Após sucessivos congelamentos de verbas por parte do governo federal e com mais da metade do orçamento inacessível para este ano, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) adotou mais uma medida emergencial para tentar deixar suas contas no azul. A partir da próxima segunda-feira (8), a universidade passará a ter um horário reduzido e apenas funcionará das 7h30 às 13h30. Apesar da suspensão das aulas por conta do recesso, que inicia na próxima semana, as atividades de pesquisa e extensão da universidade não serão interrompidos e professores e alunos já começam a ver os impactos da medida.
Publicada em uma portaria pelo reitor João Carlos Salles, a alteração no horário de funcionamento deve ser mantida até o dia 2 de agosto, quando o recesso letivo será finalizado, mas a universidade admite que outros cortes realizados neste período podem ser mantido após o retorno das aulas por conta do bloqueio de verbas pelo Ministério da Educação.
Na portaria publicada pela universidade, o reitor explica que as despesas de energia elétrica e água somam R$ 26 milhões anualmente e que o horário entre 18h e 21h têm um custo sete vezes maior do que em outros horários. Mesmo durante o dia, a recomendação da universidade é de que “a comunidade universitária racionalize ao máximo o uso de equipamentos de alto consumo, como, por exemplo, os de ar condicionado”. Para diminuir gastos com energia elétrica, o reitor já havia determinado no final do mês de maio que as luzes da universidade fossem desligadas a partir das 23h.
Serviços considerados essenciais pela universidade não serão interrompidos. Dentre eles estão os de segurança, a manutenção predial, os de informação e comunicação, além do restaurante universitário e o funcionamento do hospital universitário.
“A portaria prevê, com clareza, algumas possibilidades de exceção a esse horário especial, como, por exemplo, serviços prestados por laboratórios nas unidades, pesquisas que dependam de equipamentos que não podem ser desligados, assim como quaisquer outras atividades que as respectivas unidades acadêmicas entendam ser essenciais e de justificada excepcionalidade”, afirmou a assessoria da UFBA.
A universidade ressaltou que ainda não dimensionou qual será o impacto financeiro provocado com a redução das despesas por faltar uma definição do “conjunto de excepcionalidades” que cada faculdade irá enviar à reitoria, mas que deve ser “significativo”.
Pelo menos 120 alunos formandos, de seis cursos da UFBA, estão sendo impactados com a mudança de horário da universidade. As solenidades, agora, só podem ocorrer entre segunda e sexta-feira, das 9h às 14h. A UFBA admite que existe a possibilidade de manutenção do horário restrito ao Salão Nobre da Reitoria da UFBA após o retorno do recesso. "Não pode acontecer nem em feriados, nem noites, nem fins de semana. Isso impacta diretamente nas nossas famílias porque muitas pessoas moram no interior ou têm pais que não podem abdicar de seus trabalhos para estarem presentes na solenidade", afirmou a aluna de Direito, Lorena Pacheco.
As seis comissões dos cursos se uniram e chegaram a enviar um documento à reitoria em que eles apresentam uma proposta para que a universidade crie uma taxa para a utilização da Sede da Reitoria em outros horários. Atualmente, o uso do espaço é feito de forma gratuita. "Nossa última tentativa para garantir a formatura foi essa. Caso contrário, nós teremos que abrir mão de fazer a solenidade e romper o contrato, além de dividir o valor de um espaço que comporte os convidados dos formandos, o que está em torno de R$ 3 mil", disse Lorena.
Doze alunos do curso de Psicologia fazem parte dos 120 impactados com a decisão. Eles contam que a solenidade estava marcada para o dia 31 de agosto, em um sábado à noite, e teve que ser remarcada para sexta de manhã. "A turma não quer a mudança porque os pais que trabalham não vão poder prestigiar a formatura e ainda têm os parentes de outros estados e cidades do interior que já pagaram a passagem para virem assistir a formatura e também vão sair no prejuízo", explicou o membro da comissão de formatura, João Hermes.
A aluna Amanda Correia, estudante de Letras, explicou que além da alteração do horário, a UFBA apenas deu a opção de realização de uma "colação de grau diferenciada" e não mais uma solenidade festiva.
