(*) Por Daniele Akamine Os 100 primeiros dias do novo Governo Federal ocuparam a pauta de dois recentes eventos do mercado imobiliário em São Paulo. Tanto no Summit Imobiliário Brasil 2019, promovido pelo Estadão em parceria com o Secovi-SP, quanto no seminário Impactos para a Habitação, da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), parecia haver um otimismo sobre as expectativas do setor para 2019. Representantes de construtoras, imobiliárias, investidores e fornecedores acenavam positivamente com a cabeça cada vez que alguém tratava as reformas da Previdência e a Tributária como um céu de brigadeiro para a economia planar rumo ao desenvolvimento. Contudo, entre uma sessão de palmas e outra, era possível perceber um clima nublado, com nuvens de preocupação formadas por buchichos de empresários durante os intervalos das apresentações. No fundo, muita gente já percebeu que o processo para a aprovação das reformas no Congresso está muito longe de ser um voo de cruzeiro para o governo. E mesmo que aprovadas, ninguém garante que efeitos positivos dos ajustes virão no curto prazo. O fato é que o setor imobiliário tem desafios muito complexos para condicionar sua retomada somente a um ajuste do atual sistema previdenciário - sobretudo, se a redação da reforma permanecer como está. A renda do brasileiro cai, as dívidas da população se acumulam e o desemprego não dá trégua. Faltam consumidores de casas e apartamentos, e os que se arriscam a um financiamento correm o risco de precisar devolver o imóvel no meio do caminho, pela incapacidade de pagar as parcelas. Só a Caixa Econômica Federal tem 64 mil imóveis retomados, o que a torna a maior imobiliária do planeta, de acordo com o vice-presidente de Habitação do banco, Jair Luis Mahl. O que a reforma da Previdência vai fazer a respeito do alto volume do estoque no curto prazo? Se tudo der certo e o texto for aprovado, tem-se um longo caminho pela frente: os gastos públicos vão diminuir, as contas do País ficarão mais equilibradas, os investidores estarão mais confiantes, novos postos de trabalho irão surgir até que, finalmente, os compradores de imóvel reaparecerão nos estandes. Ainda assim, esse plano não supre todas as lacunas da realidade brasileira: os consumidores da era pós-crise talvez não venham com uma carteira de trabalho assinada. Isso significa que, pelo menos no início, a retomada econômica não será suficiente para encher os cofres do FGTS - principal fonte de recursos para a habitação no País. O próprio porta voz da CEF mencionou que "o funding para o setor imobiliário é um desafio que tem de ser trabalhado". O programa Minha Casa Minha Vida é quase todo custeado com pelo dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Com a crise, quem perdeu a carteira assinada tratou de virar uma pessoa jurídica, a fim de prestar os mesmos serviços, mas usando o chapéu de autônomo. O número de microempreendedores individuais (MEIs) no país ultrapassou neste ano a marca de 8 milhões, registrando um aumento, nos últimos 5 anos, de 120%. Na volta da oferta de vagas, quantos empregadores estarão dispostos a oferecer um contrato pela CLT vendo sua mão de obra juridicamente preparada para trabalhar como PJs? Fica difícil responder quem vai compensar o rombo que os saques e a falta de depósitos causaram ao FGTS nesses anos de crise. O FGTS tem R$ 62 bilhões para aplicar em habitação popular neste ano. Sabemos que é pouco caso a demanda do programa MCMV aumente ainda mais. Há uma estimativa de que a liquidez do fundo acabará em quatro anos, e isso, somado aos grandes cortes no orçamento federal para o programa habitacional, podem manter a construção civil estagnada por mais tempo do se imagina, principalmente, na moradia para baixa renda - que vem segurando esse segmento até agora. Mesmo os que não dependem dos recursos do fundo irão aparecer nos lançamentos das construtoras com os bolsos mais leves, já que os salários tendem a diminuir quando há uma demanda gigante disputando a mesma vaga de emprego. Como todo pedreiro bem sabe, as reformas são sempre bem-vindas. Mas elas só conseguem resolver os problemas quando a estrutura da casa está realmente boa.
(*) Daniele Akamine é advogada, especialista em Economia da Construção
Civil e sócia da consultoria Akamines Negócios Imobiliários.