Livro de José Teles mostra que frevo não é para todo mundo

'O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo' tem lançamento na festa de 1 ano do centro cultural Paço do Frevo
Marcos Toledo
Publicado em 11/02/2015 às 6:00
'O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo' tem lançamento na festa de 1 ano do centro cultural Paço do Frevo Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem


Esta é uma semana muito especial para o frevo, para muitas pessoas considerado o único ritmo genuinamente pernambucano. Foram 108 anos completados oficialmente na última segunda-feira (9/2). Oficialmente, pois há quem discorde e diga que o gênero existe desde fins do século 19. Então, desde sua origem, esse ritmo vem colecionando controvérsias. Muitas delas podem ser agora conferidas no livro O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo, de autoria de José Teles, crítico de música do Caderno C do Jornal do Commercio.

O lançamento oficial da publicação - que foi anunciado para terça-feira passada (10/2) e, a exemplo do ritmo, também nasceu causando celeuma - ocorre esta quinta (12/2), às 17h, no espaço Evoé Frevo Café do Paço do Frevo (Bairro do Recife), que, aliás, também está em festa: comemora 1 ano de atividade no mesmo dia. A programação inclui uma edição especial do Arrastão do Frevo, com um encontro de estandartes comandado pelo bloco Siri na Lata e a orquestra do bloco Ceroula, que saem do centro cultural, às 18h, para o Marco Zero.

Outro aspecto elucidado pelo autor é o fato de que, mesmo se tratando de uma música pop, o frevo é um gênero que para ser feito - sobretudo o frevo de rua - exige que o compositor tenha conhecimento acadêmico, ou seja, sabia ler e escrever partitura.

Em seu subtítulo, o livro O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo já dá uma pista de que se trata de uma obra aberta. Enquanto se gravar o ritmo - e enquanto continuarem as pesquisas do autor -, a publicação nunca será totalmente finalizada.

Leia a matéria completa na edição desta quarta-feira (11/2) do Caderno C do Jornal do Commercio.

 

Trecho do livro:

 

Centenário

Foi o escritor e pesquisador Evandro Rabelo que encontrou no Jornal Pequeno, diário recifense já extinto, a primeira citação ao termo “frevo”, no dia 9 de fevereiro de 1907. O frevo, estampado na nota do jornal, é o título de uma das músicas do repertório do bloco Empalhadores do Feitosa. Ressaltando-se que na época frevo não designava ainda um gênero musical, mas a movimentação, o frenesi, o fervor que a marcha pernambucana provocava. O frevo, música, obviamente é anterior a essa data. Vem das duas últimas décadas do século 19, mas convencionou o 9 de fevereiro como a data de nascimento no registro do frevo.

Desde já convido o povo, todos os artistas, independente do estilo de música, para entrar nesse arrastão, no qual sou apenas mais um participante.” O convite foi feito por Antonio Nóbrega, em entrevista ao autor deste livro, em 2005. Nóbrega anunciava o show de lançamento, no Teatro da UFPE, do primeiro álbum dedicado por ele ao centenário do frevo, 9 de frevereiro: “Sou um músico que toca violino, canta e dança. Este disco expressa minha paixão por este gênero musical e minha intenção é dar maior visibilidade a algo tão rico que o Brasil precisa conhecer mais. Se vou ser bem-sucedido, não sei”, comentava o músico anunciando já um segundo volume a ser lançado em 2007.

Provavelmente, se Antonio Nóbrega não houvesse se antecipado, feito um disco que se tornou um espetáculo amplamente divulgado pela imprensa nacional, o centenário do frevo não haveria sido a celebração apoteótica que foi. Em 9 de fevereiro de 2007, ele comandou um arrastão do frevo, acompanhado por artistas, músicos e foliões até a Praça do Marco Zero. Ali o frevo não parou até a madrugada, culminando com um show do qual participaram cantores, cantoras e grupos que gravaram para o álbum 100 anos do frevo: é de perder o sapato (lançado numa parceria entre a Prefeitura do Recife e a gravadora carioca Biscoito Fino).

Um álbum ecumênico que congrega estrelas nacionais como o próprio Antonio Nóbrega, Maria Rita, Ney Matogrosso, Lenine, Alceu Valença, com artistas locais, Silvério Pessoa, Claudionor Germano, Nena Queiroga, Geraldo Maia, para citar alguns nomes. A produção foi assinada por quem começou projetos desse tipo, Carlos Fernando (o autor deste livro teve a honra de assinar o texto do encarte do álbum).

Voltando ao disco 9 de frevereiro, na citada entrevista, Nóbrega, considerado um conservador (como ademais todos os músicos que foram ligados, de uma forma ou de outra, ao movimento armorial), mostra-se bem aberto às novidades no frevo, inclusive executado por ele com o violino como instrumento solo (o que aliás, era comum até os anos 1920): Meu interesse não é afirmar o frevo a partir de um patamar tradicional, mas como uma música em constante evolução. Está aí Spok para confirmar isto”. Curioso e paradoxal, que o “conservador” Nóbrega tenha sido o principal incentivador da carreira do saxofonista e maestro Inaldo Cavalcanti de Albuquerque, apelidado Spok, pelos colegas de escola, por ter as orelhas com os lóbulos pontudos, como as do doutor Spock, personagem do seriado americano Jornada nas estrelas (a bem da verdade, não apenas as orelhas, o rosto é também parecido).

