Com uma linguagem simples e informações bastante contextualizadas, assuntos de geopolítica, história, geografia e atualidades do mundo são abordados no programa Minuto Geográfico, produzido pelo professor pernambucano João Correia e no ar desde maio.
Transmitido diariamente e gratuitamente pelo Instagram, nesta quarta-feira (18) o programa chegou à centésima edição. João tem conquistado cada vez mais gente interessada em entender o que está acontecendo no planeta. A procura aumentou ainda mais após a retomada do poder no Afeganistão, no Oriente Médio, pelo Talibã, movimento fundamentalista islâmico, no último domingo (15).
Embora o nome seja Minuto Geográfico, o programa tem duração média de 10 minutos. Com a colaboração de ex-alunos e voluntários espalhados por vários países, João consegue imagens, informações e impressões dessas pessoas, o que o ajuda na produção do conteúdo. Além da experiência de 18 anos em sala de aula lecionando geografia - metade da sua vida, pois o professor tem 36 anos - João lê vários jornais todos os dias.
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Começa cedo, por volta das 5h, quando acorda. Tem uma lista de 15 periódicos, desde nacionais como Jornal do Commercio e Folha de São Paulo, a internacionais como The Washington Post (Estados Unidos), The Times of India (Índia) e Al Jazeera, maior rede de comunicação do mundo árabe, para se informar. Quando não consegue ler em português ou inglês, usa tradutor para acessar notícias em outros idiomas. Definido os assuntos que vai abordar, ele mesmo produz e grava o vídeo num estúdio que montou em sua casa e depois posta na sua conta do Instagram.
"A internet tem espaço para muita coisa, boas e ruins. Estamos vivendo um apagão pedagógico. Pensei no Minuto Geográfico como forma de usar as redes sociais para propagar conteúdo e conhecimento de qualidade. Uma maneira de colaborar com quem se interessa por geopolítica", diz João, filho do saudoso professor de Geografia Joaquim Correia e neto de um dos grandes geógrafos brasileiros, Manuel Correia de Andrade.
De vestibulandos a donas de casa e aposentados, o programa tem seguidores em 90 países. "Todo mundo tem celular e navega pela web. Será que aprendem alguma coisa? Aproveito para compartilhar o que sei no Minuto Geográfico", observa João. O seu Instagram é @jocacorreia. Tem mais de 140 mil seguidores. Nos últimos três dias foram 35 mil novas pessoas que passaram a acompanhar o programa do professor.
Ano passado o professor já tinha feito edições do Minuto Geográfico, mas cada programa ficava no ar por apenas 24h. A partir de maio deste ano é que ele formatou o atual modelo, quando cada edição fica fixa como um post no Instagram.
Audiência
Diante do grande interesse pelo que está acontecendo no Afeganistão, João fez os programas 98º, 99º e o 100º, segunda, terça e nesta quarta-feira, ao vivo. E com duração de quase uma hora cada. A edição da segunda teve cerca de 9 mil pessoas acompanhando as explicações dele ao vivo. Até a tarde desta quarta-feira, o vídeo tinha tido mais de 283 mil visualizações. Nesta quarta, o Minuto Geográfico começou às 21h e teve quase 4 mil internautas assistindo à aula de João.
O Talibã e o Afeganistão
O professor João Correia participou do programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta quarta-feira (18), e explicou dois pontos importantes a respeito do Talibã. O primeiro é a mudança de discurso, falando de direitos humanos. O outro é o financiamento do movimento. Veja, abaixo, vídeos e a transcrição da entrevista:
Dá pra acreditar nesse discurso vindo de um grupo que já promoveu tantas atrocidades?
