Ato Institucional

Eduardo Bolsonaro pede desculpas e diz que 'não existe qualquer possibilidade de retorno ao AI-5'

''Eu talvez tenha sido infeliz em falar no AI-5'', disse o deputado após ampla repercussão contrária às declarações

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Publicado em 31/10/2019 às 19:23
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
''Eu talvez tenha sido infeliz em falar no AI-5'', disse o deputado após ampla repercussão contrária às declarações - FOTO: Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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Depois de ampla repercussão contrária às declarações, divulgadas nesta quinta-feira (31), em que defendeu "um novo AI-5" para conter manifestações de rua da esquerda, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pediu desculpas por suas falas e negou a defesa de um novo ato, em nova entrevista à TV. 

"Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira - mesmo eu não fazendo parte do governo - está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando", disse o deputado em entrevista por telefone à TV Bandeirantes.

Mesmo com o pedido de desculpas, o líder do PT na Câmara, o deputado Paulo Pimenta (RS), afirmou que a bancada do partido deverá entrar com uma queixa-crime contra o Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Supremo Tribunal Federal (STF). Para juristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, a declaração do filho do presidente Jair Bolsonaro fere a Constituição e pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. 

>> Saiba o que foi o AI-5, citado por Eduardo Bolsonaro

Eduardo disse que estava comentando os protestos que ocorrem no Chile quando citou o ato, em meio a ações para conter manifestações de rua. "A esquerda, em que pese o presidente chileno ter cedido ao que eles pediam, continua travando o país", afirmou. "E quando isso aí ocorre, eu talvez tenha sido infeliz em falar no AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno ao AI-5, mas, nesse cenário, o governo tem de tomar as rédeas da situação. Não pode ficar refém de grupos organizados para promover o terror. Foi tão simplesmente isso", disse.

O filho do presidente disse ainda que "a gente vive sob a Constituição de (19)88. Eu fui eleito democraticamente. Não é interessante para mim a radicalização".

Antes, Eduardo havia dito que poderia ser necessário "um novo AI-5" para conter protestos de rua como os do Chile durante entrevista gravada com a jornalista Leda Nagle no dia 28 e divulgada nesta quinta-feira. As falas provocaram manifestações de diversos partidos políticos e organizações. O presidente Jair Bolsonaro disse que "quem está falando sobre AI-5 está sonhando".

"Vamos entrar com queixa-crime contra Eduardo Bolsonaro no STF"

O líder do PT na Câmara, o deputado Paulo Pimenta (RS), afirmou que a bancada do partido deverá entrar com uma queixa-crime contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa das declarações dadas sobre um "novo AI-5" caso ocorram manifestações tais quais as que ocorrem no Chile.

"O Supremo precisa ter uma resposta e encarar isso como um crime, para que fique claro para a sociedade que a apologia à ditadura e a torturadores não será tolerada. Aqueles que tentarem fazer isso deverão responder criminalmente por isso", afirmou Pimenta.

"Nós temos que impedir que o ovo da serpente continue a ser chocado". "Ele (Eduardo Bolsonaro) tem que perder o mandato e sofrer as consequências criminais do que ele cometeu", afirmou o líder do PT.

Pimenta também confirmou que seis partidos de oposição assinaram o pedido para que Eduardo seja investigado pelo Conselho de Ética da Câmara. Segundo apurou Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, são eles o PT, PSOL, PSB, PDT, PCdoB e Rede.

Eduardo pode sofrer processo de cassação

Juristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fere a Constituição e pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados Partidos da oposição afirmaram que farão esse pedido nos próximos dias.

Os especialistas, no entanto, afastam a possibilidade de uma responsabilização criminal do deputado por causa da declaração. "Recebo essa manifestação com dupla preocupação. De um lado, com o grau de desconhecimento jurídico que ela revela, na medida em que um ato institucional é uma quebra da ordem democrática. Em segundo lugar, me preocupa o fato de que essa é uma declaração de um deputado eleito que tem dentre os seus deveres preservar a ordem constitucional e não promover uma proposta de quebra desta mesma ordem", afirmou o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques.

Para Azevedo, uma vez que a declaração seja confirmada como uma afronta à ordem constitucional, Eduardo pode ser alvo de um processo de cassação de seu mandato.

O diretor da Faculdade de Direito da UnB, Mamede Said Maia Filho, também ressalta que a fala contraria a Constituição. "Do ponto de vista político, ela (a declaração de Eduardo) contraria a Constituição, o sistema democrático e compromete a própria natureza do Estado brasileiro. O texto constitucional fala que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. É algo que afronta as instituições", disse.

Já Belisário dos Santos Jr., advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo, afirma que considera difícil que o deputado seja responsabilizado criminalmente pela fala. "A responsabilização pessoal dele eu acho de certa forma difícil do ponto de vista criminal, porque ele está falando em hipótese", disse. No entanto, considera que a declaração fere "profundamente" a dignidade e o decoro da Câmara. "O deputado jurou à Constituição Sob esse ponto de vista ético, acho que ele pode ser responsabilizado", afirmou.

A Constituição garante aos parlamentares imunidade parlamentar. Segundo o texto constitucional, os congressistas são "invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". No entanto, isso não impede que um deputado seja responsabilizado por alguma declaração. Em junho de 2016, por exemplo, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro por dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não "merecia ser estuprada" por ser "muito feia" e porque ela "não faz seu tipo".

Veja a íntegra da entrevista

O Ato Institucional nº 5

O Ato Institucional nº 5 foi o mais duro instituído pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus. A partir da medida, a repressão do regime militar tornou-se mais dura.

A Constituição de 1988 rejeita instrumentos de exceção e destaca, em seu primeiro artigo, como um de seus princípios fundamentais, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.

'AI-5' se torna assunto mais comentado do Brasil no Twitter

Com a fala do deputado, a sigla "AI-5" se tornou rapidamente o assunto mais comentado do País no Twitter. Além da rede social, a declaração do filho do presidente também fez crescer no Google o número de pesquisas sobre o Ato Institucional nº 5, que foi estabelecido em 1968 pelo presidente Costa e Silva, durante o regime militar.

Pesquisas por 'AI-5', 'Eduardo Bolsonaro' e 'apologia à ditadura' atingiram seus picos semanais no começo da tarde desta quinta-feira, 31.

Parlamentares de oposição investiram contra o governo a partir da fala de Eduardo Bolsonaro. "É o Brasil com AI-5 em pleno 2019 que Bolsonaro quer vender para o mundo e investidores?", tuitou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS) disse que uma reedição de algo como o AI-5 "levará à prisão o seu autor".

Também pelo Twitter, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP) disse que o seu partido vai "entrar com pedido de cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro no Conselho de Ética da Câmara e também com uma denúncia contra ele no Supremo Tribunal Federal".

Mesmo apoiadores da agenda de reformas do governo criticaram a fala de Eduardo Bolsonaro. "Declaração irresponsável! Precisamos respeitar a democracia e as instituições. Queremos ajudar na agenda econômica e nas reformas que o Brasil precisa! Essas declarações não ajudam o País", publicou Silvio Costa Filho (PR-PE).

Ex-líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP) compartilhou um tuíte de um usuário que levantava a expressão #CalaBocaEduardoBolsonaro.

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