O ocaso de Paulo Câmara que começa neste domingo e vai até o fim do ano

Há quem defenda que cada período da História tem o governante que lhe é adequado. Talvez, no futuro, alguém descubra que a culpa foi da História
Igor Maciel
Publicado em 30/10/2022 às 7:00
CIRCUSTÂNCIAS Câmara recebeu um governo que ele não planejou, após uma eleição que ele não organizou, impulsionada por uma tragédia inesperada Foto: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM


A frase é de um imortal da Academia Brasileira de Letras que deixou esta terra em 1934: “A natureza é sábia e justa. O vento sacode as árvores, move os galhos, para que todas as folhas tenham o seu momento de ver o sol”.

Quando o jornalista Humberto de Campos a escreveu, ela ainda não era adequada ao atual governador de Pernambuco, que nem havia nascido. Hoje é possível dizer que a sabedoria dessas palavras não se aplica com justiça a Paulo Câmara (PSB).

Neste domingo (30), Pernambuco conhecerá sua próxima governadora e começa o período em que nem mesmo um café quente é servido ao sujeito que repousa sobre a cadeira de chefe do Executivo estadual. A expressão é uma piada contada pelo ex-governador Joaquim Francisco. Dizia que, após a eleição do sucessor, “até o café chegava gelado para quem está deixando o cargo”.

Porque a expectativa de poder, mais que o próprio poder, é o combustível da maioria dos motores deste mundo. Paulo começa a tomar o café frio, em seu ocaso, sem nunca ter tido um lugar ao sol, como na frase de Humberto de Campos. Parte da culpa foi dele e outra parte foi do ambiente em que ele viveu nos últimos oito anos.

A impopularidade atestada em pesquisas é injusta com o governador, embora seja compreensível. Câmara recebeu um governo que ele não planejou, após uma eleição que ele não organizou, impulsionada por uma tragédia que ele (e ninguém) esperava.

Ao ser eleito, recebeu sobre a mesa dívidas que ele não contraiu, para serem pagas com dinheiro que ninguém explicou a ele de onde viria, principalmente porque o responsável por elas morreu num acidente aéreo. E nem reclamar do morto ele podia, já que foi eleito sob a comoção de sua morte.

Em seu gabinete e sob as asas de sua gestão, foi obrigado a abrigar aliados que ele não escolheu e nem cortejou, mal sabendo quais foram as cláusulas dessas alianças, mas tendo que lhes dar cumprimento.

Sem falar que, fechando esse pacote indigesto, ainda precisava dar satisfações a uma família que não era a dele e a um partido que ficou tão perdido com a morte de seu líder mais recente que entrou em parafuso e retrocedeu para teorias e práticas da época do líder anterior, Miguel Arraes, como numa regressão traumática em que, ao invés de se abrir para o novo, fechou-se completamente num casulo reacionário, demagogo e desalinhado com a realidade.

É um resumo duro e, talvez, grosseiro do que foi o governo de Paulo Câmara, mas é a verdade e, ao colocar o governador para a História, é necessário que alguém a diga.

O grande problema, na maior parte de sua gestão, foi que as folhas acima dele, mesmo mortas, não caíram para lhe dar um lugar ao sol. Isso continuou, mesmo após a reeleição. E, aqui, é necessário pontuar o que deve ser a dúvida de muitos: como um governador nessas condições consegue se reeleger?

É que as mesmas figuras que lhe taparam a vista ao sol por quatros anos, precisavam que ele continuasse por lá. Qualquer vento que sacudisse a árvore poderia descortinar ao mundo um fato inconteste: a maior parte das folhas sobre os galhos dessa árvore chamada PSB estavam mortas e secas há anos. Elas só não caiam ao chão.

O PSB, aliás, profissionalizou-se em evitar qualquer vento de renovação com a cooptação ou incapacitação de adversários. A melhor forma de vencer uma eleição é não ter oposição. Sempre que adversários ameaçavam se unir para uma eleição eram devidamente separadas através de intrigas criadas com a ajuda do poder da máquina e muita habilidade em gerenciamento de conflitos.

