Por mais de dez minutos, o agricultor João Machado silenciou e emocionou representantes do governo e deputados da Comissão de Agricultura da Câmara. Aos 72 anos, Machado é um dos posseiros retirados, em janeiro de 2013, da área indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, reconhecida pela Justiça Federal como propriedade dos índios da etnia Xavante.
“É minha profissão. Foi o que aprendi e não tenho mais o que fazer. Minha carteira (profissional) é de lavrador”, disse nesta quinta-feira (4), durante audiência pública para discutir as consequências, medidas e atitudes tomadas no processo de desintrusão e pós-desintrusão dos moradores do Posto da Mata, distante mil quilômetros de Cuiabá.
O debate foi marcado por depoimentos de ex-moradores e agricultores da região. Machado ressaltou que os agricultores reconhecem a importância da preservação e criticou a forma como a produção agrícola é considerada vilã ambiental.
“É um povo que enriqueceu o país com a ousadia do trabalho que hoje é criminoso. Decidiram chamar de agronegócio. Vocês estão vivendo hoje de um crime. O crime de trabalhar, produzir, adquirir. Eu não sei falar, mas vivemos uma época de inconsciência, falta de respeito ao ser humano. É falta de respeito e consideração a essas vidas. Estou com 72 anos, mas e os outros?”, completou Machado.
Outros produtores que tiveram de deixar a região lembraram que a desintrusão atingiu pequenos, médios e grandes proprietários. Segundo eles, muitos fazendeiros de porte à época dependem hoje da distribuição de cestas básicas pelo governo do estado. Outra parte com menos condição foi selecionada para deslocamentos para um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“O pessoal está jogado debaixo de lona, se água e energia”, protestou Renato Teodoro, ex-presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Agropecuária Suiá Missu, que ocupou a região desde os anos de 1960. Segundo ele, na época uma comissão de moradores esteve em Brasília, com autoridades do Incra, para alertar sobre o problema que seria causado após a desintrusão. “Mas não houve nenhum ajuste ou providência. Se algo aconteceu, a culpa é dos direitos humanos”, afirmou.
Para Renato Teodoro, mais de 50 pessoas morreram no local desde a retirada dos moradores de Posto da Mata. “A sensação é de abandono. Estamos pedindo clemência para o povo e as autoridades não ouvem. Dois anos já se passaram”, completou.
Vice-prefeita de Alto Boa Vista, Irene Maria Rocha dos Santos reforçou a falta de condições do local. “Somos 1,5 mil famílias e 5 mil pessoas. Dessas, apenas 12 estão assentadas no (projeto de assentamento) Casulo. Disseram que as casas sairiam até julho, mas até agora nada. Onde estão o assentamento, a casa, moradia e vida digna?”, questionou.
Irene acrescentou o caso de uma família que se alimenta de restos do lixão. “Direitos humanos nunca nos procurou. Esse povo deveria participar para sentir a realidade. Das 12 pessoas que tem casa montada lá, uma estava no lixão outro dia pegando lixo e comendo coisa podre”, assinalou.
Bruno Renato Nascimento Teixeira, ouvidor Nacional de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, explicou que o órgão acompanhou o processo até o deslocamento dos moradores para o assentamento. Segundo ele, não há informações sobre a atual situação.
“Se as coisas não avançaram a contento, cabe ao governo continuar acompanhando e dialogando com os senhores, porque o papel da ouvidoria é colher informações e buscar soluções. Este caso nunca foi minorizado. Temos um servidor destacado para acompanhar a discussão. Vamos continuar acompanhando”, garantiu. Segundo Teixeira, uma comissão irá até o local para fazer um novo diagnóstico da situação do assentamento.
O deputado Nilson Leitão (PSDB/MT) explicou que “a ideia (da audiência) é ter a responsabilidade de construir um novo futuro, já que não é possível mudar o que passou”. Leitão assegurou que não adotou o discurso de oposição, mas afirmou que o governo não assumiu postura clara em relação ao problema. “Vou propor à Casa um grupo de trabalho. Sugerimos isto para ao governo e não tivemos êxito. Vamos reunir deputados e senadores para tentarmos construir um novo futuro”, concluiu.
Paulo Alex Meneses Mendes, fiscal federal e coordenador-geral substituto de Sustentabilidade do Ministério da Agricultura, observou que o ministério não pode atuar diretamente sobre esse caso. Adiantou que o processo sobre a situação de ex-moradores e produtores da região está na Justiça. “Para o ministério é uma surpresa muito desagradável. É sempre complicado e difícil nos depararmos com este cenário. Realmente tem coisa errada”, avaliou. Mendes disse, ainda, que o ministério terá representantes no grupo de trabalho do Legislativo.
Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano explicou que o órgão enfrenta problemas na gestão territorial, principalmente por causa da dificuldade na aquisição de terras. Ele reconheceu que o ideal seria a desintrusão de terras ser feita apenas quando o assentamento estivesse pronto.
Criticado pelos ex moradores e produtores, que o acusaram de “enganar as pessoas” ao afirmar que o Incra faz o que é de sua competência e dentro de limitações legais e financeiras, o diretor prometeu buscar informações sobre recursos que a superintendência do órgão afirma estarem sendo liberados.
“Concretamente o que a superintendência nos apresenta é a celebração de convênio com repasse de R$ 300 mil reais para enfrentar o tema". Segundo ele, R$ 294 mil já foram liberados em créditos de R$ 3,2 mil por família. “Temos de avaliar o que está sendo considerado liberado. Teremos a resposta concreta e a levaremos para vocês”. Outro compromisso será buscar informações sobre o dinheiro operado pelo Minha Casa, Minha Vida Rural, para construção das casas. “A informação é que os recursos estão assinados na agência do Banco do Brasil de São Félix do Araguaia. Vamos buscar essa certeza”, afirmou o diretor.