A ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner compareceu à Justiça nessa quarta-feira (13) para depor em um processo que investiga a venda de contratos futuros de dólar a preços abaixo do mercado internacional, que teria causado um prejuízo aos cofres públicos equivalente a R$ 17 bilhões. Ela entregou sua defesa por escrito, acusou o atual governo de montar uma operação para prendê-la e discursou para milhares de simpatizantes que foram até o tribunal para apoiá-la.
“Podem me convocar 20 vezes. Podem me mandar prender, mas o que não vão conseguir é me calar e me impedir de dizer o que penso”, disse Cristina. O discurso público, feito de um palanque montado pelos simpatizantes da ex-presidenta na porta do tribunal, durou quase duas horas e foi o primeiro desde a sua despedida da Casa Rosada, no dia 9 de dezembro.
Cristina deixou o governo sem passar a faixa presidencial ao sucessor Mauricio Macri. Ela viajou para a província de Santa Cruz, no extremo Sul da Argentina, no dia da posse do novo presidente e só voltou a Buenos Aires na segunda-feira (11), pela primeira vez em quatro meses.
No aeroporto, uma multidão com bandeiras e faixas esperava a sua chegada. Um pequeno grupo ficou de plantão, na porta do edifício do bairro nobre da Recoleta, onde a ex-presidenta tem um apartamento, para saudá-la cada vez que saía de casa. Nem parecia que Cristina Kirchner tinha viajado a Buenos Aires a pedido da Justiça.
O juiz Claudio Bonadio está investigando contratos futuros de dólares, negociados meses antes do fim do segundo mandato de Cristina, a preços em média 42% abaixo da cotação no mercado internacional. Na época, ainda vigoravam os controles cambiais impostos pelo governo em 2011, para impedir a fuga de divisas. O Banco Central vendeu a moeda norte-americana prevendo que, no futuro, custaria cerca de dez pesos (cifra próxima ao câmbio oficial), quando no mercado paralelo já tinha superado os 15 pesos.
Abuso de poder
No documento, a ex-presidente defendeu a política do seu ex-ministro da Economia Axel Kicillof (que é hoje deputado) e do ex-presidente do Banco Central argentino Alejandro Vanoli. Cristina Kirchner acusou o juiz Bonadio de abuso de poder. No discurso, ela convocou os militantes a se unirem contra o governo de Mauricio Macri.
Florencia Vicario, de 42 anos, viajou em ônibus fretado pela agrupação política dela, em Lomas de Zamorra – um município da província de Buenos Aires. Ela ficou presa no engarrafamento provocado por caravanas de carros e ônibus e por milhares de pessoas, caminhando na chuva, que aderiram à mobilização a favor de Cristina Kirchner.
“Não sei se (Cristina) roubou ou não. Não entendo de dólar futuro. Só sei que comprei minha casa no governo dela, que ajudou os mais humildes”, disse Florencia. “E que Mauricio Macri guardou o dinheiro dele em paraísos fiscais, bem longe da Argentina”.
Panamá Papers
Macri apareceu no escândalo do Panamá Papers como diretor da Fleg Trading - uma empresa da família aberta em 1998 para fazer investimentos no Brasil. A sociedade offshore foi dissolvida dez anos depois, mas não foi incluída nas declarações de bens de Macri quando ele era prefeito de Buenos Aires.
O presidente – que também apareceu como diretor na empresa offshore Kagemusha, sediada no Panamá – diz que nada tem a esconder. nacri afirmou que apresentou à Justiça documentos, provando que não era acionista da Fleg Trading e que, portanto, não era obrigado a declará-la, mas que ela consta da declaração do pai, o empresário Franco Macri.
Cristina Kirchner, por sua vez, está sendo investigada pela Justiça em um caso de lavagem de dinheiro, envolvendo o empreiteiro Lazaro Baez. Ele enriqueceu nos governos do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007) e de sua sucessora e esposa, Cristina (2007-2015), com contratos públicos - alguns deles não executados. Baez é suspeito de ser testa de ferro dos Kirchner, que são donos de hotéis e imóveis no Sul da Argentina.
Depois de ouvir o depoimento de Leonador Farina - um dos envolvidos no caso, que pediu para fazer delação premiada - o Ministério Publico argentino pediu ao juiz que investigasse Cristina Kirchner.