Fintech é um termo que surgiu da junção de financial (financeiro) e technology (tecnologia). Na prática, é uma startup que busca inovação e otimização de um mercado historicamente conservador e burocrático, o financeiro – especialmente o bancário.
Aqui no Recife, em 2014, um grupo de jovens empreendedores fundou a Acqio, uma fintech de meios de pagamentos que experimenta um momento de crescimento constante, a despeito da crise que o país enfrenta. De acordo com Felipe Valença, CEO da empresa, “A pandemia gerou várias dificuldades, mas também muitas oportunidades para quem busca empreender”.
Na coluna de hoje, uma entrevista com Felipe sobre sua carreira e as oportunidades que esse mercado ainda oferece:
Felippe Pessoa: Felipe, você desenvolveu sua carreira em áreas estratégicas de bancos como ABN AMRO Real, Safra e Goldman Sachs. Hoje, você é CEO da Acqio, uma das maiores fintechs do Brasil. Como se deu a mudança de bancos tradicionais para o mercado de startups?
Felipe Valença: Foi uma jornada longa de 21 anos no mercado financeiro e escolhas nem sempre obvias, fazendo uma transição incomum do varejo bancário para os Bancos de Investimento. Aprendi muito, vivenciei a realidade das pequenas, médias e grandes empresas em todas as regiões do Brasil. E conheci pessoas incríveis: colegas de trabalho, executivos de empresas e seus acionistas. De certa forma, vivenciei vários episódios que me deram ferramentas e relacionamentos para uma jornada empreendedora.
A maioria das Startups de destaque é feita por pessoas com experiência de mercado e formada por um time multidisciplinar. Eu encontrei esse ambiente, me adaptei e pude contribuir. Além disso, é muito importante ter a cabeça aberta e não ficar preso a referências do passado, sem falar que colocar a mão na massa, é fundamental os recursos são escassos e a energia e capacidade de execução fazem muita diferença.
A mudança veio de forma não planejada, mas quando aconteceu parecia que tudo que eu havia passado era uma preparação para chegar neste momento. A Acqio estava num período de definições importantes e pude contribuir na construção do seu propósito, de levar os melhores serviços financeiros para o pequeno empresário, que sofre com a concentração bancária. Esse senso de ser um agente de mudança na sociedade e fazer a diferença, foi o combustível para me reinventar e me preparar para uma transição.
FP: De que forma ter trabalhado em grandes empresas te deu base para se tornar CEO?
FV: Fazer parte de uma grande empresa me permitiu acesso a conhecimento e estar conectado com as melhores práticas. O mercado financeiro é muito competitivo, dinâmico e exige atualização constante. Esses princípios eu levei para minha vida.
Eu procuro aprimoramento todo dia. O conhecimento ficou democrático e fico muito feliz de estar em um ambiente com tantas pessoas talentosas a minha volta, tenho o privilégio de ter no meu time pessoas inquietas e que se desafiam e a experiência e mentoria de conselheiros, investidores e parceiros que me apoiam e me cobram para meu desenvolvimento pessoal, como empreendedor e líder.
FP: Quais as principais diferenças de trabalhar em um banco de grande porte e migrar para uma empresa jovem e em franca expansão?
FV: Uma empresa jovem não tem o legado de uma empresa madura, o que permite ser mais ágil. Esse ecossistema está aberto para a inovação e permite que possamos testar, lapidar o projeto e implementar com velocidade. Esse aspecto é uma das fortalezas e o diferencial competitivo que uma empresa jovem detém. Como resultado é possível se diferenciar, gerar valor e ganhar mercado.
FP: Muita gente pensa que é difícil pivotar a carreira e você é um exemplo de que é possível, com a mudança de um mercado conservador para setor de maior inovação e velocidade. Na sua visão, o que é preciso para mudar o caminho e ter controle sobre a própria carreira?
FV: Saber administrar riscos, principalmente. Sair da zona de conforto é essencial. Mas, como eu costumo dizer, não me preparei para trabalhar em banco, me preparei para a vida. Embora seja importante você se desafiar e ir atrás dos seus objetivos, adentrar um ambiente desconhecido e incerto te exige uma avaliação cautelosa e delicada das suas competências. De fato, tomar essa decisão é muito particular e não existe um caminho certo. Na minha opinião é um equilíbrio entre respeitar seus limites e acreditar muito nas suas habilidades que lhe diferenciarão para o próximo passos.
FP: Pela velocidade do crescimento e a possibilidade de uma carreira estruturada e com boas remunerações, trabalhar em startups tem se mostrado um caminho promissor. O que um profissional precisa ter para fazer carreira nesse tipo de empresa?
FV: Em startups você se depara com uma estrutura mais reduzida, onde o alto engajamento e capacidade de execução é fundamental, a consequência é que a entrega é facilmente percebida e pelo seu resultado. Estamos falando de empresas que buscam crescer dois dígitos por ano e, algumas, fazem isso por mês. Em comparação a uma multinacional já estabelecida, que se sente desafiada por avançar 5% a.a. ou manter seu market share. Essa combinação gera oportunidades de aceleração de carreira, seja para movimentos horizontais ou para assumir cargos de liderança.
O profissional deve ter muita resiliência e compromisso com os objetivos, o concorrente típico é um universo de empresas estabelecidas e com poder financeiro maior, mas a sede de construir algo faz a diferença. As pessoas que optam por fazer parte do time em uma startup, acreditam num propósito de realização e, no fim das contas, nem se percebe que se está trabalhando. O ambiente é desafiador, mas isso é o que nos alimenta para ir além.
