Cartunistas, jornalistas e participantes da quarta edição do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) debateram hoje (23), em Túnis, capital da Tunísia, a liberdade de expressão tendo como mote o atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em janeiro, que matou 12 pessoas, das quais quatro cartunistas.
Na opinião do chargista brasileiro Carlos Latuff, o ataque ao Charlie Hebdo motivado pelas charges do profeta Maomé não tem como pano de fundo a liberdade de expressão, mas sim o fato de o semanário francês e outros veículos na Europa incentivarem a discriminação crescente contra o islamismo no continente. “A gente precisa entender a que servem essas charges no momento em que muçulmanos e imigrantes na Europa são perseguidos. Essa discussão do contexto histórico e geopolítico não foi feita pela imprensa e pelos cartunistas.”
Para Latuff, os cartunistas devem ter bom senso e responsabilidade em seus trabalhos. “Eu não apoio a censura, mas entendo que você precisa saber a quem ou a que o seu trabalho está servindo. Não é questão de limite, mas de bom senso, de responsabilidade por aquilo que você faz. Quando você faz charges ofendendo e agredindo muçulmanos, qual o objetivo dentro de uma lógica de islamofobia na Europa em que os muçulmanos são perseguidos?”, questiona.
O jornalista Sébastien Boistel, do jornal satírico francês Ravi, destacou que não se devem colocar limites arbitrários à liberdade de expressão. “Para nós, o que efetivamente nos incomodou com as caricaturas publicadas pelo Charlie Hebdo não é propriamente o conteúdo, mas de onde a caricatura vinha. Há caricaturas que vêm de jornais da direita e da extrema-direita. Dar audiência a esse tipo de publicação para nós representa uma preocupação por retransmitir a opinião desses jornais de direita”.
Segundo Boistel, a liberdade de expressão é um direito fundamental na França, e as pessoas que se sentirem ofendidas com alguma publicação podem recorrer aos tribunais. Ele lembra que o Charlie Hebdo já foi processado diversas vezes.
O Fórum Mundial de Mídia Livre começou ontem (22) na Universidade El Manar e conta com a participação de comunicadores, blogueiros e representantes de movimentos sociais de diversos países, que discutem a liberdade de expressão e o direito à comunicação.
Para Latuff, é urgente criar alternativas de comunicação no Brasil. “Quando se tem uma mídia mais plural, tem o contraponto. É muito comum ver uma emissora de rádio ou de TV que não abre para o contraditório. Sinto muita falta de debates no Brasil, por exemplo. Isso tem a ver [com o fato] de as empresas de comunicação estarem nas mãos de famílias que têm seus próprios interesses”.
O FMML é um evento paralelo ao Fórum Social Mundial, que também ocorrerá em Túnis, entre os dias 24 e 28 de março.