O que mudou no mercado imobiliário por conta da pandemia e como isso está favorecendo o setor

As construtoras e incorporadoras comemoram a boa retomada das vendas por conta na redução das taxas de juros, mas um detalhe chama a atenção. O perfil do comprador de imóvel mudou com a pandemia
Edilson Vieira
Publicado em 12/10/2020 às 16:04
VARANDA Espaço ganhou mais funcionalidades, sobretudo gourmet, nos projetos pós-isolamento social Foto: Divulgação


A pandemia do coronavírus vai acabar e não vai demorar muito, mas a influência sobre o comportamento das pessoas será mais duradoura do que se imagina. A necessidade de ficar mais tempo em casa acabou criando um novo movimento no mercado imobiliário. Saem de cena os imóveis muito pequenos, entram os maiores, acima de 100 m². Os ambientes mais importantes da residência passam a ser a sala, a varanda e a cozinha. O quarto extra vira home office e as áreas comuns devem prever uma a área de trabalho compartilhada, o chamado coworking. O condomínio deve oferecer muito espaço aberto, inclusive para prática de exercícios, e um trabalho forte de jardinagem para que o morador possa se sentir em meio à natureza, sem sair de casa.

O mercado imobiliário está em alta. O índice de intenção de compras que chegou a cair 44% em março, já recuperou os níveis de antes da pandemia, e hoje se encontra em torno de 40% no País, e em 46% para o Nordeste, segundo a consultoria Brain. Já o Índice de Velocidade de Vendas (IVV) registrado em julho em Pernambuco, atingiu 9,2% sendo o maior desde dezembro de 2014, segundo a Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco). Mas o perfil do comprador de imóveis mudou nos últimos seis meses. Hoje, ele é cada vez mais o morador final do imóvel, e não mais o investidor, aquele que comprava ainda na planta para revender assim que o prédio ficava pronto.

As razões para a recuperação rápida do setor são econômicas, diz Avelar Loureiro Filho, presidente da Ademi-PE, associação que congrega 90 empresas do setor imobiliário no estado. E o motivo principal é a queda nas taxas de juros. “O dinheiro que antes era investido em aplicações hoje está rendendo negativamente então as pessoas estão fazendo relocação de portfólio, tirando os valores dos fundos de renda fixa e passando a se proteger nos imóveis”. Avelar observa que essa “proteção”, não se trata de um investimento financeiro, e sim pessoal. “É melhor eu investir em mim mesmo antes que o dinheiro não consiga comprar aquilo que eu compro hoje”, exemplificou. Avelar estima ainda que “está sobrando um pouco mais de dinheiro no bolso dos compradores”, diz ele, pois, durante a pandemia, muita gente não viajou, não trocou de carro, nem saiu para jantar. Esse dinheiro economizado acabou indo, de certa forma, para os imóveis, acredita o presidente da Ademi.

TENDÊNCIAS

Para Rafael Souto Maior, arquiteto e sócio da Metro Arquitetura, desde o ano passado o mercado já registrava um aumento na demanda por apartamentos grandes, entre 180 m² e 220 m². Com o isolamento social forçado pelo coronavírus a tendência se consolidou. Para ele, as pessoas estão procurando apartamentos mais confortáveis, um movimento típico de comprador final, aquele que compra para morar. “Até 2015 o mercado era totalmente focado no investidor. Depois veio a onda dos flats, imóveis pequenos que, depois de comprados eram colocados para aluguel ou como hospedagem provisória de turistas. Chegou ao ponto de os apartamentos serem vendidos apenas pela área, você nem precisava mostrar a planta para o investidor, ele comprava pelo tamanho e via ali uma oportunidade de negócio”, diz o arquiteto.

"Essa tendência de as pessoas ficarem mais em casa vai continuar. Mesmo após a pandemia" " - Rafael Souto Maior - Arquiteto

Rafael explicou ainda que agora existe, mesmo entre quem adquire apartamentos menores, uma busca por localidades com uma relação mais afetiva e de boa infraestrutura, onde se possa fazer tudo a pé. Na parte interna, alguns aspectos do ambiente que estavam esquecidos agora estão mais valorizados como uma sala mais confortável, uma cozinha mais integrada com a sala onde se possa receber pessoas e uma varanda multiuso. “Num apartamento de quatro quartos, o que estiver mais próximo da sala pode virar um espaço para home office. Outra tendência é a conversão das varandas em espaço de trabalho. Aquela varanda que antes ficava ali, sem uso, hoje pode ser fechada, receber um ar-condicionado, um mobiliário bacana e está montado o escritório em um ambiente isolado, com iluminação natural e, geralmente, uma bela vista”, projeta o arquiteto.

Está em alta ainda a valorização das áreas descobertas. Jardins e área de piscina precisam receber um paisagismo de qualidade. A busca por uma integração maior com a natureza tem nome: biofilia. Trazer as jardineiras e a vegetação para dentro do apartamento, dos halls e das áreas comuns deve ser outra preocupação do arquiteto. “Essa tendência de as pessoas ficarem mais em casa vai continuar, mesmo após a pandemia”, assegurou Rafael.

Há também a predisposição para oferecer o coworking dentro do condomínio. A ideia é criar espaços de uso compartilhado nas áreas comuns do prédio, incluindo até pequenas salas de reunião para que os moradores possam receber sócios ou clientes sem que eles precisem subir até o apartamento. “Na prática, você consegue ir trabalhar sem sair de casa”, diz Rafael Souto Maior.

MERCADO

Para Carolina Tigre, diretora de mercado da construtora Rio Ave, as pessoas estão olhando mais para a própria casa. Esse movimento acabou se traduzindo em bons resultados de vendas. “Pessoas que já vinham pensando adquirir um apartamento, com o período de isolamento, acabaram tomando a decisão e fechando o negócio”, adiantou Carolina Tigre.

Segundo ela, em duas semanas de pré-venda e antes mesmo do lançamento, a construtora pernambucana já havia comercializado 70% das unidades de um novo residencial, que ainda será erguido no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. As duas torres com um total de 94 apartamentos oferecem, entre outros equipamentos, spa, salão de beleza, prainha com beach tênis e espaço coworking nas áreas comuns. Os apartamentos trazem cabeamento para transmissão de dados e voz, tomadas USB e automação das luminárias. “Não há mais espaço para improvisação. Se um imóvel será utilizado como home office ele tem que oferecer estrutura para isso”, diz Carolina.

Claubert Barreto, gestor Norte-Nordeste da Brain Inteligência Estratégica, monitorou o mercado nacional com pesquisas junto a consumidores e empresários durante a pandemia. Segundo ele, a pesquisa mais recente, realizada em setembro, identificou que a pandemia antecipou tendências de comportamento que seriam consolidadas em médio ou longo prazo.

“A necessidade de isolamento social trouxe uma série de atividades que as famílias não estavam habituadas a realizar dentro de casa: trabalho, estudo, lazer. A experiência de vivência intensificada da casa vai continuar após a pandemia, mas os apelos essenciais de venda como localização, tipologia e preço dos imóveis permanecem. O que mudou foi um olhar mais qualitativo para o imóvel”. Para Claubert a compra de um imóvel é sempre “um jogo de adição e desconto entre o que a família deseja e o que a família consegue. Aqueles [construtores] mais aptos a reduzir esse hiato estão muito mais próximos de obter sucesso com seus lançamentos”, pontuou.

TAGS
consumidor Coluna edilson vieira
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory