Pelo menos dez pessoas morreram, neste domingo (30), em protestos durante a eleição da Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro, rejeitada por vários países.
Mais de oito milhões de venezuelanos (41,53%) votaram, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
"Nesta extraordinária participação, temos 41,53% do censo eleitoral da Venezuela: 8.089.320 votaram", anunciou a presidente do CNE, Tibisay Lucena.
Maduro celebrou o comparecimento às urnas.
"Temos Assembleia Constituinte (...). É a maior votação que a Revolução Bolivariana conseguiu em toda a história eleitoral em 18 anos", disse o presidente, diante de centenas de seguidores que celebravam na praça Bolívar, centro de Caracas.
Em um comunicado do Departamento de Estado, Washington "condenou" a eleição "viciada" e anunciou que continuará "adotando medidas enérgicas e rápidas contra os artífices do autoritarismo na Venezuela".
A oposição, que não participou da votação, convocou protestos para esta segunda-feira em todo país e, para quarta, em Caracas, contra a instalação da Constituinte.
"Não reconhecemos este processo fraudulento. Para nós, é nulo, não existe", disse o líder Henrique Capriles, ao convocar os protestos em nome da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD).
Dois adolescentes estão entre os mortos durante as manifestações. Em muitos casos, esses atos se tornaram uma batalha campal travada com bombas de lacrimogêneo, balas de borracha, pedras e coquetéis molotov.
Um candidato à Constituinte faleceu na noite de sábado, mas ainda não se sabe se a motivação foi política. Com essa escalada da violência, chega a 125 o número de mortos em quatro meses de protestos pela saída de Maduro.
Com carros blindados e lançando bombas de gás lacrimogêneo, militares invadiram violentamente os bairros El Paraíso e Montalbán (oeste de Caracas), em Maracaibo (oeste) e em Puerto Ordaz (sudeste), buscando manifestantes que bloquearam ruas com barricadas.
"Não sei que ódio toma a gente, venezuelanos contra venezuelanos... Isso é uma guerra!", lamentou Conchita Ramírez, em El Paraíso, sem conter as lágrimas.
Para o governo, uma nova era começa.
"Agora, nós vamos para uma fase de contraofensiva. A ANC é um ponto de inflexão", anunciou Diosdado Cabello, deputado da Assembleia Nacional.
O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, pediu "aos países do mundo que respeitem a vontade popular deste povo que foi dar esta lição de democracia".
Washington não especificou quais medidas tomaria contra "os artífices do autoritarismo na Venezuela, incluindo aqueles que participarem da Assembleia Nacional Constituinte".
Já na semana passada, os Estados Unidos puniram 13 funcionários e militares próximos a Maduro, entre eles a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena. Eles foram acusados de ruptura da democracia, violação dos direitos humanos e corrupção.
México, Colômbia, Panamá, Argentina, Costa Rica, Peru, Paraguai e Espanha também anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade da Constituinte. O Brasil fez um apelo às autoridades venezuelanas para que suspendam a instalação da Assembleia.
"Vim votar para dizer aos gringos e aos opositores que queremos a paz, não a guerra, que apoiamos Maduro", declarou Ana Contreras, ao votar em uma seção eleitoral.
Militares protegiam os postos de votação, onde os seguidores do governo elegeram 545 constituintes de um suprapoder que ficará em vigor no país por tempo indeterminado.
"Esta Constituinte nasce banhada em sangue. Nasce ilegítima, porque é muito difícil poder auditar a quantidade de pessoas, mas tecnicamente podemos verificar que houve muitas irregularidades", comentou o analista Nícmer Evans, socialista crítico de Maduro.
A oposição se afastou odo processo, alegando que não foi convocada em um referendo e que seu sistema de eleição de constituintes foi feito para que o governo a controle e elabore uma Carta Magna que instaure uma ditadura comunista.
Também gerou rachas no chavismo: a procuradora-geral Luisa Ortega denunciou um rompimento da ordem democrática.
Já a ex-chanceler e candidata Delcy Rodríguez garantiu que a Constituinte "não é para aniquilar o adversário", mas para promover o diálogo, segundo entrevista à AFP.
Maduro e sua Constituinte contam com apoio dos poderes Judiciário, Eleitoral e Militar. Mas, asfixiados pela escassez de alimentos e remédios e, em meio a uma brutal inflação, 80% de venezuelanos rejeitam seu gestão e, 72%, seu projeto, segundo o Datanálisis.
"Maduro está muito enfraquecido e sendo pressionado. Se respeitar a Constituição e convocar eleições, o chavismo seria perdedor. Com essa aposta, rejeitada em massa no país e no exterior, tenta ganhar tempo e se perpetuar no poder", disse à AFP o presidente do Inter-American Dialogue, Michael Shifter.
Para muitos, isso pode acelerar o fim do chavismo. "A cada segundo, o que o governo faz é cavar seu próprio túmulo", alfinetou o presidente do Parlamento, Julio Borges.
Centenas de seguidores do governo comemoravam na Praça Bolívar, no centro de Caracas, à espera de resultados e de Maduro.
Segundo analistas, para ter legitimidade, Maduro precisa obter pelo menos 7,6 milhões de votos, os quais a MUD garante ter obtido em seu plebiscito simbólico de 16 de julho contra essa iniciativa.