Filiada recentemente ao PSOL de Belo Horizonte, cidade onde mora com o marido, o judoca Luciano Corrêa, a nadadora Joanna Maranhão nega que esteja prestes a dar braçadas em direção às urnas. “É um momento de aprendizado”, garante, enfatizando, no entanto, que na sua cartilha não há “não” e “nunca” para quaisquer que sejam os projetos (veja entrevista completa com Joanna Maranhão abaixo).
Joanna revela que a militância feminina alimentou a militância partidária e que as duas estão na mesma raia. “Essa militância cresceu muito nos últimos tempos. No último ano, quando li O Segundo Sexo, de Simone Beauvoir, fiz uma reflexão interna e percebi o quanto era machista, como o machismo está impregnado dentro de mim”, afirma.
Para a pernambucana, a situação ideal é usar a imagem pública para fortalecer políticas de apoio às mulheres, sobretudo aquelas vítimas de abuso sexual, um tema ao qual tem se dedicado.
“O que faz com que essa minha inclinação política seja mais forte é que tenho consciência dos privilégios que tive, inclusive na questão do abuso. Se não fosse a minha mãe médica, de classe média, eu não tinha tido um psiquiatra para todas as minhas crises. Quantas mulheres que sofrem abuso têm isso? Tive chances e as agarrei. Há muitas pessoas que não têm. Muito da minha militância é basicamente por isso”, diz.
O discurso é sempre o mesmo, é o discurso da “mortadela”, é o “cadê a medalha?”, “por que não se aposenta?”. O que eles (haters) não falaram para mim até agora é que sou gorda e mal comida. Acho que têm um pouco de medo de Luciano, talvez.
Joanna Maranhão
Na entrevista concedida ao JC, por telefone, Joanna diz que o que pensa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, do partido Republicano, e do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). “Tenho tanto pavor dessa onda de Bolsonaro e de Trump. Não acho nem que é uma onda de direita, mas é anti-humana. Me pego pensando nos filhos que nem tive ainda. Em um cenário que esse homem (Bolsonaro) cresça, eu não fico aqui com meus filhos”, revela.
A nadadora, finalista dos Jogos Olímpicos de Atenas, na Grécia, em 2004, também fala sobre o que espera do PSOL, como divide as atenções entre política e a natação, sororidade, a representação feminina na política e a relação com os “haters” nas redes sociais.
“Nada do que eu fizer enquanto atleta vai ser suficiente. Nada que eu fizer de combate à pedofilia, vai ser bom. Eles (haters) não têm a disponibilidade de conversar. Tem alguns que dizem ‘Vai pra Cuba’. Outra frase muita engraçada é ‘já que você é de esquerda porque você não começa a doar os seus bens?’. Sabe aquela música 'Todos estão surdos', acho que é de Roberto Carlos? É isso”, opina.
MILITÂNCIA POLÍTICA
Percebo que as pessoas se chocam de ver uma atleta de alto rendimento que se posiciona politicamente e ainda mais com minhas posições políticas não sendo de acordo com a maioria, por assim dizer. Isso gera um choque, mas não faço pela minha imagem. Aliás, se fosse fazer pela minha imagem, faria o que outros atletas fazem, com rede social que fale somente de esportes, foco e disciplina. Não sinto necessidade de estar falando da minha rotina de treino. A minha mãe não acorda de manhã e posta “estou indo agora atender 30 pacientes” (a mãe de Joanna é médica). Não deixo de fazer absolutamente nada da minha profissão por conta da minha militância política. Quem está por dentro da natação, sabe disso, sabe que trabalho e treino muito duro, mas não uso isso para trazer algo para minha imagem ou para lucrar, que é o que a maioria faz. Não estou julgando porque é um direito deles, mas não vejo sentido fazer isso. Prefiro muito mais utilizar a imagem pública que tenho pelo resultado da natação e por minha história de vida para levar às pessoas um outro lado.
