João Carlos Paes Mendonça estava na capital pernambucana quando recebeu um telegrama via Western. Era do tio Mamede. “Não compre terreno aí. Recife é uma cidade pobre”, alertava, em poucas palavras. Comerciante experiente, Mamede queria que o sobrinho fosse para Salvador, onde ele já tinha quatro lojas. Embora ainda não tivesse fechado negócio, o jovem empresário respondeu: “infelizmente já comprei”. Poucos meses após aquele episódio, no dia 2 de junho de 1966, inaugurava, no bairro de Casa Amarela, a primeira loja do Bompreço. O supermercado marcava a expansão do Grupo JCPM pelo Brasil, que hoje completa 50 anos no Recife.
Sergipe tinha ficado pequeno para João Carlos. A empresa do pai, Pedro Paes Mendonça, já tinha alcançado uma boa estrutura com mercearia, usinas de beneficiamento de arroz e de milho, atacado e um pequeno mercadinho. Recife era uma cidade com a qual tinha relações comerciais e afetivas. Vendia arroz por aqui e comprava bebidas e medicamentos de fornecedores locais. Em 1960 passou a lua-de-mel com Dona Auxiliadora num hotel da Avenida Boa Viagem. Nos anos seguintes, João Carlos começou a prospectar mercado.
“Disse ao meu tio Mamede que Salvador só teria mercado para um membro da família porque competir entre familiares é difícil. E vim para Recife com minha esposa e minha filha de 3 anos. Naquela época não existia pesquisa de mercado e contei com a ajuda de pessoas bem informadas, como Wilson Porciúncula (gerente da Gessy Lever na época) para conhecer a cidade”, recorda.
João Carlos conta que costumava ficar encostado com Auxiliadora na parede da Delegacia de Casa Amarela, observando as pessoas que passavam com sacolas e anotando o que elas compravam. Também avaliavam o mercado como consumidores, fazendo feira duas vezes por semana para conferir preços e atendimento da concorrência.
O varejo naquela região nos Anos 60 era comandado pelos empresários de Zé Bodinho e João Arruda, mas não existia um supermercado com o padrão do estreante Bompreço no bairro. A unidade com 518 m2 de área de venda inaugurou com o slogan: “Uma loja em Casa Amarela, servindo a cidade inteira”. Abriu com 70 funcionários e oito caixas, mas o crescimento frenético do movimento exigiu mais quatro checkouts.
O nome Bompreço surgiu da tentativa de fazer frente ao concorrente Comprebem. “Eles tinham um nome excelente e precisávamos de algo no mesmo nível. Convidamos um marqueteiro de Aracaju (Francisco Rosa) e ele apresentou uma lista com 20 sugestões, mas ficamos entre Paguepouco, Paguemenos e Bompreço e quem fez a escolha final foi Auxiliadora”, lembra. Dois meses após a inauguração, o supermercado já agitava a concorrência. Os comerciantes anotavam os valores das mercadorias no Bompreço e prometiam preço mais barato nas suas lojas. “Mas nós não ficamos atrás e entramos na briga”, diz.
A concorrência não se limitou aos preços. Pouco mais de um ano após a abertura da primeira loja, o Bompreço se expandia para outros bairros. Chegou na Madalena (1967), Ceasa e Parque Amorim (1969), Arruda e Boa Viagem (1971). Não tardou para atravessar a fronteira de Pernambuco e a se espalhar pelo Nordeste a partir dos anos 1970, começando por Maceió e João Pessoa até chegar aos nove Estados da região. “Um dos destaques foi a loja da Conselheiro Aguiar, uma das mais modernas e bonitas do Grupo. Tinha área de 2,6 mil m², piso de granito, forro e estrutura de alumínio e vidro fumê. Nessa época também começamos a oferecer rotisserie, vendendo pratos prontos”, destaca.
“O Bompreço mudou paradigmas no varejo. Na época em que inaugurou as lojas não abriam segunda-feira pela manhã nem aos domingos. O setor também não aceitava cheque, mas criamos um programa de fidelidade com cadastro aprovado dos clientes. Para oferecer preços ainda mais competitivos, a rede conversou com indústrias para fornecer os chamados produtos brancos, com a marca Da Casa. Depois a ideia evoluiu para as marcas próprias”, observa Eduardo Lemos, integrante do Comitê do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação que foi assistente da presidência do Bompreço por 16 anos e depois seguiu para o SJCC, onde atua há 29 anos.
Sob o comando de João Carlos, o Bompreço foi referência no varejo brasileiro, apostando em tecnologia e lançando inovações em serviços, produtos e relacionamento com clientes e colaboradores. O cadastro de recebimento de cheques, lançado em 1969, se transformou no estrondoso sucesso do Hipercard (1982). A rede foi a primeira no País a importar 12 scanners e implantar o sistema de código de barras, além de lançar um clube de fidelidade, o Bomclube (1995).
“João Carlos foi presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) por dez anos (a partir de 1977) e teve contato com as novidades no mundo do varejo. Ele se relacionava com Michael O’Connor, considerado o papa dos supermercados. Dessas conversas e das muitas conferências que participou mundo afora trouxe a ideia do Bomclube de Ohio, nos Estados Unidos, e da Irlanda. Depois o mercado brasileiro adotou”, rememora Lemos. O empresário também presidiu a Associação Latino-Americana de Supermercados (Alas) entre 1986 e 1989 e e integrou o Conselho Monetário Nacional (CMN), participando da vida econômica do País e do setor. Também fez parte do CIES (The Food Business Forum), com sede em Paris.
No relacionamento com os clientes, a rede criou o Encontro Bompreço com a Dona de Casa (1982), que depois se transformou em Encontro Cliente Bompreço. Em 1992 saiu pelas ruas de Boa Viagem pela primeira vez o Bloco da Parceria, que se tornou uma das prévias mais famosas do Carnaval. Em âmbito interno, adotou uma política de incentivo aos funcionários, com plano de saúde, previdência e participação nos lucros. “Nós fomos muito arrojados, com uma estrela brilhante e o dedo de Deus”, comemora João Carlos.
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