Apenas para citar um exemplo recente, sem prolongamentos, basta lembrar todo o período pré-eleitoral da eleição municipal no Recife. Usando acessos dentro dos grupos de oposição, o PSB gerou um intriga entre Daniel Coelho (Cidadania) e Mendonça Filho (na época no DEM), fazendo com que o grupo prestes a ser formado fosse quebrado. Depois, notando que uma das partes poderia se fortalecer com o PSL, convenceu o partido a se afastar e lançar um candidato desconhecido.

O PSB vencia as eleições antes de começar a campanha, na falta ou no enfraquecimento de adversários. As folhas estavam mortas, sobre os galhos, mas o vento nunca batia e nada mudava. Paulo se reelegeu assim em 2018, mesmo com uma rejeição acima de 60%, aproveitando a falta de adversários, que acabaram enfraquecidos e reunidos no entorno de Armando Monteiro (na época no PTB), mas sem nenhuma convicção e com estratégias tão particulares que eram quase dissonantes entre si.

As folhas continuaram mortas, mas no topo. E Paulo continuou sob a sombra delas.

Após a reeleição, o governador tentou respirar e colocar seu limbo à luz. Foi quando começaram os boicotes internos. Tentou até ser candidato ao Senado. Ensaiou a possibilidade e foi imediatamente repreendido para não “entregar o poder ao PCdoB”. O mesmo PCdoB que o PSB escolheu para a vice dele.

Pressionado, resolveu deixar sua marca administrativa com o saneamento das contas. Recuperou a capacidade de investimento e a possibilidade de tomar dinheiro emprestado através de convênios. Experimentou alguma vitória, embora ter dinheiro e não saber como gastá-lo não sirva de nada.

Não, ele não sabe. Paulo sabe economizar e arrecadar. A cobrança de impostos, aliás, foi um machado do qual nunca abriu mão. Mas investir, ele não sabe. Um ótimo secretário de Fazenda sentado na cadeira de governador.

Talvez a frase de Lula (PT) sobre ele, anos atrás, seja uma realidade inexorável: “Paulo é técnico. Técnico a gente contrata, não elege”. E foi para esse mesmo Lula que Paulo resolveu debutar como agente e articulador político em Pernambuco. Qualquer riso irônico, neste ponto, é responsabilidade do leitor.

O mesmo Lula que o criticou por não ser político, precisou dele para levar o PSB ao palanque nacional e fez isso numa articulação local que dava a Paulo o controle do processo eleitoral no estado. O que o petista queria dele, foi entregue. O que ele tentou fazer com a candidatura socialista, ficou distante.

O resto da história é o retrato recente da derrota que Danilo Cabral (PSB) protagonizou na campanha e significou, finalmente, o vento que balançou os galhos do PSB, derrubando todas as folhas mortas há anos e as espalhando pela praça de grama seca que se tornou Pernambuco.

Agora as folhas podem ser recolhidas pelo pessoal da limpeza.

O ocaso de Paulo Câmara é o evento que começa hoje e termina no dia 31 de dezembro. O café será servido frio, o sorvete da sobremesa chega meio derretido, a carne gruda na panela e amarga um pouco, mas o governador que sofreu todo tipo de desventura terá ao menos alguma satisfação.

É que se não carrega qualquer grande expectativa de poder, ao menos na quase ausência dele poderá ter sossego e receber um pouco do sol que lhe foi negado. Talvez até sobreviva no meio e salte para um cargo federal, contratado (como recomendou Lula). Em último caso volta ao antigo trabalho, no Tribunal de Contas.

Há quem defenda que cada período da História tem o governante que lhe é adequado. Talvez, no futuro, alguém descubra que a culpa foi da História. Vai saber.

Hoje, o que importa é que a praça chamada Pernambuco possa ser reformada e que uma outra árvore nos dê algum fruto. Como não vemos há muito tempo.

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