O sistema penitenciário de Pernambuco – um dos mais superlotados do Nordeste, classificado por entidades internacionais como um dos piores do Brasil e com histórico de repetidos assassinatos e rebeliões – será alvo de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O trabalho, autorizado esta semana pelo conselheiro Marcos Loreto, a partir de um pedido do Ministério Público de Contas do próprio TCE, atende a convocação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que seja avaliada em todo o País a condição gerencial das cadeias, presídios e penitenciárias. Rebeliões em série, com chacinas, e constantes denúncias do Ministério Público e dos organismos de defesa dos direitos humanos chamaram a atenção dos órgãos de controle da administração pública.
“Resolvemos adiantar as providências em Pernambuco a partir da proposta da ministra Ana Arraes, do TCU”, explica o procurador-geral do Ministério Público de Contas do TCE, Cristiano Pimentel. Segundo ele, o estudo, inédito, será feito em parceria, e ainda não tem prazo para ser concluído. “Um dos grandes problemas no sistema penitenciário brasileiro é a tomada de decisões baseadas em achismos. Por isso, pretendemos levantar as diferentes questões e ajudar os gestores a fazerem a melhor opção”, explica o procurador. Os auditores do TCE devem avaliar orçamento, recursos recebidos, condições físicas da rede, localização das unidades, lotação, funcionamento interno, quantitativo e distribuição de agentes e de defensores públicos, como está sendo feito monitorado o uso de tornozeleiras eletrônicas e a aplicação de penas alternativas entre outros aspectos.
O TCE pretende ajudar o governo a decidir sobre a aplicação de recursos no sistema carcerário, melhor localização para novas unidades, como reduzir permanência de presos provisórios e assegurar ressocialização adequada com uso eficiente do dinheiro público. “Em outros Estados já ficou provado que não basta aumentar os recursos financeiros quando falta gestão”, observa Pimentel, lembrando o caso do Amazonas, onde a despesa com preso é quatro vezes maior que a média nacional, e vivenciou, neste início de 2017, um dos maiores massacres do sistema prisional brasileiro, com a morte de 60 detentos em 24 horas. O Complexo Penitenciário Anísio Jobim, palco da tragédia, tem fiscalização terceirizada. “Em serviços essenciais como saúde, educação e sistema penitenciário, esse modelo de gestão pode encarecer e não trazer resultados”, comenta Pimentel. Ele também chama a atenção, em Pernambuco, para a carência de defensores públicos concursados. Em vez de ampliar o quadro, o Estado opta por contrato temporário, lembra. No ano passado, o governo Paulo Câmara também foi alvo de protestos populares ao decidir desapropriar imóveis residenciais no entorno do Complexo do Curado, palco de fugas e rebeliões no Recife.
Uma parceria público privada para construção do Centro de Ressocialização de Itaquitinga, na Zona da Mata, já é alvo de auditoria do TCE, que recomendou a suspensão do contrato com o consórcio vencedor, no valor de R$ 1,9 bilhão. A obra ficou inacabada e novo edital teve que ser formulado, sob supervisão do tribunal, para retomada dos serviços. Na semana passada, a conselheira Teresa Duere recomendou que o Estado evitasse alterações no projeto de construção de sete cadeias públicas em Araçoiaba, no Grande Recife. As obras foram iniciadas em 2014, com prazo de conclusão de um ano, que não foi cumprido. Apenas 3% dos serviços foram executados. Auditoria do Núcleo de Engenharia do TCE encontrou alterações contratuais nos projetos de construção, acima de limites previstos em lei. “Por meio de termos aditivos, foram incluídos novos serviços, excluídos outros, sendo os três contratos alterados, em média, 90%. As mudanças resultaram num acréscimo de R$ 7 milhões e a contratação passou de R$ 113,1 milhões para R$ 120,3 milhões”, informou o tribunal. Teresa Duere determinou ao Estado a retomada dos contratos sem as alterações previstas.
