Odebrecht, uma fábrica internacional de corrupção

Nesta semana, ex-procuradora venezuelana fez acusações contra Maduro e outros altos funcionários de seu governo por supostas propinas
AFP
Publicado em 25/08/2017 às 10:01
Nesta semana, ex-procuradora venezuelana fez acusações contra Maduro e outros altos funcionários de seu governo por supostas propinas Foto: Foto: Divulgação


O fio da meada da corrupção da empreiteira Odebrecht parece não ter fim. A ex-procuradora venezuelana Luisa Ortega abriu nova frente, com as denúncias contra o presidente Nicolás Maduro e outros altos funcionários de seu governo por supostas propinas recebidas da empreiteira brasileira.

Ortega, que fugiu da Venezuela, denunciou no Brasil que só Diosdado Cabello, uma das figuras mais poderosas do regime de Maduro, recebeu 100 milhões de dólares e assegurou ter provas contra propinas milionárias pagas ao presidente.

Nos anos de bonança na América Latina, propícia para a construção de infraestruturas, e amparada pela diplomacia de obras públicas, promovida pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), a Odebrecht encontrou um caldo de cultura favorável para corromper e ganhar contratos.

Uma capacidade que parece ilimitada. Na América Latina e na África, a empresa teria distribuído mais de 3 bilhões de dólares debaixo dos panos para assegurar projetos ou corromper presidentes, funcionários públicos ou financiar campanhas políticas, segundo confissão de 77 executivos da empresa, em um acordo de delação firmado com a Justiça brasileira.

É difícil saber se o escândalo chegou ao fundo do poço. "Nós não temos ainda uma dimensão absoluta da extensão desses tentáculos. Existem alguns nichos ainda que no Brasil não foram mexidos e que precisam ter mexidos", disse a procuradora Silvana Batini, que falou à AFP em Santiago por telefone do Rio de Janeiro.

Um deles é o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), turbinado por Lula após chegar ao poder, em 2003, para apoiar as grandes empresas de infraestrutura brasileiras.

A diplomacia empresarial

"O BNDES teve um papel decisivo na política econômica do governo do PT porque foi um veículo, um dos grandes veículos escolhidos de repasse de dinheiro para a realização da política de proteção de empresários, dos grandes campeões", explicou Batini.

Muitas destas empresas, como a gigante da proteína animal JBS ou a própria Odebrecht, entre outras, "cresceram às custas do BNDES e hoje sabemos que cresceram de uma forma criminosa e cresceram pagando contrapartidas ilícitas aos políticos", destacou.

As investigações sobre a Odebrecht levaram o BNDES a suspender no ano passado o pagamento de 3,6 bilhões de dólares para 16 projetos em Argentina, Venezuela, República Dominicana, Cuba, Honduras e Guatemala. 

O dinheiro da corrupção leva à prisão

Ex-presidentes, ministros e funcionários públicos estão na prisão em vários países latino-americanos, acusados de terem recebido propina para favorecer a empreiteira em licitações.

No Peru, o ex-presidente Ollanta Humala e sua esposa, Nadine Heredia, estão em prisão preventiva por terem recebido 3 milhões de dólares da empreiteira para sua campanha política de 2011. O também ex-presidente Alejandro Toledo é alvo de uma ordem de extradição dos Estados Unidos e vários funcionários do governo de Alán García são investigados.

No Equador, o vice-presidente Jorge Glas é investigado por suspeitas de associação ilícita no esquema de propinas milionárias a funcionários públicos equatorianos para obter contratos.

Na Colômbia, o ex-ministro-adjunto de Transportes Gabriel García e o ex-senador Otto Bula foram detidos e a Justiça investiga se a Odebrecht aportou recursos para a campanha eleitoral do presidente Juan Manuel Santos e outros políticos.

No Panamá, o irmão e o filho do ex-presidente Ricardo Martinelli, bem como uma dezena de empresários, estão na mira da Justiça.

Na República Dominicana, estão detidas oito pessoas, entre elas um ministro.

Na Argentina, a empresa foi suspensa em julho passado de participar de licitações e é investigada em pelo menos três contratos.

No México, o ex-diretor da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), Emilio Lozoya, também está na mira da Justiça por supostas propinas recebidas da empreiteira.

As investigações sobre a Odebrecht fazem parte de outra muito maior, revelada em 2014, a operação "Lava Jato", que deixou em evidência que as empreiteiras brasileiras tinham montado um cartel para alterar os lucrativos mercados de terceirização do grupo petroleiro Petrobras, subornando dirigentes de todo o espectro político.

A empreiteira e sua filial petroquímica Braskem aceitaram, em dezembro passado, pagar muitas no valor de 3,5 bilhões de dólares pelo esquema de propinas pagas em uma dezena de países latino-americanos, além de Moçambique e Angola. Desta quantia, 10% ressarcirão delitos cometidos nos Estados Unidos, outros 10% na Suíça e 80% no Brasil.

Falta de "oxigênio" para limpar

Para além do que a Justiça possa fazer, o que preocupa neste momento a maioria dos brasileiros é se haverá "oxigênio" para continuar investigando e depurando responsabilidades, disse Batini.

Em particular, vontade política para mudar um sistema de fazer política baseado na corrupção, como deixou em evidência a "Operação Lava Jato", que investiga a maior rede de corrupção da história do Brasil que afeta a Petrobas e salpica o próprio presidente Michel Temer.

Recentemente, o Congresso livrou Temer, que chegou ao poder após o impeachment a presidente Dilma Rousseff, de que as denúncias contra ele fossem parar no Supremo Tribunal Federal.

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