A Polícia Federal indiciou 29 investigados na Operação Boca Livre - apuração sobre desvios de recursos públicos estimados em R$ 30 milhões liberados pelo Tesouro via Lei Rouanet. O relatório final do inquérito da PF atribui a dez empresas parcerias com o esquema supostamente montado pelo Grupo Bellini Cultural, alvo principal da investigação. Foram indiciados empresários, um advogado e executivos de grandes companhias - laboratórios, montadora, farmacêutica e até banca de advocacia -, por estelionato contra a União e associação criminosa. Alguns foram enquadrados também em falsidade ideológica.
Boca Livre foi deflagrada em 28 de junho. Ela precedeu a Operação Boca Livre S/A, que saiu às ruas em outubro e fez buscas em 29 empresas - patrocinadoras que atuaram em conjunto com o Grupo Bellini, 'associando-se aos seus integrantes com o fim exclusivo de desviar recursos'.
O objetivo da Lei Rouanet é democratizar o acesso à cultura. Objetivo precípuo da lei é esse. É claro que quando a empresa investe nesse projeto cultural, além da dedução no Imposto de Renda que para ela não deve fazer diferença nenhuma, não vai sair do bolso dela, as empresas tributadas com lucro real de até 4% ao invés de recolher ao erário vai colocando no projeto cultural. Ela já tem uma grande vantagem, vincula o projeto cultural à marca dela, já é uma publicidade gratuita."
Segundo a PF, os indiciados do núcleo central do Grupo Bellini contaram que empresas exigiam contrapartidas - como, por exemplo, bancar festas de final de ano com cantores famosos para grandes públicos em troca de apoio ao projeto.
"A disputa era tão acirrada entre os produtores culturais que se não atendessem às solicitações não iriam conseguir aporte em nenhum projeto cultural", assinala a delegada. "A investigações confirmaram isso. As grandes empresas tiveram inclusive a coragem de formalizar contratos de patrocínio com objetos ilícitos."
O controlador do Grupo Bellini chegou a ser preso quando estourou a Boca Livre. Mas, por ordem do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, Antônio Bellini, o principal investigado, foi colocado em liberdade. A PF apurou que dinheiro da Lei Rouanet foi usado para bancar a festa de luxo do casamento de um filho de Bellini.
Segundo a PF, algumas empresas citadas na investigação apressaram-se em recolher tributos correspondentes aos valores supostamente desviados. Mas essa atitude, na avaliação de Melissa Pastor, não livrará os executivos das companhias.
"Não estamos diante de uma mera sonegação fiscal. Eles contribuíram com o Grupo Bellini em parceria, tinham intuito de que projetos de cunho privativo e corporativo fossem realizados com recursos públicos que deveriam ser destinados a projetos culturais. Essas empresas agiam em conluio para desviar recursos e não cumpriram o objetivo expresso da Lei Rounaet. Isso é muito mais do que um mero não recolhimento de impostos, é querer transformar dinheiro público em evento institucional."
Melissa lembra que 'o espírito da Lei Rouanet é democratizar a cultura'. "A consequência desse desvio de recursos públicos não é somente prejuízo aos cofres públicos. O objetivo principal da lei não foi atendido durante muitos anos. A população menos assistida ou excluída do exercício dos seus direitos culturais, especialmente por condições sócio-econômicas, deixou de ser beneficiada com projetos para os quais a lei destinou recursos visando a democratização da cultura."
A delegada é enfática. "Não é só o desvio. Quantas crianças de colégios estaduais poderiam ter acesso a esses espetáculos que foram aprovados com verba da Lei Rouanet? Essas crianças não tiveram acesso à cultura exatamente porque tudo foi tramado para beneficiar grandes empresas, além do produtor cultural que desviou recursos."
No inquérito da PF, executivos das companhias citadas alegaram que 'não enxergavam esse dinheiro como dinheiro público, mas sim dinheiro do marketing porque eram feitas ações exclusivas de marketing'. "Alegaram isso nos interrogatórios, mas as interceptações telemáticas apontam a fraude", assinala Melissa.
Email resgatado na investigação mostra que um interlocutor fala em 'expectativa de milhões'.
"Em um caso repetiram 14 projetos dedicados a caminhoneiros, tudo copiado um do outro. O que sobra para os verdadeiros projetos culturais? Não sobra nada", protesta Melissa Maximino Pastor.
A reportagem não localizou a defesa do Grupo Bellini nem a assessoria das Lojas Cem. O espaço está aberto para a manifestação de ambos.
"O Ministério da Cultura (MinC) não teve acesso ao relatório final da Polícia Federal sobre a Operação Boca Livre, que corre sob sigilo. Ao assumir o Ministério da Cultura, o ministro Roberto Freire encontrou um passivo de 18.631 projetos do mecanismo de incentivo fiscal da Lei Rouanet. Neste momento, o Ministério da Cultura está discutindo a possibilidade de contratação de empresas de auditoria para fazer a análise de prestação de contas deste impressionante passivo - um claro exemplo de desídia de administrações anteriores.
O MinC também trabalha na modernização do sistema para aumentar a segurança na fiscalização. O alinhamento com os órgãos de controle busca maior efetividade das atividades a partir da implementação de trilhas de verificação de risco, métricas para a democratização, novo modelo de conta única, além da prestação de contas em tempo real. "
Cecil
"A Cecil realmente não foi indiciada. Eles estão bastante surpresos com o novo contato da empresa, pois realmente achavam que o assunto tivesse sido esclarecido, uma vez que foram 100% transparentes em depoimento à PF. "
Takeda
"A Takeda Pharma não foi notificada sobre o resultado das apurações da Polícia Federal e por isso não poderá comentar a respeito. Certa do cumprimento da legislação, continuará colaborando com as investigações."
Grupo Notre Dame:
"O Grupo NotreDame Intermédica, até o momento, não recebeu nenhuma notificação oficial dos órgãos competentes. Certos de que não cometemos nenhuma irregularidade ou ato ilícito, continuaremos contribuindo com as autoridades nas investigações "
Laboratório Cristália
"O Laboratório Cristália informa que forneceu toda a documentação necessária para colaborar com a investigação. A Companhia reforça que se pauta por critérios éticos em todas as suas ações e que todos os esclarecimentos quanto aos projetos da Lei Rouanet que participou, foram prestados nos autos."
Grupo Colorado
"O Grupo Colorado figura entre os mantenedores do Instituto Osvaldo Ribeiro de Mendonça (IORM), que, há muito anos, dedica-se a projetos de inclusão social e desenvolvimento cultural (http://iorm.org.br/).
No desempenho dessas atividades, o Grupo Colorado foi procurado por representantes da empresa Bellini Cultural, que desenvolviam projeto de exposição sobre a expansão da cana de açúcar no interior de São Paulo.
Posteriormente, os representantes do Grupo Colorado tomaram conhecimento da existência de investigação para apuração de práticas de má versação dos recursos do projeto, no âmbito da empresa Bellini Cultural.
Em decorrência disso, o Grupo Colorado prestou todos os esclarecimentos às Autoridades Públicas, deixando claro que figura como vítima de tais irregularidades. Além disso, recolheu aos cofres públicos o valor do incentivo fiscal recebido, acrescido dos encargos legais, afastando qualquer alegação de benefício indevido".
KPMG
"A KPMG no Brasil afirma que não recebeu, até o momento, nenhuma citação referente ao caso."