Recife”, conta. Criada há um ano, a food bike é especializada na venda de brownie, com uma unidade fixa no RioMar e cinco bicicletas na comercialização de rua. O empreendedor conta que já está conseguindo tirar uma renda superior a que tinha no emprego de carteira assinada.

Acostumado a ciclos na carreira, o empresário Ricardo Dornelas, 44, aproveitou um hobby para empreender. “Sempre gostei de fazer comida, mas minha especialidade era a culinária regional. Preparava buchada, rabada e mão-de-vaca para comer com os amigos. Nunca tinha feito um bolo na vida até decidir fazer brownie. Pesquisei na internet, li livros e montei minha receita”, diz. O negócio ganhou escala e se transformou na Seven Brownie. O empresário procurou o Sebrae para profissionalizar a empreitada. 

De carona na tendência do food truck, Everton aproveitou seus conhecimentos em metalurgia para montar trailer. “Entrego o trailer todo pronto com instalação hidráulica e elétrica, além de fazer parceria com fornecedores para adesivar e equipar com equipamentos de cozinha. Quero expandir meu negócio e continuar empreendendo. Hoje tiro o triplo do salário que tinha em Suape e emprego meu irmão e três colegas que perderam emprego no complexo”, comemora.

História de ousadia é a do administrador George Rodrigues, 30. Diferente dos demais exemplos desta reportagem, ele deixou um emprego estável na Unilever para investir na My Burger. A hamburgueria tem duas lojas (Piedade e Casa Forte) e emprega 18 pessoas. Prestes a ser promovido ao mais alto nível de gerência na multinacional, George achou que er o momento de sair e arricar na criação do próprio negócio. O sonho de ser empreendedor ele já tinha. Causou surpresa entre os colegas da empresa quando anunciou a saída. Sem receber indenização porque pediu demissão, o empresário raspou as economias que fez ao longo da vida profissional. "Desde que comecei a estagiar decidi que juntaria entre 10% e 20% da minha renda por mês. Foi com esse dinheiro que abri a My Burger", conta.

O jovem empresário conta que investiu R$ 200 mil na primeira loja, inaugurada em Piedade. "Para empreender é necessário observar o momento do mercado, ter uma boa ideia e estar num bom momento pessoal. Eu tinha tudo isso e resolvi arriscar", afirma. Para conhecer o segmento ele visitou 27 hamburguerias no Brasil e no exterior até definir seu modelo de negócio. Optou pela personalização, pelo conceito "faça do seu jeito". Na My Burger, o cliente monta escolhe a carne, o queijo, o complemento e o molho, além de batizar o próprio sanduíche, que recebe uma plaquinha impressa com o nome escolhido.

Em outro movimento de ousadia, George inaugurou há pouco mais de dois meses a segunda unidade da My Burger, em plena crise econômica. A nova loja demandou investimento de R$ 250 mil. “Empreender é exercitar a cidadania. Gero empregos e vejo meus colaboradores realizando sonhos. Mas não é fácil, porque o Brasil não tem um ambiente de negócios favorável ao pequeno empreendedor. Tem que planejar, ter uma boa poção de loucura e arriscar”, diz. A próxima meta da My Burger é inaugurar mais duas ou três lojas próprias e comercializar franquia da marca a partir de 2017.  

 


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