“Você reconhece ela?”, pergunto ao garçom, no instante em que Gleide Ângelo se afasta para fazer as fotos que ilustram este perfil. “Claro”, responde sem hesitar, “É aquela delegada rocheda. Ela é uma celebridade”. Acertou no alvo, duas vezes, Gleide é delegada e celebridade, a ponto de não poder passear em paz pelo vuco-vuco, a vizinhança formada pelas ruas das Calçadas, da Praia e Direita (entre outras) onde compra os componentes que possibilitam a prática do seu principal hobby: fazer bijuterias. A todo momento os “fãs” a abordam, seja apenas para cumprimentá-la pelo seu trabalho e/ou, um passo adiante, pedindo para posar para a indefectível foto que, seguramente, irá ornamentar alguns perfis no Facebook ou Instagram.
Os adornos que produz falam muito sobre sua personalidade: colorida, carismática, singular, generosa. “Eu fico morrendo de vergonha porque isso que faço é apenas o meu trabalho na polícia”, diz, com razão. Talvez seja a composição policromática do seu visual: cabelos em semitons de rubro, do vermelho-sangue ao bordeaux profundo, maquiagem caprichada, esmaltes vivos, roupas coordenadas por cores sólidas. Talvez seja o contraponto de forma e função: a gentileza exterior em contraposição à firmeza interior. Tudo, em Gleide Ângelo, atrai o olhar.
As lembranças mais felizes da infância de Gleide Ângelo vão dos 7 aos 13 anos, quando, ao lado dos irmãos , Gabriel e Gerson, fazia parte do time de natação do Sport. Treinava sem parar, às vezes às 5 da manhã, mas não era, propriamente, o esporte que a atraía, mas a convivência com os amigos que fazia no Parque Aquático do clube, jogando totó e sinuca depois dos treinos, comendo “batata à francesa”, como chamavam as fritas na época. Até hoje o sabor está impresso na memória, nunca mais provou outras iguais. A entrada na adolescência foi marcada pela morte da mãe, Isabel, aos 39 anos, de câncer de mama.
Foi um período cinza compensado pelas cores que, já então, escolhia para as roupas. O pai, Dimas, falecido há seis anos, aos 80 anos, trabalhava demais, entre Recife e Maceió, e os órfãos tiveram que aprender a se virar bem cedo. “Ele dava dinheiro para a gente se vestir. Meus irmãos investiam tudo em tênis de marca, eu dividia o dinheiro em itens bem baratinhos, mas que pudessem combinar de várias formas. Comprava um par de tênis branco e vários cadarços coloridos”, lembra.
Talvez venha daí, também, a dor que lhe abate sempre que tem como missão, além de investigar o culpado pelo assassinato, transmitir à mãe da vítima a notícia. “Acho que só existe uma dor mais forte do que perder a mãe. É a da mãe que perde seu filho”, diz ela, que gerou duas crianças, Luiz Eduardo e Maria Eduarda, hoje com 18 e 16 anos.
“Quando eu tive que dizer à mãe do rapaz, Paulo Ricardo, que ele havia morrido quando o acertaram com uma bacia sanitária, antes de qualquer coisa, eu me tranquei no carro e orei”, confessa Gleide, que é evangélica desde 2000. Ela enfatiza que esta denominação aplica-se a ela especificamente por que ela crê no livro sagrado, e não propriamente porque se atrela a alguma igreja. E os exemplos de fé a acompanham na rotina que ela define com um só adjetivo: “pesada”.
Foi para o alto que se virou para pedir ajuda na resolução de um caso que ela reputa como um dos mais difíceis, em torno da morte de Narda Alencar Biondi. “A mãe me me ligava angustiada todos os dias para descobrir o paradeiro da filha, que até então era tida como desparecida. Ficava de coração partido ao vê-la alimentar a esperança de vê-la ainda com vida. A experiência mostra que pessoas que mantêm uma rotina fixa, que são conhecidas por todos e que não apresentam nenhum problema mental, raramente desaparecem do nada. A maior probabilidade, depois de um certo tempo, é que estejam mortas, analisa. E assim foi. Narda, que estava hospedada em casa de amigas, foi morta e teve seu corpo enterrado no quintal pelas mesmas pessoas que lhe deram abrigo”.
Leia a matéria na íntegra na edição deste domingo (1°) no JC Mais, do Jornal do Commercio