Com as contas apertadas devido à crise econômica na qual o País está imerso há cerca de cinco anos, muitos brasileiros tiveram que deixar de lado despesas com plano de saúde, escola particular e automóvel, por exemplo, e recorrer ao setor público para ter acesso a estes serviços. Mas para os cerca de 160 mil habitantes de Camaragibe, cidade situada na Região Metropolitana do Recife, essa opção quase que inexiste. Com o município praticamente parado por conta de diversos escândalos de corrupção, um prefeito preso e um sem-número de carências, os camaragibenses têm que se virar como podem para suprir suas necessidades mais básicas.
Se no posto de saúde faltam medicamentos ou produtos para a realização de curativos e exames, em geral é o paciente que faz a compra. Há tempos não realizam o serviço de capinação em determinada rua? Se não quiser ter a mobilidade prejudicada, nem a casa invadida por ratos e baratas, o morador do local faz o serviço. As crianças não receberam material escolar nem farda? Normalmente os pais os providenciam.
Morador do bairro do Timbi, o barbeiro Severino Alexandre da Silva, de 52 anos, herdou a profissão e ponto de trabalho do pai, que atuou no Mercado Público de Camaragibe por 35 anos. O permissionário conta que o negócio ia bem quando era instalado no prédio principal do centro de compras, apesar dos problemas estruturais do imóvel, mas que decaiu bastante quando precisou ser transferido para um galpão construído ao lado da propriedade. “Nos jogaram aqui do lado, onde praticamente ninguém passa. Tem comerciante lá que, antes da mudança, vendia R$ 3 mil em verduras e frutas durante uma semana e agora não chega a faturar nem R$ 1 mil. Além disso, para ter o meu espaço lá, com porta de vidro, gesso e divisória, eu mesmo que tive que pagar, a prefeitura não nos deu nada”, afirmou.
Com 479 boxes que apresentam a estrutura desgastada, fiação à mostra, limpeza deficiente e diversos outros problemas, o Mercado de Camaragibe entrou, em 2013, no foco da gestão do então prefeito Jorge Alexandre (PSDB), que iniciou obras para a construção de um novo imóvel ao lado do prédio em que o mercado sempre funcionou. Os permissionários, porém, apenas foram realocados em um grande galpão que nunca recebeu a estrutura necessária para funcionar como mercado público. “Minha filha, eu venho pra cá porque tenho que vender, mas isso daqui não é um mercado não, é um chiqueiro. Todo dia é isso, a feira é sempre desse jeito”, declarou a comerciante Fátima da Silva, 48, apontando para os corredores vazios. No local, a mulher negocia itens como laranja, banana e inhame.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Camaragibe (Sedec), foi iniciado, no último dia 1º de julho, “um levantamento para saber a atual situação do local, e, a partir disso, traçar um plano de trabalho para buscar soluções emergenciais e, se possível, definitivas para o espaço”.
Em 2016, às vésperas da eleição na qual concorreu à reeleição, Jorge Alexandre foi alvo de uma operação da Polícia Federal que investigava irregularidades em licitações para a compra de medicamentos na cidade. À época, a PF informou que os desvios giravam em torno dos R$ 100 milhões, mas o tucano sempre negou envolvimento no caso.
Sucessor de Alexandre, Demóstenes Meira (PTB), por diversas vezes se viu envolvido em situações controversas durante o mandato. No Carnaval deste ano, por exemplo, o prefeito chamou atenção após, através de áudios encaminhados pelo Whatsapp, exigir a presença de cargos comissionados vinculados à prefeitura no show da sua noiva, a cantora Taty Dantas, que também era secretária de Assistência Social de Camaragibe. No dia 20 de junho, investigado pelos crimes de fraude em licitação, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o gestor municipal foi preso e afastado do cargo. A defesa do petebista nega as acusações e chegou a afirmar, em pedido de liberdade apresentado à Justiça, que o administrador não estaria em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Autor de um pedido de impeachment contra Meira, e presidente da Câmara de Vereadores de Camaragibe, Toninho Rodrigues (PTB), diz que o sofrimento da população de Camaragibe é antigo e lamenta o quadro atual da cidade, que é administrada agora pela prefeita interina Nadegi Queiroz (DC). “A situação de Camaragibe me entristece muito. Essa semana, por exemplo, fiquei sabendo, pelo novo secretário de Educação, que os kits com materiais escolares e fardamento das crianças da rede municipal não poderão mais ser entregues. Segundo o secretário, não há licitação para a aquisição desses itens e, a essa altura do campeonato, não há mais prazo para realizar o procedimento, nem mesmo emergencialmente”, pontuou o parlamentar.
Através de nota, a Secretaria de Imprensa de Camaragibe confirmou que os quase 10 mil alunos da rede municipal de ensino não receberam, em 2019, material ou fardamento escolar. A pasta informou, contudo, que “a nova equipe está fazendo todo o esforço possível para regularizar o trabalho escolar, para que os materiais e recursos pedagógicos cheguem o mais rápido possível dentro da legalidade e das condições da secretaria e órgão municipal”. A pasta relata, ainda, outros problemas identificados na rede, como a interdição pela Defesa Civil da Escola Municipal Professor Paulo Freire, localizada no bairro Aldeia de Baixo, devido a vazamentos no telhado e paredes, além de deficiências na parte elétrica do imóvel.