Uma ação da Promotoria de Defesa do Patrimônio do Ministério Público Estadual cobra desde o ano passado, na Justiça, concurso público para ampliar o quadro de agentes penitenciários. A promotora Lucila Varejão aponta a necessidade de seis mil agentes, considerando parâmetros do Conselho Nacional de Justiça. De acordo com o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários, João Carvalho, são necessários quatro mil ao menos.
“Hoje somos 1.500 para 23 unidades e 47 cadeias públicas. Temos plantões com cinco agentes tomando conta de até dois mil presos”, reclama. Além de cuidar das demandas internas, os profissionais respondem também pelas externas, custodiando presos em hospitais e audiências. A entidade exige o concurso, fruto de um acordo do Estado assinado com a classe há um ano, assim como a correção do salário, de R$ 3.200 para R$ 3.900. Houve passeata na última sexta-feira e está marcada assembleia para o dia 21.
Segundo Carvalho, as audiências de custódia, nas quais os detidos pela polícia são apresentados a um juiz, ajudaram, nos últimos meses, a diminuir o ingresso nos presídios, mas a superpopulação permanece. Além de presos portando celulares e facões, há fugas, rebeliões e agressões entre presos. De acordo com o Sindicato dos Agentes, foram pouco mais de 30 detentos assassinatos no ano passado e dois nesse início de 2017, com um agente ferido.
Carvalho aprova a iniciativa do TCE de fazer uma auditoria no sistema. “É importante esse acompanhamento. Acabou de ser criado o Fundo Estadual Penitenciário e o Estado está recebendo recursos federais. Em anos anteriores, segundo ele, o Estado devolveu repasse por não ter contrapartida para os convênios. Além disso, os auditores podem verificar se valores destinados a determinadas ações são de fato nelas aplicados”.
Na última avaliação do Conselho Nacional do Ministério Público, o sistema prisional de Pernambuco liderava a superlotação no Nordeste, com ocupação de 305% em suas cadeias masculinas. Havia em 2015 nada menos que 27.244 homens em unidades com capacidade três vezes menor. Nas femininas, promotores encontraram 1.696 detentas quando só caberiam 689 (lotação de 246%). O relatório aponta ainda insuficiência de camas e colchões. Só três das 77 unidades visitadas forneciam material de higiene.
Irrelevante e equivocada. É assim que a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) do governo Paulo Câmara (PSB) avalia a auditoria anunciada pelo Tribunal de Contas do Estado no sistema penitenciário, medida, aliás, sugerida nacionalmente pela ministra do TCU Ana Arraes, ex-deputada federal pelo mesmo partido.
Em nota, a secretaria alega um conjunto de novos investimentos e ampliações da rede que abriga hoje 29.500 presos. “Neste mês de janeiro foi registrado o repasse do governo federal para a construção de unidades e modernização do sistema penitenciário no valor de R$ 44,7 milhões. Desse total, R$ 31,9 milhões serão destinados à construção de uma nova unidade prisional e R$ 12,8 milhões serão voltados para a aquisição de equipamentos de segurança”. Outros R$ 10,8 milhões também foram anunciados pelo Ministério da Justiça para compra de scanners corporais e aparelhos de monitoramento.
O governo alega estar investindo em obras importantes, como o presídio de Araçoiaba, cuja conclusão, atrasada, está prevista agora para 2018. “O espaço abrigará presos provisórios ou condenados com processos em aberto e disporá de sete unidades (duas femininas e cinco masculinas), com 2.754 vagas, a fim de desafogar as unidades do Complexo do Curado e da Barreto Campelo (Itamaracá)”. Outra realização citada é o Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga. Serão mais de mil vagas em regime fechado. Sobre o concurso, avisa que o edital deve ser lançado ainda este mês, contemplando 200 vagas. “Os processos seletivos dependem da disponibilidade orçamentária, que atende aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal”, justifica.