O Código de Defesa do Consumidor (CDC) está completando neste mês de março 30 anos de sua entrada em vigor. E nesta segunda-feira (15), quando se comemora o Dia Mundial do Consumidor, não é difícil olhar para frente para ver o quanto ainda vamos avançar com a recente Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que, na prática, é um CDC totalmente voltado às relações de consumo no mundo digital.
Quando a Lei Geral de Proteção de Dados passou a vigorar, no segundo semestre do ano passado, foi saudada como um progresso e uma necessidade, porque a partir de então haveria regras sobre como coletar e tratar informações pessoais, quer elas sejam fornecidas numa compra de remédios, num site de namoro ou em uma viagem feita em um transporte por aplicativo. A LGPD garante um conjunto de direitos básicos relacionados aos dados pessoais. Através dela o cidadão pode saber como, quando e porque empresas, e também o poder público, tratam, armazenam e compartilham seus dados.
Hoje, ao entrar em um site, o internauta recebe um aviso sobre a política de privacidade daquela empresa e é alertado para a utilização de cookies, pequenos arquivos que armazenam temporariamente informações sobre a navegação do usuário. Isso já e um reflexo da LGPD. A pessoa tem como saber que tipo de informação está sendo coletada e como será utilizada. Basta dizer se aceita ou não. A LGPD ainda precisa de alguns pontos que precisam ser regulamentados, como o da portabilidade de dados. Algo semelhante ao que acontece hoje com os números e agendas dos telefones celulares.
Para a advogada Manoela Vasconcelos, especialista em proteção de dados, a LGPD traz novos direitos ao consumidor. “Com a LGPD a gente vê a reafirmação de alguns direitos que já existiam e a ampliação de outros, como o acesso às informações que constam nos cadastros das empresas, e a transparência desses dados. É uma espécie de autodeterminação informacional, que vem a ser o titular ter consciência do que está se fazendo com os dados dele. Ninguém aqui está dizendo que a empresa não pode fazer isso ou aquilo, mas, o que puder ser feito, deverá ser feito com o consentimento do consumidor”, disse a advogada.
“Muitas vezes recebemos ligações de pessoas ou empresas com quem nós nunca falamos antes, não fornecemos os números e, mesmo assim, somo incomodados com chamadas telefônicas oferecendo produtos e serviços que tínhamos pesquisado em algum lugar na internet. Ora, se você não deu seus dados para aquela empresa, isso é uma violação. A LGPD garante que você possa indagar a pessoa que ligou onde e como ela conseguiu seus dados”, diz Manoela.
Outro caso clássico é o pedido do número do CPF no momento de pagar a conta na farmácia. Você não é obrigado a fornecer número de documento nenhum, mas as farmácias, quase sempre, associam esse dado ao consentimento de algum desconto ou promoção, o que é errado, afirma a advogada. “O consumidor deve poder escolher se quer ou não fornecer seu CPF em troca de uma promoção. Ele também pode perguntar como aquela informação vai ser utilizada e por quem. A farmácia no futuro vai me informar sobre alguma promoção em relação aqueles medicamentos? ou vai compartilhar a lista de produtos que eu comprei com, por exemplo, planos de saúde que assim terão um histórico sobre como está minha saúde? Será que essa informação não vai influenciar na hora da renovação do plano?”. Manoela Vasconcelos arremata: “A gente sabe que, hoje em dia, dados representam monetização. Estamos na economia de dados e nossas informações podem ser vendidas como mercadorias”, alertou.
Para comunicar algum problema envolvendo dados pessoais, como a utilização não autorizada ou vazamento de dados - tornando público informações confidenciais, o consumidor pode procurar os órgãos de defesa tradicionais, como a Defensoria Pública, o Ministério Público ou o Procon. Mas existe um canal de atendimento próprio que é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (Anpd). “Qualquer consumidor tem o direito de acionar a Anpd através de uma petição, que é um documento jurídico onde a parte que se considera prejudicada pede que determinada situação seja analisada”, orienta Manoela Vasconcelos. Para peticionar a Anpd, é preciso preencher um formulário específico no site. A autoridade tem entre 7 e 30 dias para se posicionar. A agenda regulatória da ANPD indica que as regras para aplicar sanções ainda serão divulgadas neste semestre. A partir de agosto deste ano, a LGPD prevê a aplicação de sanções contra as empresas autuadas por infringir a lei.
As penalidades serão pesadas e incluem multas de até 2% do faturamento anual da empresa, limitado ao teto de R$ 50 milhões. Estão previstas ainda bloqueios do uso do banco de dados e advertências. Apesar de as multas da LGPD ainda não estarem valendo, os direitos do consumidor estão. Nada impede que uma pessoa procure diretamente o poder judiciário e entre com uma ação por violação dos direitos. Neste caso o próprio juiz pode determinar a aplicação de multas. “Em São Paulo, uma construtora foi multada pelo judiciário por uso indevido de um sistema de rastreamento de clientes, rastreamento esse não autorizado”, citou Manoela Vasconcelos. “A gente já tinha um arcabouço de leis consumeristas bem completo, mas a LGPD veio para consolidar e dizer: empresas, é isso que vocês precisam seguir”, afirmou a advogada.
Danyelle Sena, gerente de fiscalização do Procon-PE, esclarece que a LGPD é uma lei específica que trata exclusivamente da coleta, armazenamento e utilização de nossos dados. “Mas o Código de Defesa do Consumidor também fala sobre isso e já oferecia uma proteção. Claro, a LGPD veio para esmiuçar, detalhar e dar uma segurança maior”, ressaltou Danyelle Sena.
No dia a dia do Procon, ainda não é comum aparecerem denúncias envolvendo a proteção de dados. “Quando acontece, são provocações vindas de órgãos, como o Ministério Público. Mas desde o ano retrasado o Procon fiscaliza lojas e farmácias que condicionam às vendas ao pedido do número do CPF do cliente. Acho que ainda falta à população conhecimento sobre o que é a LGPD, por isso não há mais reclamações”, ponderou a gerente do Procon.
Danyelle acredita que vá acontecer com a LGPD o mesmo que aconteceu com o Código de Defesa do Consumidor, que hoje já é bem conhecido. “Eu acho que a gente evoluiu muito. O nosso código é um dos melhores do mundo, com uma linguagem de fácil entendimento. Muitas vezes a gente não conhece os nossos direitos porque a própria linguagem utilizada na lei dificulta para quem não é da área jurídica. Mas nosso CDC é fácil e completo”, afirmou a gerente do Procon.
Danyelle citou o costume que boa parte da população tem de só procurar os órgãos de de defesa se o problema tiver algum impacto financeiro. “A lei da fila de banco, por exemplo. A pessoa fica três horas na fila mas não abre uma reclamação no Procon. Agora, se ele tem um desconto indevido, aí ele busca seus direitos com mais ênfase”. Para Danyelle, é necessário discutir mais a LGPD. “É um assunto que está na imprensa, mas ainda precisa evoluir no conhecimento da população. E agora mais ainda, porque estamos cada vez mais digital. A pandemia nos empurrou mais gente para esse mundo tecnológico”, diz Danyelle Sena.