"Foi muito complicado e, de certa forma, chato para nós formandos de Letras. Primeiro porque nos foi tirada a possibilidade de escolher pela solenidade festiva, sonho de muitos alunos e famílias de alunos; depois porque dentro dessa impossibilidade tentando fazer a colação de grau diferenciada, tentamos pelo menos pedir que fosse à noite, assim as pessoas não precisariam faltar trabalho ou deixar de ir por causa do horário. Mas com esses cortes acaba sendo compreensível. Mas não deixa de ser um incômodo e decepção", afirmou Amanda.
A professora de Fonoaudiologia Elaine Cristina de Oliveira teve que usar da sua casa para a orientação de mestrado de uma aluna antes mesmo da portaria da UFBA ser publicada e prevê que a situação deve se repetir muitas vezes ainda após a medida.
"Foi na última segunda-feira, véspera de feriado. A universidade naturalmente fica esvaziada e eu precisava de internet boa, além da segurança. Eu orientei até à noite e com os campi vazios e com a aluna que dependia de transporte público, nós ficamos com medo por falta de segurança", explicou.
Por conta desse cenário, ela decidiu levar sua aluna até sua própria casa e a orientá-la lá. "Tem orientação minha que dura seis horas, que eu preciso de dois turnos", ressaltou a professora, que lamentou a situação.
"Viver nessa condição de trabalho é muito ruim. Não tenho orgulho disso. Eu tenho três orientandos de mestrado, quatro de doutorado e a pesquisa continua, temos que fazer o planejamento do próximo semestre. Eu entendo o reitor, acho que está correto a medida, que foi necessária por conta do contingenciamento, mas a situação é complicada", afirmou.
Para ela, a possibilidade de ter que levar outros alunos para sua casa é "muito grande". "Com esse contingenciamento, você tem uma universidade precarizada em relação à segurança, mudanças nos serviços de limpezas, eu sou obrigada a trabalhar em casa. É muito certo que eu vou ter que trazer aluno para casa de novo", lamentou.
A professora explicou que divide uma sala com outras 12 pesquisadoras e que elas montaram um cronograma de trabalho para uso da sala. "Agora com 12 pessoas na mesma faixa de horário vai diminuir as possibilidades de todo mundo. Óbvio que ninguém vai tirar férias (de 15 dias) no mesmo período mas vai ficar complicado", destacou;
Os ônus em decorrência da medida não devem ficar apenas no âmbito da universidade federal. A aluna de Letra/Inglês Ana Carolina Almeida, 22 anos, está iniciando um projeto de pesquisa relacionado à tradução do inglês para ajudar pais no tratamento de crianças com câncer com o Martagão Gesteira e teme impactos nele.
“Eu trabalho e essa mudança de horário vai me atrapalhar. Eu preciso fazer várias pesquisas para iniciar o trabalho escrito e não sei como vai ser agora. Fora o impacto em bolsas. Amigas minhas não conseguirão renovar as bolsas e eu, que ganharia uma no próximo semestre, não irei conseguir mais”, lamentou.
Atividades de extensão, como algumas Empresas Juniores e Programa de Educação Tutorial (PET), também prevêem algumas consequências. Alguns alunos participantes, que só possuem 15 dias de férias da extensão, já solicitaram que as sedes continuassem funcionando durante o recesso mas tiveram o pedido negado pela UFBA.
“Vai atrapalhar o sistema de reuniões, capacitações e captação de cliente. As reuniões em que discutimos e planejamos as rotinas da empresa podem ser ajustadas para outros locais ou através da internet, mas nenhuma substitui o suporte que a universidade pode oferecer. Tudo é mais prático e agilizado se for lá”, afirmou Vítor Aguiar, membro da Engetop, empresa júnior de Engenharia Civil da UFBA.
O estudante de engenharia elétrica, Uendel Camilo Gonçalves, 21 anos, afirmou que atividades de programação e robótica realizadas por ele na universidade pela parte da tarde devem ser impactadas. “Eu acredito que agora essas atividades serão realocadas para a manhã, mas não sei se todos terão disponibilidade. Com certeza vai ter algum impacto”, disse.
De acordo com a Universidade Federal da Bahia, 30% do orçamento da universidade está bloqueado, ou seja, indisponível no sistema orçamentário, e 22% contingenciados, previsto mas sem data para ser liberado. Ou seja, mais da metade do orçamento da UFBA está inacessível.