Tyfany Stacy, de 31 anos, não tem dúvidas sobre qual carreira seguir. Ela quer ser química industrial. No caminho desse sonho, no entanto, está um desafio que muitos brasileiros conhecem bem, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas, o que a maioria dos outros candidatos a uma vaga no nível superior não conhece são os outros obstáculos que a cabeleireira e maquiadora transexual enfrenta desde os 11 anos, quando foi expulsa de casa por causa da sua identidade de gênero. A escolha complicada em definir o que cursar está longe de ser a mais difícil na vida de Tyfany.
"Fui expulsa de casa com 11 anos. Minha família não me apoiou e resolvi trocar minha família pela minha felicidade. Se meu sonho era viver como transexual, fui buscar meu sonho. E hoje estou mais estabilizada e posso buscar uma faculdade", conta ela, que deixou o interior de Minas Gerais e chegou a um abrigo no Rio de Janeiro, onde conseguiu concluir o ensino médio. "Na escola, já vinham os apelidos. Sarita, Babalu. Você é alvo de chacota na escola. Você é o viado do colégio."
Tyfany é uma das mulheres e homens trans que se matricularam no curso preparatório Prepara NEM!, no Rio de Janeiro, para tentar a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio. Entre conseguir uma vaga na faculdade e os diplomas dos níveis médio e fundamental, os objetivos são muitos, e a ideia do preparatório é encorajar todos eles.
"A gente o tempo todo trabalha com a ideia da não limitação dos sonhos. Se quer fazer medicina, a gente pode chegar lá", conta a professora voluntária Cristiane Furtado, de 37 anos, que entrou em contato com o projeto pelo Facebook. "Muitas alunas chegam falando 'não gosto de história', 'não gosto de geografia', 'não sei nada de matemática', 'estou fora da escola há muito tempo'. E, quando a gente começou as aulas, foi o contrário que aconteceu: uma participação incrível, um conhecimento muito maior do que nós poderíamos esperar e que extrapola para a vida."
Com voluntários de todas as áreas, o Prepara NEM! tem aulas diárias que ocorrem no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro e em outros locais apoiadores do projeto. Além das aulas, há também um calendário de monitorias em que os alunos e alunas tiram dúvidas individualmente com os professores.
Uma iniciativa semelhante em Belo Horizonte corre contra o tempo para oferecer aulas preparatórias para transexuais. O Enem está marcado para 24 e 25 de outubro, e o começo das aulas depende apenas de um número mínimo de alunos. "Existe uma dificuldade tanto de conseguir atingir essas pessoas com a divulgação quanto uma financeira da parte delas, para locomoção e material", diz a advogada Adriana do Valle, de 33 anos, que organizou o curso, reuniu 66 voluntários interessados e usará o espaço de seu escritório para as aulas, que contarão com apostilas doadas por alunos da Universidade Federal de Minas Gerais.
"Sou da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas e acompanho desde muito cedo a luta LGBT [sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros]. A letra T sempre foi muito excluída e muito esquecida. Vejo que no mercado de trabalho não existe espaço. Enquanto a gente não conseguir que as pessoas sejam capacitadas ficará cada vez mais difícil incluí-las", explica.
Outra dificuldade do curso mineiro é a falta de voluntários em algumas áreas. Entre 66 voluntários, há um professor de matemática, um de química e nenhum de química e biologia. O curso será no bairro do Prado, na zona oeste de Belo Horizonte, nos arredores da Avenida Amazonas. Os interessados em ajudar ou estudar podem entrar em contato com Adriana pelo e-mail adrianaalvesdovalle@gmail.com.