Um total de 900 policiais, entre civis e militares, realizaram na manhã desse domingo, 21, uma das maiores operações na Cracolândia e região contra o tráfico de drogas. Foram presos 38 traficantes - entre eles os flagrados recentemente com armamento pesado - e apreendidas diversas armas, como fuzis e submetralhadoras, além de uma quantidade de crack não divulgada. A polícia desmontou as 34 barracas da feira de drogas que funcionava na área e comercializava 19 quilos de crack por dia.
As investigações que resultaram na megaoperação de ontem começaram a ser feitas pelo Departamento de Investigação Sobre Narcóticos (Denarc) em novembro, quando foram identificados os fornecedores de droga e as principais lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) que atuavam na região.
Às 6 horas, os PMs entraram na Cracolândia e avançaram com o apoio de dois helicópteros, cercando as saídas do quadrilátero formado por Alameda Dino Bueno, Rua Helvétia, Alameda Cleveland e Avenida Duque de Caxias. Foram lançadas bombas de efeito moral para dispersar os usuários de crack, que correram pelas ruas próximas, carregando seus pertences. Carros foram depredados, e o lixo acabou sendo espalhado pelas ruas.
Investigadores entraram em hotéis e estabelecimentos comerciais à procura de traficantes, armas e drogas. Não foram observados agentes de saúde ou da assistência social durante a ação policial (mais informações na pág. 17). A megaoperação ocorreu durante a Virada Cultural, que tinha palcos no centro.
A Justiça havia expedido 69 mandados de prisão e cerca de 50 de busca e apreensão para a megaoperação. Do total de procurados, 28 foram detidos na Cracolândia e 10 em outros pontos. Entre os presos estão dois homens importantes do PCC, organização que controla o tráfico de drogas no Estado de São Paulo. Acusado de ser o responsável pelo abastecimento de crack na Cracolândia, Fabio Lucas dos Santos, o FB, foi capturado em Caraguatatuba, no litoral norte. Também foi preso Leandro Monteiro Moja, o Léo do Moinho, que, segundo o Denarc, foi quem ordenou que traficantes matassem, na Cracolândia, o socorrista Bruno de Oliveira Tavares, no início do mês. Ele havia ido à região com o dono de uma clínica resgatar um usuário, mas acabou morto após ser confundido com um integrante do Comando Vermelho (CV), facção rival ao PCC.
O representante comercial Marcos da Silva, de 33 anos, contou que acordou assustado com a polícia invadindo a pensão onde mora, na Rua Helvétia. Do lado de fora, ouvia as bombas que eram lançadas para dispersar as pessoas que estavam no fluxo. "Invadiram (a pensão), mas não acharam nada. Aí pediram desculpa e saíram", contou. Apesar do susto, Silva acredita que a ação foi positiva e espera que os usuários de droga e traficantes não retornem para a região. "Isso aqui está um inferno pelo menos desde 2014. Preciso tomar remédio para dormir e não consigo sair de casa depois das 18h30, por medo. É como viver no interior do inferno", afirmou. A megaoperação foi encerrada às 8h30.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário de Segurança Pública, Mágino Alves Filho, participaram durante a manhã de uma reunião em uma unidade móvel dentro da Cracolândia. O prefeito João Doria (PSDB) também esteve no local após a ação. Os primeiros registros de crack na capital datam do início dos anos 1990. A Cracolândia começou a ganhar forma em meados dos anos 2000 e, desde então, diversos governos tentaram, sem sucesso, acabar com ela.
Policiais civis e militares do Comando de Operações Especiais (COE) também cumpriram mandados na Favela do Moinho, no centro. Os homens chegaram às 7 horas e entraram no local em busca dos procurados. Um helicóptero acompanhou a ação (mais informações nesta pág.). Ninguém foi preso.
Após a megaoperação que prendeu 38 traficantes na Cracolândia, o prefeito João Doria (PSDB) disse que o próximo passo será realizar ações de saúde e reurbanização na região. Doria afirmou que a área não será novamente um ponto frequente de venda e uso de drogas. "Não há possibilidade de a Cracolândia voltar na circunstância que havia anteriormente nesta região da Luz", disse o prefeito no Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc).
Em fevereiro, Doria havia dito que iria retirar os usuários da Cracolândia até junho deste ano e que a remoção seria feita de forma "humanitária". Segundo o prefeito, a região permanecerá cercada e vigiada pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Metropolitana. "Será feita a limpeza de toda a área. Ainda não houve ação urbanística como a que será feita." Segundo ele, hotéis e pensões da região serão lacrados e, depois, demolidos.
Doria rebateu as críticas pelo fato de a operação ter ocorrido durante a Virada Cultural, que teve programação no centro. Para ele, "não há nem bom nem mau dia", e a data foi escolhida por decisão estratégica da polícia.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) também elogiou a operação e justificou por que ela foi feita somente com policiais, sem o acompanhamento de equipes de saúde. "Para não colocar em risco ninguém. Foi feita para tirar armas, tirar traficantes e dar segurança para que os outros agentes possam (agora) trabalhar", afirmou. O governador se referiu à Cracolândia como "uma questão crônica" que "não se resolve com um estalar de dedos".
Para Alckmin, a ação de ontem tem potencial para ajudar toda a cidade, "pois os traficantes abasteciam não só a Luz como outras partes da capital". O governador disse ainda que se "estava dando mesada para as pessoas comprarem droga", em referência ao programa De Braços Abertos, instituído pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que pagava a dependentes por serviços de limpeza na região.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da gestão Haddad rebateu a crítica do governador. "Durante quatro anos consecutivos a gestão anterior pediu uma ação efetiva de combate ao tráfico e não foi atendida. Atribuir ao programa Braços Abertos responsabilidade pelo tráfico é covardia."
Algumas horas após a ação, o secretário estadual da Saúde, David Uip, visitou a região e afirmou que dependentes químicos e traficantes haviam invadido, na semana passada, dois prédios do governo estadual de atendimento a usuários de droga. Os invasores teriam queimado e destruído carros de funcionários. Segundo Uip, foram ocupadas a unidade do programa Recomeço e o prédio do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), ambos na região central. "A situação era muito perigosa para o pessoal", disse.
"A nossa abordagem de rua junto com o serviço social estava dificultada. Essa operação, do ponto de vista da saúde, foi fundamental para que possibilite o nosso atendimento e a abordagem mais adequada do usuário", complementou. Sem os traficantes, explica Uip, o Estado poderá se reaproximar dos usuários de droga para dar assistência de saúde. Segundo ele, estão disponíveis hoje na rede estadual de saúde cerca de 3,4 mil vagas de atendimento ao dependente químico.
O secretário afirmou que na semana passada esteve "anonimamente" na Cracolândia e teve "muitas dificuldades" para se aproximar da unidade do Recomeço. "Fui abordado, intimado e ameaçado", disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.