Comissão vai visitar presídios do Rio para aplicar novas políticas LGBTs

Grupo começou a se reunir em outubro na Seap e já está traçando o cronograma das vistorias em unidades do sistema prisional, e as formas de avaliar o cumprimento da resolução
Da ABr
Publicado em 25/10/2015 às 17:07
Grupo começou a se reunir em outubro na Seap e já está traçando o cronograma das vistorias em unidades do sistema prisional, e as formas de avaliar o cumprimento da resolução Foto: Foto: Agência Brasil/Arquivo


Comissão formada pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (Seasdh), pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) e pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vai começar a visitar os presídios do estado ainda neste ano para conferir a implementação das medidas dirigidas à população LGBT, previstas na Resolução 558 de 29 de maio. Também participarão da comissão duas mulheres transexuais egressas do sistema prisional, as ativistas Alessandra Ramos e Stefany Brasil.

O grupo começou a se reunir em outubro na Seap e já está traçando o cronograma das vistorias em unidades do sistema prisional, e as formas de avaliar o cumprimento da resolução. As datas das visitas devem ser acertadas no mês de novembro, e a previsão do grupo é que comecem no mesmo mês ou em dezembro.

Segundo a Seap, a população LGBT nos presídios do estado é de 350 pessoas, mas o número pode ser maior, porque o medo da discriminação pode fazer com que até mesmo transexuais escondam sua identidade, de acordo com a trans Alessandra Ramos, que hoje transmite sua experiência ao grupo.

"Estamos traçando metas para fazer um marco de como avaliar a política, encaminhar quaisquer casos e mapear essa população dentro do sistema carcerário", disse Alessandra.

Entre as regras previstas está a possibilidade de mulheres transexuais poderem escolher cumprir a pena em presídios femininos, e, caso fiquem nos masculinos, tenham direito ao corte de cabelo que lhes identifique, e a usar roupas íntimas de seu gênero nos banhos de sol, quando os presos ficam sem camisa. Transexuais também devem ser chamados pelo nome social, que deve constar em toda a documentação sobre eles ou elas no presídio.

O coordenador do Programa Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, Seasdh, afirmou que as determinações já estão implementadas em muitos presídios, mas é preciso garantir que cheguem a todos. "É necessário respeitar o direito à identidade e o direito à intimidade. No caso das trans, quando não se respeita o direito de se vestir de sutiã e camisa, isso traz um desrespeito à identidade".

O secretário da Seap, Erir Ribeiro, revelou que as mulheres trans, em geral, preferem cumprir pena nos presídios masculinos, onde, segundo ele, o tratamento já mudou bastante desde a resolução. "Anteriormente, esse grupo chegava e o tratamento que davam era como se fossem homens. Cortavam o cabelo e, para ir ao banho de sol, tinham que tirar a camisa. Então, ficavam muito expostos".

Eles destacam que ainda é preciso avançar mais. O coordenador do programa citou como mais urgente o acesso das pessoas transexuais presas ao tratamento hormonal. Em muitos casos, pessoas trans fazem uso frequente de hormônios do sexo com o qual se identificam como parte de sua adequação corporal, o que já acontece inclusive pelo Sistema Único de Saúde, informou. Ao serem presas, no entanto, há a interrupção desse acompanhamento, segundo os representantes da população LGBT. "Estamos trabalhando junto com a Seap e a Secretaria Estadual de Saúde para ver como agilizar esse processo", disse Nascimento.

De acordo com o secretário da Seap, o tratamento hormonal já ocorre nos presídios, e a secretaria vem dando o suporte na medida do possível, além de firmar convênios com as secretarias estadual e municipal de saúde. Os diretores de presídios participaram de um curso sobre o tratamento à comunidade LGBT, com a tarefa de passarem as informações aos demais servidores do sistema penitenciário. "Na grade em nossa escola de formação vamos adotar uma matéria sobre a população LGBT, na formação de novos servidores. Isso já no ano que vem", disse Ribeiro.

Outras medidas estão sendo discutidas com cautela, informaram, como a disponibilização de locais de convivência e alojamento específicos para a comunidade LGBT nos presídios. Segundo a resolução, a adoção desses espaços não pode ser impostiva: os LGBTs devem ter a opção de ir para esses locais ou ficar em celas comuns.

"A população trans, dentro do sistema prisional, em sua maioria, não está interessada em espaços desse tipo, a não ser os que permitam o trânsito nas áreas comuns", disse  a trans Alessandra, para quem a adoção de espaços exclusivos e impositivos levaria a uma exclusão. "A população LGBT é mais carente de visitas e de apoio da família nos presídios. Eles recebem poucas visitas e dependem das relações de amizade nos presídios e das relações com seus companheiros. Além disso, em caso de rebelião, a população LGBT poderia ser alvo caso fique em um lugar que não interaja".

O coordenador do Programa Rio Sem Homofobia da Seasdh, Cláudio Nascimento, destaca que a preocupação é não impor uma política que acabe gerando segregação. "Eles já estão em um ambiente de extrema exclusão, que é a prisão. Eles têm uma identidade sexual, mas têm outras identidades. Também se identificam com quem leu um livro, quem joga futebol, quem gosta de um programa de TV. Isso gera uma série de identificações e relações independentes da sexualidade".

Alessandra afirma que uma das principais preocupações é garantir que transexuais se matriculem nos cursos de capacitação nos presídios. "São as maneiras que levam à possibilidade de ressocialização no futuro. É uma das grandes bandeiras, a possibilidade de se ressocializar", lembrou. Ela defende medidas necessárias para garantir vagas proporcionais à população LGBT no sistema prisional. Para o secretário Erir Ribeiro, cotas não são uma boa ideia. "Se existir uma cota, daqui a pouco tem problemas internos no presídio. E não podemos obrigar ninguém a trabalhar ou estudar".

Para coordenador do programa, Cláudio Nascimento, também é necessário aumentar o número de transexuais matriculados nos cursos oferecidos nos presídios, e isso passa principalmente por um tratamento igualitário e acolhimento. "É preciso melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e de todas as pessoas nos presídios, para que o conceito de ressocialização aconteça na prática. A discussão sobre os presídios passa por uma discussão dos direitos humanos e pelo papel, na sociedade, que a prisão deve cumprir, para que o indivíduo recupere sua autoestima", defende ele. "Há também, por uma visão ideológica da sociedade, a ideia de que o Estado não tem que investir na condição de vida do preso. Muitas pessoas trabalham com a ideia de vingança, como se a pena não bastasse", disse.

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