Amaury Cantilino considera educativo o filme Ilha do medo

Psiquiatra diz que alguns longas conseguem representar bem características de transtornos mentais
Cinthya Leite
Publicado em 16/09/2012 às 1:35
Psiquiatra diz que alguns longas conseguem representar bem características de transtornos mentais Foto: NE10


Professor do departamento de neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o psiquiatra Amaury Cantilino frisa que alguns diretores parecem ter grande capacidade em captar aspectos psicopatológicos difíceis de serem compreendidos pelo público em geral.

"Ao ver Ilha do medo, de 2010, por exemplo, podemos ter uma excelente dimensão do que pode ser uma vivência de uma pessoa num surto psicótico da esquizofrenia”, julga o psiquiatra. Nesta entrevista à repórter Cinthya Leite, ele ressalta que o filme pode ajudar a família a entender que o paciente não consegue trazer o pensamento à realidade, mesmo que outra pessoa com vários argumentos razoáveis o assegure de que as suas ideias não são reais.



JC- Acredita que os filmes ajudam a sociedade em geral a compreender os transtornos mentais?

AMAURY CANTILINO -
Percebo grandes disparidades na qualidade destes filmes. Diretores parecem ter diferentes objetivos ideológicos prévios à elaboração e à pesquisa de construção de personagens. A preocupação com a dose de realidade das vivências retratadas pode fazer com que um filme tenha aspectos educativos e que traga o público geral à compreensão do sofrimento vivido pelos portadores de transtornos mentais. No entanto, não é raro observarmos filmes cuja realidade é extremamente distorcida, por vezes mostrando caricaturas de pacientes com transtornos mentais que beiram a ofensa e, por outras, cenas com marcantes viéses político-ideológicos estereotipados que confundem a opinião pública a respeito dos tratamentos. 
 
JC - Os longas podem ajudar os pacientes e as famílias deles a compreenderem melhor os distúrbios mentais?

CANTILINO -
Alguns diretores parecem ter uma grande capacidade em captar os aspectos psicopatológicos mais difíceis de serem compreendidos pelo público geral e transformá-los em algo empático para o espectador leigo no assunto. O longa Ilha do Medo, por exemplo, dá uma excelente dimensão do que pode ser uma vivência de uma pessoa num surto psicótico da esquizofrenia.

JC - Que obras podem trazer abordagem errônea sobre os transtornos e favorecer o preconceito?

CANTILINO -
O filme Uma Mente Brilhante passa a imagem de que os tratamentos psiquiátricos provocaram os sintomas de isolamento social e perda da capacidade prática do personagem. Também passa a ideia errônea de que o John Nash desenvolveu um método genial de lidar com a doença que o permitiu se manter sem remédios. Na verdade, a esquizofrenia é uma doença grave que inclui os chamados sintomas negativos, descritos bem antes do aparecimento de qualquer tratamento psiquiátrico. Os sintomas negativos incluem isolamento social, perda da capacidade prática, empobrecimento do pensamento e da linguagem, além de embotamento dos afetos e declínio da capacidade cognitiva. O paciente apresentará esses sintomas invariavelmente, usando ou não usando medicações.

JC - John Nash consegue perceber, ao longo de convivência com a doença, que as alucinações são produtos de sua mente. Isso acontece mesmo com os pacientes?

CANTILINO -
Ele está longe de ser o única pessoa com esquizofrenia a conseguir perceber isso. A maior parte dos pacientes, com alguns anos de doença, já consegue ter alucinações auditivas sem que ter o seu comportamento afetado por elas. E mais: infelizmente, alguns filmes passam uma ideia errônea de que os doentes mentais são geralmente violentos. Outros são fascinados pela imagem de vilania dos tratamentos psiquiátricos e ainda dão a impressão ingênua de que a força de vontade pura e o carinho social são suficientes para dar conta de problemas complexos.

JC - Dentro desse gênero, qual o seu filme preferido?

CANTILINO -
Um filme francês chamado Um novo caminho. Trata-se de um filme bem acabado, sem sensacionalismo e com excelente exposição da realidade do sofrimento de uma pessoa alcoolista. Passa-se numa clínica de reabilitação. O papel principal é magistralmente interpretado, e os personagens secundários também foram muito bem construídos. O longa reflete o drama do transtorno psíquico e o seu tratamento com cuidado e sem recheios ideológicos. Consegue ser dramático sem precisar fugir do real. E Cisne Negro também é primoroso, pois nos transporta para a mente de uma pessoa na transição para uma psicose.

* Leia a matéria completa na edição impressa de Arrecifes deste domingo (16/9).

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Cinema filmes saúde mental amaury cantilino
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