O Brasil se prepara para um fim de semana de protestos e negociações políticas que podem determinar o destino do presidente Michel Temer, abalado por denúncias de corrupção. Temer tenta impedir a implosão da base aliada para evitar um eventual impeachment como o que, no ano passado, destituiu a presidente Dilma Rousseff, de quem era vice-presidente.
Partidos de esquerda, sindicatos e organizações da sociedade civil convocaram para domingo protestos em todo o país para exigir a renúncia de Temer. O número de participantes poderá servir de termômetro do descontentamento.
O presidente Michel Temer foi acusado na sexta-feira pela Procuradoria-geral da República (PGR) de tentativa de obstrução à Justiça. Segundo a PGR, Temer teria atuado em coordenação com o senador e ex-candidato à Presidência Aécio Neves, suspenso do cargo na quinta-feira (18), para impedir a continuação da Operação 'Lava Jato'.
"Verifica-se que Aécio Neves, em articulação, dentre outros, com o presidente Michel Temer, tem buscado impedir que as investigações da Lava Jato avancem, seja por meio de medidas legislativas, seja por meio de controle de indicação de delegados de polícia que conduzirão os inquéritos", afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em seu pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize a investigação. "Desta forma, vislumbra-se também a possível prática do crime de obstrução à Justiça", concluiu.
O documento também menciona a participação na trama de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça de Temer. As acusações se baseiam nas delações premiadas dos executivos da gigante mundial alimentícia JBS, entre eles seus donos, Joesley e Wesley Batista. As delações só serão consideradas provas depois de validadas pela Justiça.
Desde quarta-feira (17), o Brasil vive um estado de comoção política, quando o jornalista Lauro Jardim, do Jornal O Globo, revelou uma conversa entre Temer e Joesley Batista, na qual, segundo Janot, o presidente deu sua anuência ao pagamento de propina para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.
Michel Temer negou enfaticamente as acusações, assim como os pedidos para que renunciasse. Nos documentos divulgados na sexta-feira, Temer aparece mencionado ao lado dos antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff em uma lista de supostos beneficiários de subornos pagos por executivos da JBS.
Ricardo Saud, diretor de relações institucionais da J&F (o consórcio que controla a JBS), afirmou que a empresa beneficiou Temer na campanha de 2014 com pagamentos ilegais de 15 milhões de reais, em troca de uma "atuação favorável" aos interesses do grupo.
O jornal O Globo afirmou na sexta-feira em um editorial que o chefe de Estado "perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para seguir governando". O editorial publicado no site do jornal recorda que a publicação "apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer", que completou um ano de governo após o impeachment de Dilma Rousseff.
"Mas a crença nesse projeto não pode levar ao autoengano, à cegueira, a virar as costas para a verdade. Não pode levar ao desrespeito a princípios morais e éticos. Esses diálogos expõem, com clareza cristalina, o significado do encontro clandestino do presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista. Ao abrir as portas de sua casa ao empresário, o presidente abriu também as portas para a sua derrocada", completa.
"A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará. É o que os cidadãos de bem esperam dele", afirma o editorial.
A ex-ministra e senadora ambientalista Marina Silva, que nas eleições presidenciais de 2014 alcançou quase 20% dos votos, declarou que Temer "não está em condições de governar". O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa comentou em seu Twitter: "não há outra saída: os brasileiros devem se mobilizar, ir para as ruas e reivindicar com força a renúncia imediata de Michel Temer".
Um eventual impeachment somente acontecerá se a base aliada de Temer, ou pelo menos uma parte dela, lhe der as costas. "Por isso, a primeira questão é saber se os partidos que formam a base do governo deixarão ou não o governo", disse à AFP Thomaz Pereira, professor de Direito Constitucional na Fundação Getúlio Vargas.