Quase 14% das meninas de 6 a 14 anos do país afirmam trabalhar ou já ter trabalhado para terceiros, revela pesquisa contratada pela organização não governamental (ONG) inglesa Plan International, que atua no Brasil desde 1997.
O resultado das entrevistas com 1.771 meninas de cinco capitais – Belém, São Luís, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre – e mais 16 cidades das cinco regiões do país foi divulgado nesta quarta-feira (10), em Brasília. A margem de erro da pesquisa é 2,5%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Brasília (UnB).
Mais de 37% das entrevistadas que dizem trabalhar prestam serviço na casa de outras pessoas, cuidando das crianças, fazendo faxina e outras atividades domésticas. Dezesseis e meio por cento trabalham em estabelecimentos comerciais; 7% em atividades relacionadas à agropecuária ou à pesca e 6% em fábricas. Cerca de 5% das entrevistadas revelaram que trabalham nas ruas vendendo coisas, recolhendo material reciclável, vigiando ou limpando carros e em outras atividades informais.
“É um dado assustador, que aponta para a total violação dos direitos das crianças, especificamente das meninas”, diz o gerente técnico de Monitoramento, Avaliação e Relatório da Plan International, Luca Sinesi. Ele lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe o trabalho de crianças com menos de 16 anos, salvo na condição de menor aprendiz, a partir dos 14 anos e com o devido acompanhamento.
Chamou a atenção dos pesquisadores que uma em cada dez entrevistadas, ou seja, 10% do total de meninas ouvidas, não tenha respondido à questão, ocultando assim sua situação. Pouco mais de 2% das garotas disseram estar à procura de trabalho.
As crianças paulistas entrevistadas lideram o ranking das que afirmaram trabalhar no comércio, na indústria e em atividades ligadas à agropecuária e à pesca. Além disso, das 149 quilombolas entrevistadas, 15,4% disseram que trabalhamndo. O percentual é duas vezes maior que os 7,1% registrados entre as demais entrevistadas (1.622). O percentual de meninas que responderam já ter trabalhado também foi maior entre as entrevistadas quilombolas (8,7%) do que entre as demais (6,6%).
Uma em cada três de todas as meninas entrevistadas (e não apenas das que trabalham ou já trabalharam) disse não ter tempo suficiente para brincar e estudar. Para parte delas, isso ocorre porque são obrigadas pelos pais a exercer atividades domésticas que, normalmente, não são cobradas dos meninos. De acordo com os pesquisadores, tal situação revela a manutenção da desigualdade de gênero entre as famílias, com reflexos sobre a construção do imaginário feminino.
Enquanto quase 77% das meninas lavam louça, 65% limpam a casa e 41% cozinham, seus irmãos são cobrados a fazer as mesmas atividades, segundo elas mesmas, em apenas 12,5%, 11,4% e 11,4% das vezes, respectivamente. A atribuição do cuidado com as crianças à figura materna é outro dado que aponta para a construção do ideal feminino: enquanto 76% das entrevistadas disseram ficar, no dia a dia, sob os cuidados da mãe, apenas 26,8% responderam que ficam sob responsabilidade do pai.
Outro dado da pesquisa diz respeito à familiaridade dessas meninas com a violência infantil, mesmo que a partir do relato de amigos e amigas. Uma em cada cinco entrevistadas disse conhecer garotas que já sofreram violência. O maior índice de respostas afirmativas, 26,4%, foi registrado no Pará. O menor, 13,3%, no Maranhão. O percentual de meninas que afirmaram conhecer outra garota vítima de violência também foi menor entre as entrevistadas quilombolas.
De maneira geral, as entrevistadas disseram gostar de ser meninas e ver nos estudos e na vida saudável os meios para serem felizes. Em um universo de entrevistadas pardas (53%), brancas (39%), negras (6%), amarelas (1,2%) e indígenas (0,3%), 71% das garotas disseram que se consideram bonitas e quase todas (94,8%), a cor de sua pele é bonita.
Presente à apresentação dos resultados da pesquisa, a ministra de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, destacou que as informações obtidas revelam um olhar diferenciado para a condição das meninas brasileiras.
"Há diferenças no tratamento (dispensado a homens e mulheres) e de papéis sociais a serem desempenhados, que vão se cristalizando desde muito cedo, a partir de casa, de detalhes como a diferenciação na atribuição de afazeres domésticos. É muito importante conhecermos essa realidade para que possamos pensar políticas públicas cada vez mais inclusivas”, afirmou a ministra.