FP: A maioria das startups está diretamente ligada ao mercado de tecnologia. Consequentemente, os profissionais dessa área, principalmente os desenvolvedores, são disputados pelas empresas. O que fazer para sanar a escassez desses profissionais?
FV: A Acqio celebra e incentiva a valorização dos profissionais de tecnologia, afinal a empresa nasceu nesse contexto e acredita na importância da tecnologia como forma de facilitar a vida das pessoas. A ideia sempre foi formar e incentivar a excelência dos nossos profissionais. Com a escassez de mão de obra, buscamos instituições de educação e fomento de tecnologia para estruturar para o segundo semestre de 2021 créditos em programas de formação e inclusão, tanto de tecnólogos como de engenheiros, oferecendo uma posição na Acqio aos que demonstram maior potencial e aderência a cultura da empresa.
Adicionalmente, nosso time conseguiu ser uma das referências positivas do Porto Digital do Recife o que inspira e atrai pessoas que desejam trabalhar com tecnologia de ponta dentro de uma empresa local, mas com abrangência nacional. Esse aspecto nos diferencia e ajuda a viabilizar a criação de um polo regional relevante que tem tudo para ser um diferencial da nossa cidade.
FP: O Brasil tem fintechs que estão se consolidando cada vez mais no mercado, como o Nubank, considerado um dos unicórnios brasileiros. Você acredita que uma startup que deu tão certo estimula outros empreendedores a investir nesse mercado?
FV: Sim. A pandemia gerou várias dificuldades, mas também muitas oportunidades para quem busca empreender. No ano passado, o Estadão fez uma pesquisa com jovens universitários e professores e constatou que a cultura de startups é uma tendência que atrai e incentiva os recém-formados a abrirem seus próprios negócios. Antigamente era mais difícil ver tantas pessoas dispostas a desbravar o mundo do empreendedorismo, mas de acordo com o estudo do veículo, atualmente, 40% a 60% dos alunos expressam o desejo de empreender ainda nos bancos das universidades, não apenas pelo lucro monetário obtido, mas pelas características do modelo de negócio, pois é uma oportunidade para “trabalhar com o que gosta”. Além disso, as startups crescem a cada ano. Para se ter uma ideia, o Brasil saltou de pouco mais de 4 mil startups em 2015 para mais de 13 mil no ano anterior, de acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
FP: A Acqio, empresa onde você é CEO, é uma fintech do mercado de aquirencia. O que é e como funciona esse mercado no Brasil? Ainda existe espaço para crescimento?
FV: Embora extremamente complexo, o ecossistema de meios de pagamento no Brasil apresenta um cenário altamente favorável para o seu desenvolvimento. Um movimento que teve início em 2010, quando o Banco Central promoveu mudanças para o fim do duopólio e a quebra da exclusividade entre as maiores bandeiras e adquirentes de cartão do País, ele se intensificou nos últimos anos graças ao protagonismo observado pelo advento das chamadas fintechs – empresas inovadoras com foco em tecnologia financeira. Soma-se a isso o papel da própria autoridade monetária brasileira em desregulamentar o setor que sempre foi tradicionalmente engessado.
Neste cenário surgiram empresas como a Acqio. A nossa agenda foi permitir que o pequeno empresário pudesse se inserir no mercado de meio de pagamento através das nossas máquinas de cartão. A partir daí, eles ganharam folego e condições melhores para financiar suas vendas ou prestação de serviços e tiveram que abrir uma conta bancária para receber seus créditos. A demanda ainda é grande, para se ter uma ideia, são mais de 60 milhões de pessoas sem conta bancária. Em função disso, estamos ampliando nossa oferta, levando além soluções de meios de pagamento (máquinas de cartão), link de pagamento para venda não presencial, conta digital, cartão pré-pago e alternativas de crédito em parceria com a XP Asset, que inclusive se tornou nossa investidora neste ano.
Nossa agenda de inclusão é feita com proximidade, e fazemos isso através do nosso canal de micro franquias, são mais de 1 mil em todas as regiões do Brasil, no total de 2.500 municípios. Hoje somos a 3º maior Micro franqueadora do Brasil segundo a ABF. Esse é um dos nossos diferenciais e temos uma agenda de preparação, através da nossa Universidade Acqio e com suporte local para que esses empreendedores possam levar os nossos produtos e serviços para cada canto do nosso país.
FP: O Brasil tem hoje 14,4 milhões de desempregados, um número assustador e preocupante. Mas muitas startups, como a Acqio, estão crescendo e contratando. Na prática, de que forma essas empresas ajudam na geração de empregos?
FV: Nesse momento temos duas agendas importantes. A primeira é apoiar o empresário que precisa se manter e passar por este momento de crise sanitária e financeira. A nossa contribuição é feita pela oferta transparente e de produtos financeiros e de crédito, seja via financiamento das vendas e prestação de serviços por meio de cartão de crédito, antecipação destes recebíveis e, em linhas de capital de giro. Essas empresas precisam de folego para superar este momento, se restabelecerem e prosperar. A segunda, é permitir a formação de novos empreendedores através das nossas das franquias. Várias pessoas estão procurando montar seu primeiro negócio, seja porque perderam o emprego ou de fato querem mudar de vida. Investir numa franquia da Acqio é uma possibilidade para aqueles que gostam de se relacionar com pessoas e podem aproveitar sua rede de relacionamento para oferecem nossos produtos e serviços.