Durante os governos Lula e Dilma, a Petrobras cedeu aos sindicatos -com reajustes maiores e outros benefícios- e contou com amplo apoio dos petroleiros. Agora, com as denúncias de corrupção, uma divisão da categoria que surgiu em 2006 se mostra mais clara, com atos como o enterro simbólico de diretores da estatal presos na operação "Lava Jato", da Polícia Federal.
Um dos principais líderes dessa "dissidência" é Emanuel Cancela, secretário-geral do sindicato dos petroleiros do Rio de Janeiro, que defende a saída da atual presidente da estatal, Graça Foster, e a apuração de todas as irregularidades. "Doa a quem doer, mesmo que seja a Dilma ou o Lula."
O sindicato faz parte da FNP (Federação Nacional dos Petroleiros), mais ligada ao PSOL. Já a FUP (Federação Única dos Petroleiros), que controla a maior parte dos sindicatos, é vinculada à CUT e tem uma aproximação maior com o PT.
Na semana passada, a entidade fez um protesto no qual dois bonecos em caixões foram queimados em frente ao prédio da estatal. Um representava o ex-diretor Renato Duque, preso sob suspeita de corrupção; o outro, o ex-ministro petista José Dirceu, condenado no mensalão e que cumpre pena.
O sindicato planeja para sexta-feira (28) mais um ato em frente à companhia contra as denúncias de corrupção e pela nacionalização da estatal.
Diferentemente de outros líderes do sindicato, Cancela é fundador do PT e só rompeu com o partido ao fim de 2013, quando o governo realizou o leilão do campo gigante do pré-sal de Libra, concedido à Petrobras em consórcio com as gigantes Shell, Total e duas estatais da China.
"Foi a gota d'agua. Sempre defendemos a Petrobras estatal e 100% pública", disse. Para o líder sindical, tal condição favorece os controles internos e externos e poderia ser uma saída para conter a corrupção que se instalou na empresa.
"Apoiamos as investigações. Desde 2010, falamos que havia algo errado na área de Serviços [comandada por Duque]. Denunciamos isso à sociedade em reportagens nas nossas publicações e em atos públicos, mas não éramos ouvidos. O TCU [Tribunal de Contas da União] demorou muito a perceber que havia algo errado. Como uma refinaria [a de Abreu e Lima, em PE] pode custar dez vezes mais do que o previsto?", indaga.
Há quase quatro décadas na estatal, Cancela diz que essa onda de denúncias é, porém, "positiva", pois abre a oportunidade para rever o papel da estatal e ampliar mecanismos de controle e alterar a legislação e as regras às quais a companhia está submetida.
"O que me assusta é que esses mais de R$ 10 bilhões que foram roubados da Petrobras saíram da empresa sempre amparados em instrumentos legais. Não é possível fazer contratações de valores altos sem a necessidade de licitações."
O sindicalista se refere a contratos de construção de refinarias, feitos por meio da modalidade de convite às fornecedoras e sob investigação do TCU e da Polícia Federal, após denúncias do ex-diretor Paulo Roberto Costa, que cumpre prisão domiciliar.
Técnico da companhia, Cancela trabalhou a maior parte de sua vida na área de compras da empresa, especialmente em refinarias. Ele diz que muitos contratos, de fato, não podem ser geridos pela lei de licitações, pois isso "engessa" a estatal.
A flexibilização ocorreu na década de 90, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A justificativa foi a abertura do mercado de petróleo à concorrência. A Petrobras perdeu o monopólio e passou a competir com empresas que não tinham de realizar licitações -processos mais demorados.
Por isso, foram estabelecidos, em decreto, modalidades como contratação direta (para compras de menor valor) e convite a fornecedores especializados. As licitações foram mantidas para contratos de valores maiores. "O Fernando Henrique, claro, não fez isso para facilitar a corrupção. Mas agora é a hora de rever isso."
Segundo Cancela, desde "o regime militar" existem denúncias de corrupção na estatal. "Não é algo novo, mas o que estamos vendo é muito gritante. Temos de sair às ruas e protestar. A Petrobras nasceu da mobilização popular [com a campanha 'O Petróleo é Nosso']. Queremos o povo na rua à favor da empresa."