Nascido em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, Spok começou a aprender música em sua cidade e na adolescência estudou no Centro Profissionalizante de Criatividade Musical do Recife (atual Escola Técnica Estadual de Criatividade Musical), no centro da capital pernambucana. Tocou com Ademir Araújo e com Duda (casou com uma neta dele). Com colegas da escola de música fez o estágio que os grandes mestres do frevo fizeram: tocar nas ruas durante o Carnaval de Olinda e do Recife.

Talentoso e carismático, Spok foi se entrosando no meio musical do Recife e sendo convidado para tocar em shows, em gravações. Foi o músico certo no lugar certo. Ele está, por exemplo, com a orquestra de Duda, no último disco do projeto Asas da América e participou do histórico show de Chico Science & Nação Zumbi, em 1996, no Clube Português, para lançamento do álbum Afrociberdelia. O embrião da SpokFrevo Orquestra está no bloco Na Pancada do Ganzá, que promoveria a aproximação de Antônio Nóbrega e Chico Science, na Avenida Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Criado por Nóbrega,o Na Pancada do Ganzá iria enfrentar os baianos da axé-music, que ainda dominavam a semana pré-carnavalesca em Boa Viagem com seus trios elétricos. No dia 2 de fevereiro de 1997, no entanto, Chico Science morreria de um acidente de automóvel, no Complexo de Salgadinho, na fronteira do Recife com Olinda.

Em 2000, batizada pelo músico e produtor Zé da Flauta, surge a SpokFrevo Orquestra. O nome do jovem maestro entrou em alta. Pela primeira vez uma orquestra de frevo tocava para as pessoas assistirem, e até dançarem, mas não necessariamente. Uma temporada no bar/restaurante Clube do Capibaribe, no Paço Alfândega, sacramentou a SFO como um dado novo no frevo. Entretanto o maestro Spok não radicalizou, não subverteu o gênero. Até as improvisações durante os concertos tampouco eram novidades o grande Felinho já fazia aquilo nos anos 1940.

A diferença entre a SpokFrevo Orquestra e as congêneres era que ela não tocava bailes. Dava concertos, nos moldes das big bands norte-americanas da era do swing. As pessoas iam ao Cuba do Capibaribe, do empresário Paulo Braz, para jantar, beber e ver o show da SFO, assim como fazem no Blue Note, no Village, em Nova Iorque, ou no Ronnie Scott’s, em Londres. A SFO estrearia em disco, em 2003, com Passo de anjo, 80 anos depois que Borboleta não é ave (Nelson Ferreira), o primeiro frevo gravado, foi o sucesso do Carnaval pernambucano.

Passo de anjo, frevo de rua de Spok, foi uma das vencedoras do concurso de frevos da prefeitura, em 2002. Um disco coeso, de uma orquestra cujos músicos demonstravam um irretocável engajamento no projeto refletido no entrosamento durante os concertos. Passo de anjo teve versão em DVD e CD ao vivo, gravados no Teatro de Santa Isabel, com convidados como o baiano Armandinho Macedo, do Trio Elétrico de Dodô & Osmar. E, pouco tempo com um único disco, Spok e seus músicos passaram a turnês internacionais, com produção de Zé da Flauta e o empresário Wellington Lima (que deixariam a orquestra em 2011). Mesmo com um grupo de 19 pessoas, incluindo técnico de som e produtor, a SFO conseguiu manter as turnês anuais. Levaram o frevo à China, à India, deram concerto no palácio do presidente da França, na era Nicolas Sarkozy, no Dia da Música. Em 2010, foram admitidos no grande circuito do jazz do verão europeu. Os músicos calejados das caminhadas de frevo nas ladeiras de Olinda agora deslumbravam plateias europeias, cruzavam nos bastidores com nomes como Chick Corea e Esperanza Spalding.

Na turnê do verão de 2010 (realizaram outra no mesmo ano, porém, no outono) causaram espanto ao trompetista Wynton Marsalis, curador do importante festival de Marsiac, cidade medieval nos Pirineus, no sul da França. A noite final do festival foi brasileira e nordestina. Teve na programação Gilberto Gil e a Spokfrevo Orquesta. Depois de assistir na turma do gargarejo à apresentação da SFO, Marsalis foi ao backstage, cumprimentou efusivamente o maestro e os músicos e fez um convite: queria a orquestra tocando nos Estados Unidos, em 2012.

No começo de uma noite gelada, de fim de inverno, de março de 2012, a SpokFrevo Orquestra tocava frevo, no Atrium, do complexo cultural Lincoln Center, em Manhattan. O autor deste livro, que assistiu a esse concerto histórico, lembrou que 30 anos depois, cumpria-se o vaticínio do iluminado caruaruense Carlos Fernando que, assumindo-se pretensioso, bradava na manchete de sua entrevista ao Jornal do Commercio: “EU QUERO O FREVO EM NOVA IORQUE”.

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José Teles escritor crítico Música frevo
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