ONGs: Todos sabiam da venda e tortura de migrantes na Líbia

A Líbia, país imerso caos, se tornou um importante ponto de passagem para os migrantes que tentam chegar à Europa pelo Mediterrâneo
AFP
Publicado em 24/11/2017 às 9:37
A Líbia, país imerso caos, se tornou um importante ponto de passagem para os migrantes que tentam chegar à Europa pelo Mediterrâneo Foto: Foto: FADEL SENNA / AFP


Denunciada por dirigentes ocidentais e africanos, a situação de milhares de migrantes africanos na Líbia, estuprados, torturados e escravizados, era conhecida há tempos, afirmam organizações não governamentais e analistas que alertam sobre o caso há meses.

As imagens de um aparente leilão de jovens africanos na região de Trípoli, em que homens negros são apresentados a compradores do norte da África como possível mão de obra, foram difundidas pela CNN no dia 14 de novembro. Depois disso, se propagaram rapidamente nas redes sociais e provocaram uma onda de indignação mundial.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse horrorizado, o presidente da União Africana (UA), Alpha Condé, indignado e a União Europeia, enojada.

"Hipocrisia", denuncia o senegalês Hamidou Anne, analista do think tank África de las Ideas, já que, "com exceção do cidadão comum, todo mundo sabia, os governantes, as organizações internacionais, os líderes políticos" sobre a situação na Líbia.

"A tomada de refém, a violência, a tortura, os estupros eram normais na Líbia, e da escravidão já se fala faz tempo", insiste Alioune Tine, diretor para África ocidental e central na Anistia Internacional, com sede em Dacar.

A Líbia, país imerso caos, se tornou um importante ponto de passagem para os migrantes que tentam chegar à Europa pelo Mediterrâneo. Muitos deles foram vítimas dos traficantes de seres humanos.

"Na Líbia, os negros não têm nenhum direito", disse em setembro à AFP Karamo Keita, um jovem da Gâmbia de 27 anos, reenviado a seu país. "Fomos levados a várias fazendas onde nosso carcereiro líbio nos vendia como escravos".

Torturas e extorsões

As organizações de ajuda aos migrantes estão há tempo alertando sobre a piora da situação.

Desde o mês de abril, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) informava sobre a existência de "mercados de escravos" na Líbia. "Se transformam em mercadorias para comprar, vender e jogar fora quando já não valem mais nada", comentou Leonard Doyle, porta-voz da OIM em Genebra.

A presidente do Médicos Sem Fronteiras, Joanne Liu, também denunciou em setembro, em uma carta aberta aos governos europeus, "uma empresa próspera para sequestro, tortura e extorsão" na Líbia.

"Em seus esforços por conter o fluxo (migratório), os governos europeus estarão dispostos a assumir o preço do estupro, da tortura e da escravidão?", questionou. "Não podemos dizer que não sabíamos disso", sentenciou.

Na semana passada, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a deterioração das condições de detenção de migrantes no país, qualificando de desumana a política da UE que consiste "em ajudar os guarda-costeiros líbios a interceptar e reenviar os migrantes".

Uma acusação rejeitada por Bruxelas, que destaca seus esforços para "salvar vidas" no mar e "facilitar o acesso da OIM e da Agência da ONU para os Refugiados (Acnur) aos centros de detenção na Líbia para que possa aumentar o nível de assistência e organizar regressos voluntários".

Para Alioune Tine, a Europa "tem uma responsabilidade fundamental no desastre atual, mas não é a única".

"Os países africanos não fazem nada para reter os jovens, para dar trabalho a eles. Não têm política de migração", lamenta.

"Isso não pode continuar assim. Diante de um crime contra a humanidade não podemos não nos indignar, temos que atuar", considera Hamidou Anne, criticando a passividade dos dirigentes africanos e o "racismo sistemático nos países do Magreb".

Alioune Tine propõe que a questão erradicar a escravidão seja abordada na cúpula entre a UE e a UA, que se celebrará em 29 e 30 de novembro em Abidjã.

"É preciso uma comissão de investigação imparcial para ver como se organiza este contrabando, quem são os responsáveis. E que todo mundo assuma suas responsabilidades", conclui.

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