Humberto Vieira de Melo diz que a 'Justiça é lenta'

O advogado eleitoral alega que os processos duram, em média, 10 anos no Brasil
Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 17/06/2018 às 7:01
O advogado eleitoral alega que os processos duram, em média, 10 anos no Brasil Foto: Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem


O advogado eleitoral Humberto Vieira de Melo diz que a Justiça é lenta e analisa o que está ocorrendo no meio jurídico. Ex-secretário de Justiça no governo Jarbas Vasconcelos (MDB), ele alega que esse maior número de processos envolvendo políticos é uma consequência do fortalecimento dos órgãos de controle do Executivo devido à Constituição de 1988 e ao concurso público, a principal via de ingresso nesses órgãos. Ele concedeu essa entrevista a repórter Angela Fernanda Belfort.

JORNAL DO COMMERCIO – O prefeito de Camaragibe, Demóstenes Meira (PTB), foi eleito em 2016, cassado pela Justiça e dois anos depois do pleito o processo não está concluído e ainda cabe recurso. O que justifica isso?
HUMBERTO VIEIRA – A Justiça brasileira é lenta. Os processos duram, em média, 10 anos no Brasil. O modelo processual brasileiro prevalece a forma em detrimento do objeto do processo. Isso faz com que ele se prolongue no tempo, além das garantias constitucionais, da ampla defesa, um número muito grande de recursos. Às vezes, uma falha processual anula tudo o que foi feito e aí se chega até as prescrições dos crimes. Uma falha, como por exemplo, não ouvir uma testemunha, pode anular tudo, e ter que recomeçar. Esse formalismo decorre da origem do nosso direito que vem do direito aplicado na Europa Continental/Ocidental, de origem romana com grande e acentuada influência da filosofia e do direito germânicos, daí o nome romano-germânico. Há um outro direito, o anglo-saxão, de origem inglesa – aplicado principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos no qual o princípio é o do precedente. Ou seja, se a Justiça já se manifestou sobre algo parecido naquele sentido, isso vai ser mantido. É como se a lei fosse decorrente da tradição daquela sociedade.

JC – Qual a consequência da aplicação do direito anglo-saxão?
HUMBERTO – Isso agiliza os processos, porque a forma é abstraída em favor do resultado do processo. Então, é como se já tivesse tudo claro e aí o juiz vai para a decisão. Aqui, abre prazo para isso, para aquilo...

JC – E como o Sr. analisa o ritmo da Justiça Eleitoral?
HUMBERTO – Aí também é uma questão da lentidão do processo e da estrutura desse tipo de judiciário, inicialmente baseado em prestadores de serviços, em funcionários emprestados pelo judiciário estadual e federal. Tem melhorado por causa dos concursos. A Justiça eleitoral, embora tenha os seus funcionários próprios, não tem juízes próprios. Eles são juízes da Justiça estadual que exercem também a Justiça eleitoral. Por exemplo, numa pequena cidade que tenha uma vara única, o juiz está cuidando do eleitoral e também dos processos de homicídio, estelionato, Lei Maria da Penha, divórcio, pensão alimentícia, despejo, entre outros.

JC – Como as pessoas podem entender que é necessário fazer uma nova eleição seis meses antes de um governador acabar um mandato, como está ocorrendo no Tocantins?
HUMBERTO – Isso é uma regra da legislação eleitoral brasileira que estabelece que quando a eleição é nula, não há mais a sucessão do segundo colocado. Essa lei é nova. Antes, os candidatos perdiam as eleições municipais e imediatamente alguns tentavam fazer a impugnação na esperança de tirar o prefeito e assumir. Hoje, se tirar, não assume. Feita a eleição, caso for anulada, haverá um novo pleito. No Tocantins, o que ocorreu foi que a Justiça reconheceu isso, mas levou três anos e meio por conta de várias coisas: influência política, número excessivo de recursos, formalismo absoluto do processo judicial, tudo isso leva a essa demora.

LAVA JATO

JC – E qual a ligação da Operação Lava Jato com o direito anglo-saxão?
HUMBERTO – Alguns procuradores da Lava Jato têm formação acadêmica americana e inglesa, incluindo o próprio juiz Sergio Moro. Esse conflito tem levado o Brasil a incorporar institutos típicos do modelo anglo-saxônico no modelo romano-germânico, como por exemplo a delação premiada, um instituto (mecanismo) típico do americano. Qual é a diferença? É que no Brasil os Ministérios Públicos não têm recall. Nos Estados Unidos, o Ministério Público tem recall, o procurador é eleito. Se por acaso ele faz um acordo, e a sociedade que o elegeu acha que errou (no acordo), ele não será reeleito para o próximo mandato. Nos Estados Unidos, o representante do MP que tomou uma decisão, desagradando a sociedade teria isso levantado pelo seu adversário na campanha da reeleição. Lá, o Ministério Público é um instituição permanente, mas os seus membros não são permanentes, eles fazem eleição para o procurador-geral. Aqui, se dá esse poder ao procurador e não se sabe como a sociedade aceitou isso. Para mim, a sociedade rejeitou, claramente, o acordo feito com Joesley Batista que teve uma imunidade penal. (A delação do empresário Joesley Batista acusou o presidente Michel Temer (MDB) de corrupção e por causa da delação o empresário não foi preso).

JC – Mas por quê o Sr. defende que o ideal seria ter um sistema híbrido (misturando os dois sistemas) e respeitando os costumes brasileiros...
HUMBERTO – Isso está começando com a criação do novo Código do Processo Civil, com a criação da delação premiada, a súmula vinculante já impede que o processo vá ao Supremo, ficando mais ágil e acabando no tribunal, que pode ser o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) criou o sistema de decisões repetitivos. Para o leitor entender, só como exemplo, há um número imenso de segurados do INSS que entraram com um processo para fazer a revisão da sua aposentadoria, e aí um tribunal dá, o outro não. E aí esses processos começam a chegar ao STJ que decide pegar um processo emblemático, julgar no sistema de recursos repetitivos e essa decisão passa a valer pra todos e não sobe mais. O princípio dos precedentes (do sistema anglo-saxônico) chegou a duas altas cortes do País (o STF e o STJ). Existe uma perplexidade no meio jurídico do Brasil. Há um conflito entre o modelo brasileiro (o romano germânico ensinado na faculdade) com o modelo praticado em algumas instâncias. O Supremo Tribunal Federal está dividido nesses dois conceitos de direito. Nem esse está certo, nem aquele tá errado. No STF, há isso claramente, com vários ministros com formação anglo-saxão, sendo o mais destacado o Luiz Fux, e outro no modelo tradicional romano-germânico, que para mim, se destaca mais com Gilmar Mendes. O próprio Luiz Fux começa a dizer que o importante é o resultado do processo, que se aquela falha processual não prejudicou, segue o processo e a decisão vai aproveitar o que tem no processo.

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