APROXIMAÇÃO COM O PSOL
Comecei a pesquisar sobre a vida de Erundina (Luiza Erundina, deputada federal por São Paulo), quando ela entrou no PSOL e o que fez o partido crescer, aqueles quatro rebeldes do PT que saíram, que militaram para criar um novo partido. Pensei que isso era corajoso. Não vou ser mais uma que vai tirar os méritos dos governos do PT, mas não vou ser uma alienada que não enxerga os erros deles. Vejo dentro do PSOL uma esquerda, talvez ingenuamente, posso falar que é o que era o PT lá atrás. O PSOL tem essa oportunidade de fazer de uma maneira nova. Realmente acredito nisso. No ano passado, conheci a Sâmia Bonfim (eleita em 2016 a vereadora mais jovem da história de São Paulo). Fui para o lançamento da campanha dela, conheci o pessoal do Juntos! (coletivo do PSOL) e comecei a bater um papo, querendo aprender porque eu realmente estou nessa para aprender. Comecei a ver que é uma luta muito digna, muito genuína, e estava me reconhecendo ali. Esse sentimento que tenho muitas vezes na natação, de estar sozinha,... com essas pessoas não me sinto sozinha. Depois conheci a Áurea Carolina (campeã de votos para a Câmara Municipal de Belo Horizonte em 2016). Quando conheci essas mulheres, pensei que é possível, sabe? Foi um processo natural.
POLÍTICA X NATAÇÃO
Quando estiver no Maria Lenk buscando vaga para o Mundial, não vou estar com bandeirinha do PSOL. Vou estar com a bandeira do meu clube e de quem trabalha comigo. Militar é uma coisa que faço nas minhas horas vagas, nas redes sociais, na minha família e nas minhas rodas de amigos. A situação ideal é apoiar essas mulheres que têm coragem de se candidatar. Mulheres e homens que acho que têm candidaturas que vale defender. Não me acho hoje capaz de disputar um cargo. Muita gente me fala que eu poderia entrar, mas me amedontra muito. Talvez eu aprendendo mais... porque não gosto de dizer não e nem nunca para nada. Mas o fato de ter me filiado ao PSOL não tem essa intenção em absoluto. Existem pessoas que me pedem para pensar mais sobre o assunto. Gosto de estar aprendendo com Sâmia e Áurea e com outras mulheres e outros homens. É um momento de aprendizado.
MILITÂNCIA FEMININA
Cresceu muito nos últimos tempos. Eu diria que no último ano, quando li O Segundo Sexo, de Simone Beauvoir, foi que fiz uma reflexão interna e percebi o quanto era machista, como o machismo está impregnado dentro de mim, de competição com outras mulheres, da coisa do corpo. Gosto de dizer que sou uma feminista que ainda não aprendeu a amar o próprio corpo. Desde pequena, desde as categorias de base, todo mundo falava “quando você crescer você não vai ser boa na natação porque a sua mãe tem o quadril largo e quando você menstruar vai ter o quadril largo e isso vai fazer com que você tenha mais resitância com a água”. Quando menstruei pela primeira vez, tive uma crise de choro. Aprendi a odiar meu corpo, meu quadril, minhas coxas, minha genética porque todo mundo falava isso para mim, inclusive técnicos. Então, pude perceber que o meu corpo é perfeito para realizar o esporte da melhor maneira que eu possa fazer. Foi uma coisa que fui aprendendo. Uma mulher que achava meu marido bonito era uma coisa que me incomodava e eu falava “ah, é uma vagabunda”. Quando tinha algum caso de traição, eu julgava logo a mulher. Percebi que o machismo estava impregnado em mim e precisava rever tudo isso. Venho sempre fazendo isso.
MULHERES NA POLÍTICA
Essa questão vai um pouco além. A representatividade importa. Tem que ter mulheres, negros, homossexuais. Temos que ter mulher na política? Michele Collins (filiada ao PP, vereadora mais votada no Recife em 2016 e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara do Recife) é política e é o contrário disso (pautas liberais). Tem que ter pessoas nessas pautas, mulheres que estejam dispostas a defender essas pautas. E se tiver espaço para outras pessoas que tenha, que elas estejam lá. Tem muita mulher nessa confusão política-religiosa. Não tenho nada contra a pastora Michele Collins, mas a vereadora Michele Collins me incomoda.
BOLSONARO E TRUMP
Tenho tanto pavor dessa onda de Bolsonaro e de Trump, dessa onda que não acho que é de direita, mas é anti-humana. Automaticamente tento não falar com essa pessoa ou corto da minha relação (sobre os simpatizantes de Bolsonaro). No meu núcleo familiar, graças a Deus não tem ninguém. Tenho pavor e me pego pensando nos filhos que nem tive ainda. Em um cenário que esse homem cresça, eu não fico aqui com meus filhos.
