O Reino Unido se tornou, às 20h desta sexta-feira (31) no horário de Brasília, o primeiro país a abandonar a União Europeia (UE). Um momento histórico durante muito tempo incerto e que, com festa para alguns e tristeza para outros, abre um futuro solitário para a nação.
O Reino Unido entrou na Comunidade Econômica Europeia - antecessora da UE - em 1973, depois de sofrer dois vetos da França, em 1963 e 1967, preocupada com a possibilidade do país ser um "cavalo de Troia" dos Estados Unidos.
Mas a relação entre Londres e Bruxelas sempre foi complicada: os britânicos não adotaram a moeda única, nem a livre circulação de pessoas, pediram uma importante redução de sua participação no orçamento europeu e sempre foram contrários a uma integração política maior.
Apesar das dificuldades de relacionamento, o resultado do referendo surpreendeu muitos analistas. Alguns o explicaram como uma reação desesperada dos esquecidos pela globalização, que desta maneira desejavam ser ouvidos.
O Brexit estava previsto para 29 de março de 2019. Mas a disputa no Parlamento entre os defensores da saída e os críticos provocou mais de três anos de ásperos debates e paralisação política.
A ex-primeira-ministra Theresa May negociou um complexo acordo com Bruxelas e buscou uma aprovação impossível pelos deputados, antes de renunciar ao posto.
Então entrou em cena Johnson, carismático e polêmico, que cumpriu a promessa de concretizar o Brexit graças à esmagadora vitória que obteve nas eleições legislativas antecipadas de dezembro.
Desde o referendo sobre o Brexit em 2016 até a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) programada para esta sexta-feira, o Reino Unido viveu quase quatro anos de caminho tortuoso para o divórcio.
Em 23 de junho de 2016, em um referendo que terminou com 52% de votos a favor e 48% contra, os britânicos decidiram deixar a UE.
Este resultado levou o então primeiro-ministro conservador, David Cameron, a renunciar. Na disputa para substituí-lo, o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, partidário do Brexit, retirou-se no último momento, e Theresa May, ministra do Interior de Cameron durante seis meses, tornou-se primeira-ministra em 11 de julho.
Em 29 de março de 2017, o governo britânico ativou com uma carta a Bruxelas o Artigo 50 do Tratado Europeu de Lisboa, que rege o mecanismo de retirada voluntária de um país-membro.
Iniciou-se, assim, o prazo de dois anos que devia resultar na saída britânica do bloco, inicialmente prevista para 29 de março de 2019.
May antecipou as eleições para 8 de junho em uma tentativa de fortalecer sua posição, mas perdeu a maioria absoluta e teve de negociar o apoio dos dez deputados do Partido Unionista Norte-Irlandês (DUP) para poder governar.
Após um ano e meio de árduas negociações, Londres e Bruxelas alcançaram um acordo de divórcio em 13 de novembro de 2018.
O acerto precisou superar uma ameaça de veto da Espanha, em razão das relações com Gibraltar. Foi finalmente assinado em 25 de novembro.
Em 15 de janeiro, o acordo foi rejeitado com 432 votos contra e 202 a favor no Parlamento britânico. No dia seguinte, o governo de May sobreviveu por uma maioria estreita a uma moção de censura lançada pela oposição trabalhista.
May obteve mais garantias da UE sobre a "salvaguarda irlandesa", mas os deputados de Westminster voltaram a rejeitar o texto em 12 de março.
O Conselho Europeu concordou em adiar o Brexit até 22 de maio, se o Reino Unido aprovasse o Tratado de Retirada, deixando até 12 de abril para apresentar uma proposta alternativa.
Em 29 de março, o acordo foi rejeitado pela terceira vez, por 344 votos contra 286.
Em 11 de abril, obteve um segundo adiamento da UE até 31 de outubro.
May se vê obrigada a organizar as eleições europeias em 23 de maio. Ela anuncia que renunciará após a votação.
Em 23 de julho, Boris Johnson, partidário de um Brexit com ou sem acordo em 31 de outubro, é eleito pelo Partido Conservador para suceder a May.
Em 3 de setembro, Johnson perde a maioria absoluta após deserções e expulsões de deputados de seu partido. Também é abandonado por vários membros de seu governo.
O Parlamento aprova uma lei que obriga o primeiro-ministro a pedir à UE uma adiamento do Brexit se não conseguir um acordo de retirada até 19 de outubro.
Em 17 de outubro, antes da abertura de uma cúpula europeia, UE e Reino Unido anunciaram um novo acordo de divórcio.
Em 22 de outubro, o Parlamento britânico aprovou o princípio do novo acordo, mas votou contra seu exame acelerado, como Johnson queria, que, em reação, retirou o projeto.
Isso forçou o primeiro-ministro a solicitar, contra sua vontade, um adiamento adicional da União Europeia até 31 de janeiro de 2020.
Em 28 de outubro, a UE aprovou o terceiro adiamento e, um dia depois, ao final de um acalorado debate, os deputados britânicos aceitaram por maioria de dois terços o pedido de Johnson, previamente rejeitado, de convocar eleições legislativas antecipadas em 12 de dezembro.
O líder conservador venceu as eleições com uma esmagadora maioria de 365 deputados em uma câmara de 650.
Em 20 de dezembro, Johnson apresentou à nova Câmara dos Comuns o projeto de lei, aprovado em 9 de janeiro de 2020,
Ainda deve ser validado pela Câmara dos Lordes e depois promulgado pela rainha. Também deve ser ratificado pelo Parlamento Europeu em 29 de janeiro.
A partir de sábado, embora pouco mude na realidade no período de transição previsto até dezembro, o Reino Unido continuará de modo solitário.
E o primeiro-ministro terá pela frente a difícil missão de negociar acordos comerciais com a UE e os Estados Unidos, sua grande aposta para substituir seu principal sócio comercial.
"Sou otimista porque havia coisas que o Reino Unido tinha que fazer como membro da UE e agora poderá fazê-las de forma diferente", afirmou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na quinta-feira em Londres.
"Quando olharem no retrovisor, verão os enormes benefícios para nossas duas nações", completou.
Mas as negociações não serão fáceis: Washington pressionará por mais flexibilidade de Londres nas áreas de saúde e meio ambiente, enquanto Bruxelas - que teme uma concorrência desleal - pedirá respeito aos padrões trabalhistas e ecológicos.
"Vamos pedir aos britânicos que evitem o 'dumping' fiscal, social, as ajudas do Estado", declarou o negociador europeu Michel Barnier em uma entrevista na qual garantiu que os 27 países da UE "cultivam a unidade" e nenhum outro Estado fala sobre abandonar o bloco.
"O Brexit é um fracasso e uma lição para todos", considerou o presidente francês Emmanuel Macron, um dos líderes europeus com mais críticas a respeito dos britânicos.
Ele disse que esta sexta-feira é "um dia triste".
Especialmente na Escócia, nação semiautônoma britânica que votou contra o Brexit e onde, por decisão de seu Parlamento, a bandeira europeia permanecerá hasteada.