Minha emenda, minha vida. O bordão, tomado emprestado de um programa do governo federal, pode ser usado para traduzir o clima de guerra que toma conta do Congresso todo fim de ano e leva deputados e senadores a varar madrugadas para defender suas emendas ao Orçamento da União - algumas vezes até com risco de briga corporal. A pressão por conseguir a liberação das emendas é tão grande que, por ameaça de retaliação no Congresso, eles conseguiram fazer a presidente Dilma Rousseff recuar da decisão de vetar a exigência aprovada por eles de pagamento automático das emendas - o Orçamento Impositivo.
Cada congressista pode apresentar até 25 emendas, num teto global de R$ 14,68 milhões. É com o varejo das emendas espalhadas nos mais de 5,5 mil municípios que parlamentares negociam com prefeitos o apoio necessário à reeleição. Funciona assim: o prefeito pede dinheiro do Orçamento para uma obra e o parlamentar faz a emenda e a entrega até o fim de novembro na Comissão do Orçamento.
Aí começa uma das fases mais difíceis e tensas para os autores das emendas, que é a de garantir que sejam incorporadas à Lei Orçamentária para o ano seguinte. Nesse período muitas vezes o parlamentar se muda para a sala onde funciona a Comissão do Orçamento. Lá, são comuns os conflitos com o relator e os sub-relatores do Orçamento, que às vezes se “esquecem” de incluir a emenda no relatório, ou até mesmo a rejeitam. Quando a emenda entra no texto da lei e o Orçamento é, enfim, aprovado, o parlamentar comemora sua primeira vitória.
No ano seguinte a luta é pela liberação do dinheiro. E, quando a verba finalmente sai e a obra é inaugurada, o prefeito que encomendou a emenda se encarrega de arrumar cabos eleitorais que saem à cata de votos para o congressista. O prefeito que consegue 500 votos numa cidade pequena tem a garantia de apoio para novos projetos na cidade. E, claro, também se credencia para um novo mandato, visto que as obras dão visibilidade a sua gestão e ao deputado por ele apoiado.
RETORNO - “Alguns municípios são tão pobres que se não fossem as emendas parlamentares eles não teriam condição de tocar nenhuma obra”, diz o deputado Gonzaga Patriota (PSB), que costuma diluir suas emendas Pernambuco afora, principalmente para a região de Petrolina. “Eu concentro minhas emendas na saúde, em melhorias urbanas e na distribuição de água.” Ele admite que as emendas retornam na forma de votos. “É claro que o eleitor sabe quem é que o ajuda.”
A liberação do dinheiro das emendas, porém, não é automática. O governo costuma segurá-lo como forma de garantir a fidelidade do voto dos parlamentares a projetos de interesse do Planalto. O estresse entre a base aliada no Congresso e a presidente Dilma chegou a tal ponto por causa dessa disputa que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), liderou movimento pela aprovação de emenda constitucional que torna obrigatória a liberação do dinheiro para parte das emendas.
Tal iniciativa rendeu a Alves tanto apoio entre os colegas que ele já considera garantida a reeleição na Casa em 2015. E quando Dilma ameaçou não liberar o dinheiro das emendas do Orçamento impositivo, Alves se rebelou: “É preciso acabar com esse toma lá dá cá que amesquinha o Congresso.”
Quando o governo se recusa a liberar o dinheiro, é uma frustração. “A gente se compromete com a obra, com o prefeito, e aí o governo não libera o dinheiro. Isso causa uma profunda tristeza na gente”, diz o deputado Costa Ferreira (PSC-MA). Para o deputado, a aprovação do Orçamento impositivo vai dar autonomia à Câmara. Segundo Ferreira, a presidente retalia quem nas votações é infiel ao Planalto. “A Dilma castiga sem dó. Se em dez votações em dou um voto contra, de R$ 3 milhões em emendas ela retira R$ 1 milhão.” Ele diz que as emendas rendem votos. “O prefeito cita o nome da gente como autor das emendas para a obra. O eleitor gosta.”