Ontem, porta-voz do Talibã convocou a primeira coletiva de imprensa do grupo e trouxe algumas situações importantes. Eu já esperava que nesse primeiro o Talibã, que na verdade é uma milícia, com práticas medievais e que deturpa boa parte do islamismo. Mas eu já esperava uma postura pragmática, mais diplomática. É importante dizer que, na sua primeira fala, o porta voz do grupo pediu que o povo entendesse que nos últimos 20 anos o grupo amadureceu, evoluiu em várias questões e particularmente no âmbito das mulheres, e afirmaram querer a participação delas no dia a dia. E eles estão dando uma série de gestos. Um exemplo é que ontem a âncora do programa foi incentivada a apresentar, e ela estava com o rosto completamente a vista. O que percebo é que, nesse primeiro momento, o Talibã tenta passar uma tranquilidade. A gente percebe que desde 4 de maio o grupo vem avançando, à medida que as tropas americanas vão deixando o país, o que já era uma promessa relativamente antiga. É a guerra mais longa travada pelos Estados Unidos, com investimento maior do que o PIB do próprio Afeganistão nos últimos 20 anos.
Os vídeos que recebemos e vimos na TV e na internet nos últimos dias mostram as pessoas apavoradas. Pessoas que quando souberam que o Talibã chegou nas suas cidades, começaram a fugir. São pessoas que tem aquela lembrança tortuosa e nefasta dos anos 1996 a 2001, exatamente o período em que o Afeganistão foi governado pelo Talibã. O Talibã chega ao poder em 1996, governa até 2001. Chegou ao poder após derrubar um presidente de características comunista e foi uma grande ruptura naquele contexto. Meninas foram proibidas de estudar, mulheres proibidas de sair de casa sem seus maridos. Tudo isso, apesar de ter acontecido na década de 90, é uma lembrança muito próxima, muito recente. Jovens com 20, 15, 16 anos, que não vivenciaram o governo Talibã também tem medo porque ouviram dos pais, dos avós, que o Talibã é um grupo extremista, radical e que não tem nenhuma tolerante.
Acredito que o Talibã precise agora organizar o âmbito interno do governo do Afeganistão. Recebi relatos que em algumas cidades a população está se revoltando contra o grupo porque não quer que a bandeira do Afeganistão seja substituída. Já que um dos primeiros pontos do Talibã é mudar o nome do país de 'República' para 'Emirado', que é uma mudança simbólica, e também mudar a bandeira do Afeganistão pela bandeira do Talibã.
Acredito que o Talibã busca um reconhecimento internacional. Se eles conseguem o reconhecimento da China e da Rússia, que tem economia forte e potência militar, respectivamente. O grupo sabe que não vai sobreviver de maneira isolada. O Afeganistão é um país pobre, com 30 milhões de habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano abaixo de 5. O país vive uma seca severa, passa pela fome, pela falta de alimentos. É um verdadeiro barril de pólvora. E além disso a gente vivencia uma pandemia.
A gente acredita que nesse primeiro momento o discurso deles é pragmático, vão querer passar uma imagem mais positiva do grupo. Mas vamos pensar no médio e no longo prazo. O Talibã tem uma série de facções internas. Algumas mais moderadas e outras mais radicais. Na minha percepção, as mulheres não terão um vida fácil durante o regime Talibã e já há indícios de escolas queimadas. O Afeganistão é grande. Na capital, onde fica a imprensa, onde as coisas acontecem, eles podem criar um teatro. Mostrar mulheres nas escolas, nas Universidades, trabalhando. Mas a preocupação é com as áreas do interior, com as pequenas cidades, onde o Talibã é mais forte e foi forjado. Eu vejo isso com muita preocupação.
Um colega Unissef disse que estava otimista porque ouviu de algumas lideranças do Talibã que o tratamento com as mulheres vai ser muito diferente do que aconteceu entre 1996 e 2001. Mas ainda assim vejo tudo isso com muita preocupação.
O Talibã tem dinheiro em caixa?
O Talibã nos últimos 5 anos conseguiu quadruplicar sua capacidade de arrecadação. A gente sabe que o Afeganistão tem uma das maiores produções de ópio do mundo e a gente sabe também que o ópio movimenta toda uma indústria de drogas. O Talibã tinha como uma de suas principais fontes de arrecadação de dinheiro o 'dízimo', eles cobravam uma espécie de propina de toda produção de diversas cidades do Afeganistão. Na verdade eles controlavam essa produção do ópio desde a origem, na produção agrícola, até o fim. O grupo, segundo divulgação da Forbes em 2016, está no Top 5 dos grupos considerados mais articulados do ponto de vista financeiro. Eles interferem também em minas de cobre e outros minerais.
