O Brasil é um dos países com maior índice de violência nas escolas. Uma das formas de agressão mais recorrentes é a prática do bullying. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), indicam que mais de 40% dos estudantes adolescentes já admitiram ter sofrido bullying. Essas agressões psicológicas ou físicas sofridas por alunos no ambiente escolar, que é um espaço destinado para acolher a diversidade, acabam sendo silenciadas muitas vezes.
O vídeo-documentário “Bullying: descortinando a violência escolar” teve como ponto de partida o levantamento da PeNSE, trazendo relatos de estudantes do 1º ano da Escola de Referencia em Ensino Médio (Erem) Dom Vital, localizada no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife.
Durante cerca de 15 minutos, os jovens contaram como se sentiram diante das agressões que muitas vezes se escondem por trás de “brincadeiras”. Boa parte dos casos mostrados no documentário, são de agressões vividas desde os primeiros anos da vida escolar, ainda no ensino fundamental.
“Isso aconteceu no terceiro ano do ensino fundamental, eu tinha entre nove e 10 anos. Três colegas achavam que eu estava gostando de uma menina lá da sala. Por conta disso, eles começaram a ‘tirar onda’ de mim e chegaram a partir para agressão física. Em um desses episódios, meio que vem alguns flashbacks na minha cabeça, deles tentando furar meu pescoço com o lápis, tentando colocar minha cabeça no lixo”, disse um dos estudantes que participou do documentário e que teve sua identidade preservada.
Este material compõe o trabalho de conclusão da mestra Liliane Feitosa de Oliveira Sousa Brito pelo Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional da Fundação Joaquim Nabuco (ProfSocio/Fundaj).
O objetivo do TCC foi estudar a incidência do bullying com estudantes do 1º ano do Ensino Médio, seguindo um plano pedagógico intervencionista, com a realização de debates, roda de conversa, exibição de vídeos e confecção de urna, na qual diversas pessoas puderam depositar relatos de situações vividas nas escolas.
“A urna surpreendeu, eu tive que parar algumas vezes porque era muito forte o que estava ali. Os estudantes que muitas vezes calaram, na urna por ser anônima, eles acabaram evidenciando, acabaram denunciando aquilo que acontecia com eles de forma velada. Inclusive aquilo que aconteceu nos Anos Iniciais e que só foram reveladas agora”, afirmou Liliane, que é assistente de gestão da EREM Dom Vital. Ao todo, 190 respostas foram apresentadas na culminância do projeto.
Coordenador Geral de Cooperação e de Estudos de Inovação, docente do ProfSocio/Fundaj e orientador do TCC de Liliane, Alexandre Zarias participou da roteirização do documentário e falou sobre a necessidade de levar para a escola pública reflexões que possam contribuir para o combate do bullying.
"O diferencial de nossa ação é que os estudantes são responsáveis pela realização da pesquisa com nossa assistência e orientação. Portanto, os estudantes não são meros receptores de conteúdos pré-elaborados, eles são protagonistas. Nesse processo, eles não só aprendem a fazer pesquisa, mas também se dão conta de seu universo, da sua condição juvenil, ligando aspectos de suas biografias a aspectos políticos, sociais e culturais mais amplos", explicou o pesquisador da Fundaj, Alexandre Zarias.
Com o título “Bullying no ambiente escolar: perspectivas sociológicas de uma intervenção pedagógica baseada na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense)”, o TCC foi aprovado no último dia 15 de agosto, mas o projeto não termina com o vídeo-documentário. Liliane Feitosa afirma que pretende replicar a intervenção pedagógica na rede pública de ensino para que os resultados obtidos possam contribuir com as ações de prevenção ao bullying.
Sobre os impactos do projeto, a assistente de gestão da EREM Dom Vital disse que o cenário constatado na escola melhorou, pois muitos estudantes tiveram consciência de que as "brincadeiras" que eles julgavam ser inocentes, na verdade eram uma forma de violência.
"Os estudantes passaram a intervir diretamente nesse sentido, em buscar pessoas e promover ações na própria escola para evitar as situações de bullying. Então houve uma melhora significativa dos casos partindo dessa conscientização. Ainda não estamos 100%, mas estamos caminhando para isso porque a semente foi plantada e estamos reconfigurando esse tipo de brincadeira na escola e elas têm diminuído bastante", disse Liliane.