Impulsionados pelas faixas exibidas em diversos bloqueios de caminhoneiros por todo o País, manifestantes pedindo uma intervenção militar foram às ruas do Recife, de Salvador (BA) e de Maceió (AL) ontem, reacendendo o debate sobre a importância da democracia no Brasil. Pesquisa do Datafolha divulgada em setembro de 2017 mostrou que 17% dos entrevistados admitiam que, em certas circunstâncias, pode ser melhor ter uma ditadura do que um regime democrático. Especialistas de cinco áreas diferentes ouvidos pelo JC ressaltam que a democracia é fundamental para a superação de crises como a causada pelo aumento no preço dos combustíveis.
“Para a economia, a democracia é melhor do que um regime ditatorial porque ela abre espaço para que os problemas e as divergências no mercado apareçam e suas soluções sejam discutidas abertamente. A gente acabou de ver uma lição disso. Tem agentes econômicos insatisfeitos com a política de preços dos combustíveis e eles tinham espaço democrático para questionar isso. Se não tivesse democracia, haveria espaço para expressar essa insatisfação? Certamente que não”, argumenta a economista e consultora Tânia Bacelar.
O Brasil viveu sob o governo militar pela última vez entre 1964 e 1985. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, 434 adversários do regime desapareceram ou foram comprovadamente assassinados durante este período.
Para o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB), existem dois perfis entre os grupos que vão às ruas pedir a volta dos militares. “Existem alguns mais velhos saudosistas da ditadura. E existem os mais jovens que nunca viveram isso e não têm a plena noção do que seja um regime ditatorial”, explica.
Doutor em Sociologia, Aécio Gomes de Matos identifica uma crise generalizada das instituições democráticas que pode influenciar nas manifestações públicas em defesa da uma intervenção militar. Para ele, o Brasil assistiu a um enfraquecimento do papel do presidente da República nos últimos quatro anos, junto com uma descrença com o Legislativo e uma desconfiança em relação ao Judiciário, particularmente sobre alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“De regime militar, eu conheço. Cheguei a ser preso político por ter opinião. No regime militar, não há esse direito. Não há o mínimo de liberdade. Mas as pessoas, até por não terem vivido aquela situação, ficam imaginando que a única saída para o caos que estamos vivendo é a hierarquia militar”, argumenta Matos.
Mas se os militares não são a solução, como ela pode ser construída dentro das instituições democráticas que nós já temos? Segundo Ronnie Duarte, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), as eleições de outubro são um caminho para se mudar a política brasileira.
“Daqui a cinco meses, todo mundo terá a oportunidade de escolher um novo rumo para o País. Teremos uma eleição para presidente com mais de dez pré-candidatos. E as pessoas estão pedindo para renunciar a esse direito de escolha, que o País pagou um preço tão alto para assegurar. Essa conquista custou o sangue de muita gente”, lembra o advogado.
Para o cientista político David Fleischer, professor emérito da UnB, a maioria dos militares não quer repetir a experiência de governar o País porque acreditam que as instituições militares se desgastaram muito no poder. “Felizmente, os militares não estão interessados nesse problema. Nós já estamos buscando saídas dentro da legalidade, com instrumentos dados pela democracia. Alguns governadores já estão usando as polícias estaduais para desbloquear vias e garantir o fornecimento de combustível para as emergências. E o próprio governo federal, embora tenha demorado para reagir, tem editado Medidas Provisórias e acionado suas forças de segurança”, registra.