Um ponto interessante é que a China tem muitos projetos de Infraestrutura no Afeganistão e eu nunca soube de nenhuma obra da China sofrendo algum ataque terrorista, por outro lado, a Índia tem projetos de infraestrutura dentro do Afeganistão e vários projetos foram atacados nos últimos anos.
Dizem que os americanos treinarem 300 mil soldados afegãos e que armaram e que essas armas estão ficando para trás. É importante salientar que 300 mil soldados é um número superestimado, você não tem 300 mil soldados afegãos. Muitos sequer recebiam salários e tinham dinheiro para comer. Resultado: alguns deles inclusive pegavam as armas que recebiam e vendiam em mercado paralelo. Tanto que o próprio Talibã está preocupado em recolher as armas da população para ele ter o controle total militar.
O Afeganistão tem muitas facções. Além do Talibã, que tem facções internas, dentro do Afeganistão existem outros grupos guerrilheiros que vão disputar. Existe um risco do Afeganistão virar uma Líbia. A Líbia, depois da primavera árabe virou um caos.
O Talibã nesse momento tenta se organizar para tirar essa oposição interna e tentar seguir adiante. Agora vejam bem, eu tinha um correspondente, que é um soldado americano que trabalhava na embaixada. A embaixada americana foi transferido para o aeroporto por uma questão de segurança. Ele mandou uma foto pra mim e disse 'nessa foto tem 50 mil dólares em equipamento', depois ele me mostrou algumas antenas e disse que iria destruir essas antenas que custam, em média 300 mil dólares. Aí eu perguntei porque ele ia destruir e ele disse que ia destruir porque eles não poderiam deixar uma tecnologia como aquela nas mãos do Talibã.
Mas para ser sincero, o Talibã não vai precisar da tecnologia dos Estados Unidos. Se o Talibã conseguir conquistar a confiança do governo chinês, que também não é fácil. A gente sabe que a China tem um histórico de problema com os muçulmanos no Noroeste. Mas se o Talibã consegue convencer a China que vai gerar estabilidade e vai trabalhar em parceria com os chineses, a própria China pode fazer transferência de tecnologia militar. Agora de fato, muitas armas, carros, posses em geral dos Estados Unidos foram deixadas para trás.
Vi uma notícia que saiu agora, do governo americano dizendo que bloqueou 9,5 bilhões de dólares do governo afegão distribuído em bancos e tesouros nacionais. A União Europeia caminha para esse passo também, para que o dinheiro do governo afegão não seja usado pelo Talibã.
Ontem, Franco Mackenzie, um dos importantes nomes do exército americano no oriente médio, disse que espera enxergar no Talibã, além de palavras, ações. Ele disse que quer sentir que o Talibã de hoje não é o Talibã de antigamente.
Os Estados Unidos querem evacuar 7 mil pessoas por dia. Eu acho muito, até porque, para onde vão? Tem 20 mil afegãos em volta do aeroporto que trabalharam para os Estados Unidos e estão com medo de morrer, mas para onde é que eles vão? Vão para bases americanas? Há essa expetativa, mas o que foi que Franco Mackenzie disse? Que se o Talibã atrapalhar essa evacuação, os Estados Unidos vai esmagar o grupo. E isso significa entrar em mais uma guerra, para mais 30 ou 50 anos, num problema sem fim.
No Afeganistão tem muita arma sim, muita tecnologia, mas o que penso que vai ditar agora é o posicionamento da China, e, por fim, temos que levar em conta que o Afeganistão é importante para China, porque a China quer escoar sua produção industrial que é gigante. O Afeganistão fica bem na Ásia central e faz fronteira com várias países, sendo uma região estratégica.