A mudança climática não é uma questão de crença. Nos últimos anos, vem deixando de ser um fenômeno distante e se aproxima de cada um de nós. Precisamos desfazer a imagem de que o aquecimento global é uma ‘saga ártica’, com ursos polares sobre calotas de gelo derretendo. Ele está em cada canto do globo. Basta olhar para o nosso próprio quintal e perceber as mudanças.
Em janeiro de 2016, Pernambuco enfrentou um fenômeno inédito que provocou tempestades, ventos de 80 km por hora, raios e chuva de granizo em pleno semiárido. O episódio estranho (um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis, que se deslocou do oceano e formou nuvens cumulonimbus) deixou um rastro de morte, alagamentos, derrubada de 173 árvores e blecaute em vários bairros do Grande Recife.
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No Brasil não faltam exemplos de eventos climáticos extremos. Secas na região Sul; chuvas de 300 milímetros em 24 horas no Rio de Janeiro, deixando uma dezena de mortos; inundações no Rio Madeira, na região Norte. Diante da recorrência e intensidade das mudanças do clima não dá mais para imaginar que o problema faz parte de um futuro distante. Os governos estão sendo obrigados a incorporar uma cultura de gestão de riscos e de planejamento de médio prazo.
Em outubro do ano passado, 91 dos maiores cientistas do mundo apresentaram o resultado do quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) da ONU, baseado em nada menos do que 6 mil estudos. O trabalho aponta o prognóstico: o mundo precisa reduzir em 45% as emissões de gases do efeito estufa até 2030, tendo o ano de 2010 como ponto de partida. A medida vai impedir que o aquecimento do planeta fique 1,5 grau Celsius mais quente do que antes da Revolução Industrial. Esse é o limite estabelecido por especialistas para evitar um ‘apocalipse ambiental’, que poderá levar a desertificação, secas prolongadas, fome, calor letal, incêndios, inundações e outras consequências.
“O mundo vem apresentando recordes consecutivos de temperatura. Esse ano já foi o quarto seguido (julho foi mês mais quente do planeta desde que começaram as medições). Essa onda de calor tem consequências, como as plantas podem deixar de fazer fotossíntese. Na cidade de Araripina (Sertão) a temperatura máxima aumentou pouco mais de 5 graus Celsius nos últimos 50 anos. Contribuíram para isso o desmatamento da caatinga na Região do Araripe, grande produtora de gesso”, alerta a responsável técnica do laboratório de mudanças climáticas do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), Francis Lacerda.
Assinado por quase duas centenas de nações em 2015, o Acordo de Paris prevê os compromissos de cada país para conter as consequências do aquecimento global. Em setembro deste ano, durante a cúpula do clima da ONU, em Nova Iorque, 74 países elevaram as suas metas, mas o Brasil não sinalizou avanços. O País, aliás, foi tema de muita polêmica por conta das queimadas na Amazônia. Na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o Brasil se compromete a uma série de metas, mas cientistas nacionais têm dúvidas de que elas sejam cumpridas, sobretudo no que se refere à Amazônia.
O professor do Instituto de Física da USP e um dos cientistas mais respeitados do Brasil, Ricardo Galvão, acredita que o Brasil não deverá conseguir cumprir a meta de desmatamento. “A Política Nacional de Mudança do Clima, regulamentada por lei, diz que o máximo de área desmatada deveria ser de 3.900 km² em 2020, o que significaria uma redução de 80% entre 1996 e 2005. Mas só no ano passado a área desmatada foi de 7.500 km² e, para 2019, está previsto 10.000 km²”, calcula.
Galvão explica que a Amazônia é estratégica para ajudar a controlar o aquecimento global porque a floresta é responsável por 20% de toda a água que é bombeada para a troposfera no globo terrestre, contribuindo para o regime pluviométrico; além de absorver o carbono da atmosfera. Em palestra recente na Semana do Clima, em Nova Iorque, o climatologista Carlos Nobre mostrou que de todo o dióxido de carbono (cerca de 37 bilhões de toneladas equivalentes) emitidos por combustíveis fósseis e desmatamento, 44% vão parar na atmosfera, 31% são absorvidos pelas florestas e 25% pelos oceanos.
Na biodiversidade da Amazônia também está o caminho para o desenvolvimento com sustentabilidade. “O doutor Carlos Nobre e o doutor Ismael Nobre têm uma proposta também de aproveitamento do uso sustentável da floresta em pé, com cadeias de valor como a do açaí, a da castanha do Pará, a da borracha, mas esses são apenas três produtos em 200 que eles listam que poderiam gerar também cadeias de valor. Somente a cadeia do açaí tem uma receita estimada em R$ 3,5 bilhões por ano, quantia superior ao que movimenta, também em estimativas, a extração da madeira legal e ilegal na Amazônia. “Deixar queimar a floresta é queimar uma biblioteca cujos livros a gente não leu, porque lá estão as fontes mais preciosas, os arquivos que são muito importantes para a bioeconomia”, defende o conselheiro do Instituto Escolhas e professor da USP, Ricardo Abramovay.
Outra preocupação dos cientistas e dos governos estaduais é com a postura do governo Bolsonaro em relação às discussões ambientais. O Brasil foi cotado para sediar a COP25, mas o presidente declinou e a conferência vai acontecer em dezembro no Chile. “Assim como nos EUA alguns Estados estão liderando as discussões climáticas, aqui no Brasil isso também está acontecendo. O governador Paulo Câmara participou da Semana do Clima em Nova Iorque representando nove Estados, e Pernambuco vai sediar a primeira Conferência Brasileira de Mudança do Clima, que vai acontecer entre quarta (6) e sexta-feira (8) em vários equipamentos do Bairro do Recife”, adianta o secretário estadual do Meio Ambiente, José Bertotti.