Após deflagração de greve dos professores, as escolas estaduais sofreram mais um impedimento para o retorno às aulas presenciais, marcado para esta terça-feira (6). A 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital determinou a imediata suspensão da retomada, por perigo de "dano irreparável à vida dos trabalhadores em educação e de seus familiares". A decisão acontece um dia após a Justiça do Trabalho impedir a reabertura dos colégios da rede privada. Para os alunos de 3º ano das unidades públicas e particulares, primeira classe a ser apontada no calendário de flexibilização do Governo de Pernambuco, proibição traz frustração, em um ano já repleto de estresse pela proximidade do vestibular e pela pressão para escolha da carreira. As unidades de ensino básico estão fechadas desde o dia 18 de março, por causa da pandemia da covid-19.
"Eu entendo a decisão da justiça e dos professores, mas eu realmente estou muito triste, não vou mentir. Eu estava contando que as aulas presenciais iriam me ajudar a voltar a ter foco", relata a fera de jornalismo Maria Cecília Ferreira, 16 anos, estudante do Ginásio Pernambucano da Cabugá. A unidade, apesar de estar liberada, até então, para abrir nesta terça, havia dividido as turmas do 3º ano em três grupos para reduzir a quantidade de alunos presentes. No caso de Cecília, a volta só aconteceria na quinta-feira. "Eu estava me preparando desde que saiu a notícia, já tinha comprado máscaras novas, mais álcool em gel, já estava tudo arrumado e higienizado." Para ela, que estuda integralmente, ou seja, nos turnos da manhã e tarde, a adaptação para o ensino à distância (EAD) foi difícil. "Eu pensava na minha casa como um lugar de descanso, então foi muito difícil me adaptar e ver a casa como um lugar de estudo."
Em decisão, o juiz Augusto Napoleão Sampaio Angelim acatou os argumentos do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) expostos na Ação Civil Pública. A determinação vale “até que se adotem as medidas necessárias para garantir o direito à saúde dos profissionais de educação", inclusive com a criação de uma Comissão Setorial. No texto, o magistrado afirma que "é inegável o perigo de dano irreparável à vida dos trabalhadores em educação e de seus familiares", e que a retomada às aulas presenciais da rede estadual pode causar "danos irreversíveis".
Somente na rede federal, onde estudam cerca de 1.500 jovens, não há impasse, e o retorno da comunidade escolar pode acontecer. No entanto, nem o Colégio Militar do Recife (CMR), nem o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nem o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), nem o Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas (Codai), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), abrirão as portas nesta semana. O CMR porque está em recesso, e o restante porque decidiu continuar com as atividades remotas até segunda ordem.
A vestibulanda de direito Manuela Ferraz, 17, estuda no CMR e, apesar de estar sem aulas nesta semana, também aguarda pelo retorno. Por causa da suspensão nas escolas privadas e estaduais, ela acredita que a flexibilização não será mais feita. "Eu ia voltar presencialmente. Eu gostaria que voltasse, mas, devido a esses eventos, acho que não vai acontecer mais", e completa: "eu estava esperando pela liberação há muito tempo e, na véspera do retorno, teve a notícia [da suspensão]. Fico sem esperança para voltar e isso me entristece muito. O rendimento não é o mesmo, eu sinto que não consegui aproveitar meu ano letivo de 2020", desabafa.
Dos 91 mil alunos do 3º ano do ensino médio, cerca de 10.500 estão em escolas particulares e os demais na rede estadual. As unidades particulares tiveram funcionamento impedido após o Sindicato dos Professores da Rede Privada (Sinpro) conseguir liminar suspendendo a reabertura. A ação tramitou na 12ª Vara do Trabalho, com decisão do juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho. Reú na ação, o governo de Pernambuco tem até 15 dias para apresentar defesa. No seu despacho, o juiz determina "a suspensão da retomada das atividades presenciais nos estabelecimentos particulares de ensino do Estado de Pernambuco, até que o réu comprove em juízo haver constatado, por fiscalização eficaz, a adoção, por aqueles estabelecimentos, das medidas a eles impostas pelo protocolo de retomada."
Quando a suspensão foi anunciada nessa segunda-feira (5), a farda de Giovana Vasconcelos, 17, aluna do colégio Santa Maria, já estava separada, à espera pelo uso. "Tivemos vídeochamada ontem explicando como iria ser o protocolo para entrar na escola, como ia ser a escolha das cadeiras, a troca de ar condicionado, e, 12 horas antes da gente voltar, eles cancelam [...] Eu estou muito ansiosa para voltar às aulas presenciais porque a gente aprende de um jeito diferente, não tem como dizer que é a mesma coisa", disse.
"Eu fiquei decepcionada porque a gente já tinha criado expectativa, eles já tinham definido a data há muito tempo, a gente estava esperando, estava tudo programado", conta a fera de publicidade. A jovem também revela estar tendo dificuldades para aprender o conteúdo no ensino à distância. "Não consigo aprender bem em EAD, assim como muitos outros amigos meus que compartilham do mesmo sentimento de que está sendo um período muito duro. Não é como a gente está acostumado a funcionar", explicou.
Na bolsa de Hirya Dantas, 17, estudante do Colégio Motivo Boa Viagem, já havia oito máscaras à espera para serem usadas nesta terça. Ela revela que seu próprio grupo de amigos instituiu medidas de proteção contra o coronavírus. "Os alunos estavam todos ansiosos, já tinham combinados os grupos, a separação, para não ter tumulto. Nós mesmos tomamos a iniciativa para evitar o contágio. Meu grupo combinou a hora que iria chegar para manter o distanciamento", explica. "Primeiro vimos a notícia no Twitter do JC e compartilhamos no grupo com a coordenação. A gente ficou na expectativa de um comunicado oficial até umas 22h, porque pegou todo mundo de surpresa, não deu tempo para de contestar nada", disse.
A fera de engenharia biomédica afirma que teve os estudos prejudicados pela pandemia, que se tornou mais um motivo de preocupação no ano de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a última etapa do Sistema Seriado de Avaliação (SSA). "O terceiro ano já é muito cansativo por causa do vestibular, por causa de todas as pressões que a gente passa na família, colégio e pela sociedade mesmo, porque a gente já sai da escola esperando entrar na faculdade. Além disso, do nada, tivemos que passar para o [ensino] remoto. Isso, querendo ou não, reflete nos nossos estudos. Chegava dia que a gente estava cansado em estar o tempo inteiro na frente do computador, ninguém conseguia render mais."
O calendário de flexibilização das aulas divulgado pela gestão estadual trazia que os concluintes do ensino médio poderiam ir para escola a partir do dia 6 de outubro. Na semana seguinte, em 13 de outubro, seria a vez dos estudantes do 2º ano. Em seguida, em 20 de outubro, retomariam os adolescentes do 1º ano do ensino médio. Quando contatado, o governo do Estado afirmou que não comenta decisão judicial, mas que, por ainda não ter sido notificado oficialmente, as aulas nas escolas estaduais seguem mantidas para esta terça-feira (6). Além disso, nenhuma das suspensões ou a greve de professores afeta o ensino remoto.