Justiça criminal ainda resiste à aplicação da Lei Maria da Penha, diz pesquisa

A lei que classifica o assassinato de mulheres como homicídio qualificado e o coloca no rol de crimes hediondos foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006
Da ABr
Publicado em 30/04/2015 às 18:10
A lei que classifica o assassinato de mulheres como homicídio qualificado e o coloca no rol de crimes hediondos foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006 Foto: Foto: Juca Varella / Fotos Públicas


A lei que tipifica o feminicídio como homicídio qualificado e o inclui no rol de crimes hediondos – a Lei Maria da Penha – ainda tem pouca adesão e muita resistência do sistema de justiça criminal do país. A conclusão é de pesquisa  apresentada nesta quinta-feira (30) no Ministério da Justiça, elaborada pelo Centro de Estudos Sobre o Sistema de Justiça e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O estudo -  A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil - analisou 34 processos de homicídios de mulheres e parceiros nos estados da Bahia, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais, Paraná, e em Santo André, em São Paulo, e dois terços dos casos eram posteriores à Lei Maria da Penha, de 2006. Em metade deles, não havia menção à lei, e na outra metade, havia menção, mas não necessariamente sua aplicação, segundo informou a professora da Escola de Direito de São Paulo da FGV, Marta Machado.

“O cenário que encontramos mostra uma resistência muito grande à Lei Maria da Penha. Tem um esforço da Secretaria de Políticas para as Mulheres e de órgãos ligados ao Judiciário para tentar mudar esse cenário, mas isso é um desafio que ainda pode permanecer neste momento de aplicação da lei do feminicídio. Temos um grande desafio, que é a conscientização da questão de gênero dos operadores do sistema de justiça criminal”, disse a professora.

A lei que classifica o assassinato de mulheres como homicídio qualificado e o coloca no rol de crimes hediondos foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006. O texto modifica o Código Penal para incluir o crime – assassinato de mulher por razões de gênero – entre os tipos de homicídio qualificado. A proposta aprovada estabelece que existem razões de gênero quando o crime envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher.

As penas podem variar de 12 anos a 30 anos de prisão, dependendo dos fatores considerados. Além disso, se forem cometidos crimes conexos, as penas poderão ser somadas, aumentando o total de anos que o criminoso ficará preso, interferindo assim no prazo para que ele tenha direito a benefícios como a progressão de regime.

Segundo a professora da FGV, a tipificação do feminicídio tem o grande mérito de colocar a questão de gênero no centro do julgamento. “O que a gente via era uma falta de uniformidade na qualificadora [circunstâncias agravantes]. A questão específica do gênero não tinha lugar na legislação. A qualificadora para falar especificamente desse fenômeno [feminicídio] vem em boa hora para uniformizar os julgamentos.”

O estudo revelou que há um baixo índice de mulheres que pediram ajuda antes do assassinato por questões culturais, um histórico de violência doméstica sem intervenção do Estado e falha na aplicação de medidas protetivas de urgência.

“Vimos juízes querendo investigar quem era a mulher, se era boa mãe, dedicada, mulher direita, ou se era uma mulher que não cumpria o papel social. Vimos a mobilização dos esteriótipos femininos como forma de justificar a violência.   As mortes aconteciam por um histórico de violência que era ignorado no momento do julgamento, que reduzia todo o debate a apenas um ato,” disse Marta.

Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a lei do feminicídio é um marco na luta femininista, mas ela reconhece que há empecilhos para aplicação da norma por questões culturais. “Muita mulher é agredida e morta pelo fato de ser mulher. Precisamos fazer que a legislação seja cumprida. Para que seja cumprida, temos que romper as barreiras culturais. A violência é parte da discriminação contra a mulher e muitos homens não aceitam a independência da mulher”, disse a senadora.

A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltou que o Poder Judiciário está levantando quais são os gargalos para que a aplicação da lei do feminicídio seja efetiva. “A conquista de uma lei como essa é importante, mas somos nós responsáveis pela implementação dessa lei.”

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