ABUSO SEXUAL
O que faz com que essa minha inclinação política seja mais forte é que tenho consciência dos privilégios que tive. Inclusive, na questão do abuso. Se não fosse a minha mãe médica, de classe média, eu não tinha tido um psiquiatra para todas as minhas crises, inclusive uma que tive em 2015, quando falei “dessa crise não saio mais”'. Quantas mulheres que sofrem abuso têm isso? Sou uma pessoa extremamente privilegiada, uma atleta de natação, que é um esporte elitizado. Revejo muito dos meus pensamentos antes de achar que sou uma lutadora. Tive chances e as agarrei. Há muitas pessoas que não têm. Muito da minha militância é basicamente por isso.
HATERS NAS REDES SOCIAIS
Respondo mais na ironia alguns, outros simplesmente bloqueio. Tem muito fake. É um efeito manada, sabe? Aparecem um, dois, três. Eles vão se marcando. Já ouvi falar que esses ataques são combinados para ir à página de tais pessoas, ir à página da Maju, da Taís Araújo, a de Joanna, de MC Carol. É uma coisa meio orquestrada e o discurso é sempre o mesmo, é o discurso da “mortadela”, é o “cadê a medalha?”, “por que não se aposenta?”. O que eles não falaram para mim até agora é que sou gorda e mal comida. Acho que têm um pouco de medo de Luciano, talvez. Eles veem o tamanho do meu marido e pensam “bom”. Tem algumas coisas iguais como o “vai para Cuba”. Tem um (discurso) que é muito engraçado que é “já que você é de esquerda porque você não começa a dor os seus bens?”. Digamos que vá para um Mundial agora e conquiste medalha. Se for bronze, vão falar que é uma bosta porque não é prata. Se for ouro, vão falar que é uma bosta porque é ouro de um Mundial e não dos Jogos Olímpicos. Nada do que eu fizer enquanto atleta vai ser suficiente. Nada que eu fizer de combate à pedofilia, vai ser bom. Eles não têm a disponibilidade de conversar. Isso do lado da esquerda também. Sabe aquela música “Todos estão surdos”?, acho que é de Roberto Carlos. É isso”.
DEFESA DE DILMA
Estaria novamente (nas manifestações contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT) e se alguns desses atos não fossem nos horários dos meus treinos eu teria ido a mais. A prioridade é o meu trabalho. Alguns atos na Avenida Paulista foram em um domingo à tarde, então eu fui. O do Rio de Janeiro eu estava gravando um documentário e fiquei sabendo que ia ter uma ação do (deputado federal) Marcelo Freixo (PSOL) e fui. Tenho minhas ressalvas em relação à política econômica de Dilma, mas isso não dá o direito de fazer faixa na Avenida Boa Viagem, de usar adesivo dela de perna aberta e chamar de “aquela puta”. Da mesma forma que penso que Regina Duarte e Susana Vieira são duas atrizes espetaculares que têm um posicionamento político contrário do meu. Por conta disso eu vou chegar e dizer “estão velhas, não servem mais pra nada”? Não, elas servem, são excelentes atrizes e politicamente pensam diferente de mim. Pronto, está tudo bem.
POLÍTICA PERNAMBUCANA
Tento acompanhar, mas tem algumas vezes que o meu marido fala “Joanna, dá para a gente falar de alguma coisa que não seja política?”. A situação da Segurança Pública em Pernambuco, aí vai para Brasília, com aquele tanto de coisa acontecendo, aí você pira. Então, Luciano chega e me pede para mudar de assunto e me desligo. Tento acompanhar, mas é muita coisa.
SORORIDADE
Dentro do meu esporte a sororidade feminina é praticamente inexistente. Ela existe em uma ou outra nuance, de preferência quando aquela mulher não for a sua adversária direta. Mas na verdade é uma raia para cada um e não faz muita diferença eu ficar competindo com aquela outra mulher (fora das piscinas). A minha maior adversária(a argentina Georgina Bardach) era uma das minhas melhores amigas. A gente travava batalhas na água das quais sinto saudades, mas em nenhum momento uma desejava o mal da outra. É possível ser adversária dentro do esporte e ter sororidade. Mas para isso a gente tem que querer, se controlar, rever muitos conceitos e quebrar tabus.
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