Desacreditada pelos médicos, jovem com microcefalia vira modelo graças à perseverança da mãe

Mãe de duas filhas com microcefalia, Viviane Lima contrariou prognósticos negativos, ajudou a filha a se tornar modelo e criou um grupo de apoio nacional para mães de crianças com microcefalia e outras deficiências
Talita Barbosa
Publicado em 05/03/2017 às 15:34
Mãe de duas filhas com microcefalia, Viviane Lima contrariou prognósticos negativos, ajudou a filha a se tornar modelo e criou um grupo de apoio nacional para mães de crianças com microcefalia e outras deficiências Foto: Foto: Reprodução/Facebook


"Me davam uma sentença de morte, mas eu não via aquilo na minha filha", ouviu a manauense Viviane Lima quando deu a luz à primeira filha, aos 18 anos. Com seis meses de gestação ela recebeu o diagnóstico de que a menina tinha microcefalia. A notícia veio numa época em que a condição ainda era desconhecida e os prognósticos apontavam para uma realidade que ela se recusava a aceitar. Sentenciaram que Ana Victória seria incapaz de andar, falar, socializar e teria uma "incapacidade permanente para a vida social". Mas previsão negativa nenhuma é maior do que o amor de uma mãe.

"O que eu sabia sobre a microcefalia eram coisas terríveis, era tudo muito surpresa, mas nunca desisti e nem perdemos as esperanças. O primeiro ano dela foi inteiramente atrás de fonoaudiólogos, fisioterapeutas, profissionais de todas as especialidades", diz Viviane. O diagnóstico sombrio não foi um destino. Ana Victória andou com um ano e dois meses, apresentou progressos nos exames já no primeiro ano de vida, e hoje, aos 17 anos, é modelo, assinou contrato com uma agência, anda, estuda, se comunica, desfila e sonha com um futuro no mundo da moda.

"A gente não pode se prender a um diagnóstico de papel. Muito menos parar diante das dificuldades. O que eu fiz foi acreditar", conta. E foi essa esperança que a impediu de se abater quando, dois anos e meio depois, durante nova gravidez, recebeu a notícia de que a segunda filha, Maria Luiza, também teria microcefalia. 

"Falaram que ela só viveria 24 horas. Hoje a Luiza está aí, com 15 anos", conta. 

Carreira

Apaixonada pela dança desde sempre, Ana foi descoberta após ser convidada para um projeto de uma agência de modelos em Manaus, a BM Models, que se dedica a revelar modelos com necessidades especiais. Há poucos meses ela fotografou para uma campanha contra o preconceito, chamada "Arte sem Preconceitos". 

"Me surpreendi, nunca imaginei a Victória como modelo. Vi minha filha desabrochando logo nas primeiras fotos. Ela repete o tempo todo que é isso que gosta de fazer, conta que os colegas da escola pedem autógrafo, dizem que ela é famosa. Ela se acha maravilhosa, o máximo. Quando tiravam as fotos, a coordenadora da agência disse que a Ana tinha que ir pras passarelas", afirma Viviane. Começava então, mais uma parte dessa história de superação.

A ideia era que a jovem participasse da seleção para a Fashion Rio 2017, evento de moda inclusiva previsto para ocorrer no mês de junho deste ano, no Rio de Janeiro. Cerca de 50 estilistas escolherão modelos com algum tipo de deficiência para desfilarem com peças produzidas por eles. O envio de um book fotográfico era um dos requisitos para a participação. Sem recursos financeiros suficientes para produzir o material, Viviane iniciou uma campanha nas redes sociais com o objetivo de realizar o sonho da filha. 

Em cerca de duas horas ela conseguiu a ajuda de produtores, maquiadores, cabeleireiros e fotógrafos que produziram o primeiro ensaio da filha. Quando fecha os olhos, a mãe da menina imagina a Ana brilhando de forma ilimitada, em desfiles de moda ou em qualquer outra coisa que ela decida fazer.

"Minha filha mostrou que é possível. Causa uma esperança enorme, cria um olhar que faz acreditar, pensar que tudo pode ser diferente".

O preconceito, ainda persistente, é um obstáculo diário que a família enfrenta. Mensagens negativas nas redes sociais da modelo e até mesmo questionamentos quanto a sua condição ratificam o quanto a moda precisa da Ana e de trabalhar a questão da inclusão.

"As pessoas ficam revoltadas por ela ter chegado onde chegou, dizem que ela não os representam. O preconceito é tão grande que chegaram a duvidar de que ela tinha microcefalia, eu precisava mostrar o laudo. Era mais fácil acreditar que eu mentia do que aceitar que ela tinha conseguido o que conseguiu", relata Viviane. 

"As pessoas ficam revoltadas por ela ter chegado onde chegou, dizem que ela não os representam. Era mais fácil acreditar que eu mentia do que aceitar que ela tinha conseguido o que conseguiu"

Viviane Lima

Mães de anjos

Viviane resolveu não guardar só para si o aprendizado, desafios e alegrias da criação das filhas. A mãe das meninas criou, há pouco mais de um ano, o "Mães de anjos unidas", grupo de apoio online para pais de filhos com a malformação. O projeto, que começou com um grupo no Whatsapp, hoje se multiplicou por treze: um nacional, e os demais, estaduais. A ideia agora une mães de anjos com outras condições. 

"O que eu sei hoje sobre a microcefalia não veio do que eu ouvi de médicos, mas da minha experiência. A desinformação assusta e eu não podia deixar que os 17 anos que vivi imersa nisso não ajudem outras mães em nada", diz ela. Viviane hoje fala sobre as filhas e o projeto olhando para o futuro. Ela aguarda apoio para fazer do grupo algo ainda maior, criando uma rede de apoio nacional para famílias de bebês com microcefalia. O sonho da mãe das meninas é que nenhuma outra mãe de anjo permaneça carente de informações e amparo.

"Um jornal pernambucano falando sobre a trajetória da minha filha é o ápice do que eu queria que acontecesse. Quero proporcionar a essas mães o que eu não tive, tirar um pouco de mim e do que foi a minha vida para ajudá-la", declara ela.

Vir a Pernambuco - Estado com pesquisas contundentes e tratamentos mais avançados sobre o assunto - para trazer mais sobre o projeto e compartilhar experiências é outro sonho da mãe das meninas, que reside em  Manaus, no Amazonas.

"Por questões financeiras, é algo impossível para mim hoje. Mas espero que a história da Ana Victória se espalhe e chegue ao maior número de pessoas possível. Sempre quis colocá-la em todos os lugares, dar às minhas filhas o que é dela por direito e quero que ela seja a prova de que é possível, de que tudo é possível", afirma Viviane. 

Contato

Mães de anjos e quem estiver disposto a ajudar podem entrar em contato com Viviane Lima através do email eutenhoumserespecial@outlook.com, página do projeto 'Eu tenho um ser especial' no Facebook, ou pelo telefone (92) 988048874

 

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