Paloma Micaeli não viu Ayrton Senna brilhar nas pistas, não conhece os detalhes de sua história de sucesso na Fórmula 1 e nem tem noção de quão idolatrado ele é pelos brasileiros. Sabe apenas que “era um piloto famoso que morreu em uma batida”. Ela nasceu oito anos após o fatídico acidente com o tricampeão na curva Tamburello, no GP de San Marino, no circuito de Ímola, na Itália, há exatos 20 anos, dia em que o Brasil mergulhou na dor e chorou a morte prematura do ídolo. No entanto, a pernambucana de 12 anos não pensa duas vezes antes de colocar o ex-piloto no rol de seus heróis.
Nada mais esperado e justo. Afinal, a menina, que mora no distrito de Pontezinha, no Cabo de Santo Agostinho, é uma das quase 2 milhões de crianças beneficiadas anualmente em 1.300 municípios do País pelos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna, que ainda capacita 75 mil professores a cada ano. Paloma participa do “Acelera, Brasil”, um reforço escolar criado em 1999 para diminuir os índices de repetência no Ensino Fundamental.
“Quando a Paloma chegou aqui no ‘Acelera, Brasil’, apresentava dificuldades de aprendizagem. Um ano depois, é uma outra menina. Está evoluindo a passos largos na escola”, conta a professora Celma de Oliveira. Com a melhora no rendimento escolar, a pernambucana faz planos ambiciosos para o futuro: “Quero ser advogada. Aqui não aprendemos apenas a ler e a escrever, mas também a respeitar, a seguir em frente, a não desistir e a sonhar. Um dia vou ajudar outras crianças do Brasil”.
Comandado pela irmã do tricampeão, Viviane, o Instituto Ayrton Senna é uma organização sem fins lucrativos, que se empenha no desenvolvimento do potencial das novas gerações, auxiliando jovens a terem uma educação de qualidade, além de criar cidadãos capazes de responder às exigências do mercado de trabalho.
Atualmente, o Instituto sobrevive de doações e dos royalties provenientes da venda de produtos com a marca do ex-piloto. Atualmente, no mercado mundial, existem mais de 600 itens que levam o nome Senna – pouco mais de 100 lançados apenas neste ano, em decorrência da comemoração dos 20 anos de sua morte.
“Ayrton amava o Brasil, mas a desigualdade o incomodava e ele tinha um desejo de transformar essa realidade. Uma das formas de fazer isso, segundo ele, era por meio da educação das crianças e dos jovens. Ele queria oferecer a todos os brasileiros as mesmas oportunidades que ele teve na infância. O Instituto se propõe a fazer isso”, relembra Viviane.
Senna não teve chances de ver o instituto que vinha planejando criar com a irmã sair do papel. Ele morreu seis meses antes da inauguração. “Conversamos sobre o assunto alguns meses antes do acidente: ele disse que gostaria de fazer algo para ajudar a melhorar a situação do País e combinamos de retomar o assunto no fim da temporada da F-1 em 1994. Infelizmente, não houve tempo para uma segunda conversa. Mas a minha família resolveu levar adiante esse sonho do Ayrton e, em novembro de 94, fundamos o Instituto Ayrton Senna. É uma forma de devolver ao povo brasileiro todo o carinho que o Ayrton recebeu durante tantos anos”, explica Viviane.
ESPORTIVO
O legado de Senna não se restringe ao âmbito social. A sua morte provocou uma profunda revolução no automobilismo, principalmente na adoção de criteriosas medidas de segurança. Tanto que, desde o acidente fatal do brasileiro na curva Tamburello, a F-1 não registrou mais nenhuma tragédia sequer durante as provas. Antes do dia 1º de maio de 1994, a categoria tinha um triste histórico de dois pilotos mortos na pista por ano em média.
É imensa a lista de mudanças significativas introduzidas na Fórmula 1 depois da tragédia com Senna no GP de San Marino de 1994. Alguns exemplos: a potência dos carros foi limitada, o cockpit ficou mais alto e resistente, as barras da suspensão ficaram presas entre si e os pilotos passaram a ser obrigados a usar o Hans, aparelho preso ao capacete que protege a coluna cervical.
“Foi preciso que acontecesse uma tragédia com um grande ídolo para que a F-1 olhasse com mais atenção para a segurança dos pilotos. A morte de Senna deu início a uma nova era na categoria. Infelizmente, essas precauções poderiam ter sido tomadas antes do acidente em Ímola”, afirma o pernambucano Clayton Pinteiro, presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA).