A médica Natália Barreto, 24 anos, pegou, na manhã desta segunda-feira (20), seu registro no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe). À noite, já estava de plantão numa Unidade de Saúde da Família em Serra Talhada, no Sertão do Estado, onde reside. Faz parte do grupo de 56 estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE) dos câmpus de Serra Talhada e Garanhuns, no Agreste, que teve a colação de grau antecipada para reforçar as equipes médicas, medida autorizada pelo Ministério da Educação (MEC) por causa da pandemia do novo coronavírus. Outros 75 jovens, do curso de Recife, vão colar grau na próxima quarta-feira (22).
A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) optou por não liberar os alunos enquanto não tiverem o curso completo (portaria nº 934 exige pelo menos 75% do internato concluído), o que deve ocorrer em maio. A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) comunicou que vai antecipar a colação dos alunos de medicina, mas que "para concretizar a iniciativa, será formalizada a proposição ao Conselho Universitário (Conuni), órgão deliberativo máximo da instituição, após submissão ao colegiado acadêmico da graduação, para permitir que os novos profissionais atuem nas ações de combate à pandemia".
"Depois de seis longos anos, estou formada. A antecipação da colação foi inesperada e diferente do que imaginava, mas o importante é que possamos ser útil agora para a sociedade. Não é pra ter medo do coronavírus. Precisamos nos proteger e colocar em prática tudo que aprendemos durante a faculdade", diz Natália. A formatura aconteceu na última sexta-feira, sem a presença dos familiares e amigos, numa solenidade simples na faculdade, com os 15 alunos usando máscaras e afastados com distância segura. O grupo colaria grau em agosto.
Nesta segunda-feira (20), em Garanhuns, outro grupo de 38 estudantes também colou grau, com a presença do reitor da UPE, Pedro Falcão, e as mesmas restrições: sem convidados, somente os estudantes, afastados um do outro e com máscaras. "Foi emocionante. O sentimento é de realização e de muito mais responsabilidade diante desse contexto da pandemia", comenta Wylamys Siqueira, 26 anos, um dos formandos. Ele mora em Caruaru, também no Agreste, e já recebeu proposta para trabalhar numa UPA.
O secretário estadual de Saúde, André Longo, disse, semana passada, ao comentar a formatura antecipada de médicos, que eles poderão ser convocados a atuar na linha de frente da covid-19. Segundo o MEC, não necessariamente os novos profissionais precisam trabalhar com pacientes infectados pelo novo coronavírus.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Cremepe são contrários à portaria. "A possibilidade de antecipação da formatura desses alunos não traz benefícios evidentes para o atendimento. A antecipação em medicina traz prejuízos à formação do futuro médico, que pode perder acesso a importantes conteúdos e vivências na fase final de seu internato", diz o CFM.
Em Pernambuco existem oito faculdades com cursos de medicina (três em instituições públicas) em sete cidades. "Vemos com muita preocupação a antecipação dessas formaturas, mas vamos cumprir a portaria do MEC. Montamos uma força tarefa no conselho para atender entre 60 e 70 pessoas por dia para conceder o registro profissional", diz o presidente do Cremepe, Mário Fernando Lins. Na próxima quarta, 40 médicos agendaram o recebimento de seus registros. Nesta segunda foram apenas sete.
A portaria do MEC abrange também os cursos de enfermagem, farmácia e fisioterapia. Nessas graduações, a formatura pode acontecer quando os alunos concluírem 75% do estágio curricular obrigatório. A medida tem caráter excepcional e valerá enquanto durar a situação de emergência na saúde pública.
"Na UPE apenas medicina atende a portaria, pois 80% do internato foi cumprido pelos alunos. Nem enfermagem nem fisioterapia terão colação de grau antecipada porque as turmas não estão com carga horária acima de 75% do estágio completo", explica o pró-reitor de graduação, Ernani Martins. Foi realizada uma reunião com reitor, pró-reitores, diretores das unidades acadêmicas e coordenadores dos cursos médicos para decidir pela adesão da UPE. Nem todos foram a favor.
"Confiamos na formação dos nossos alunos, mas ficamos apreensivos. Preferíamos que eles completassem o curso", afirma a coordenadora de medicina em Garanhuns, Ana Cristina Monteiro.
Na UFPE, segundo a pró-reitora acadêmica, Magna do Carmo Silva, os cursos citados na portaria do MEC foram contrários, assim como a pró-reitoria dela. "Os estudantes têm um percurso formativo a ser cumprido para que desenvolvam as competências necessárias à profissão. Além disso, a UFPE tem responsabilidade pelo perfil de profissional a ser formado. Assim, não se pode aligeirar a formação de um profissional", destaca Magna.
"O Estado possui outras formas de engajamento desses estudantes que não sejam como profissionais com formação suspensa. Isso não contribuiria para o paciente e para o profissional. Nesse sentido, teremos a formação de mais de 70 médicos no início de maio, mas todos terão integralizado o curso adequadamente e não terão pendências, nem de carga horária e nem de internato", complementa a pró-reitora da UFPE.