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Ataques a Gil do Vigor expõem preconceitos que elite esconde em grupos de WhatsApp

WhatsApp ajuda muito as pessoas, mas não pode eliminar preconceito, homofobia e propagação de ódio, embora o documente

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Fernando Castilho

Publicado em 15/05/2021 às 21:00 | Atualizado em 15/05/2021 às 21:28
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Os ataques homofóbicos que ao menos dois conselheiros do Sport Clube do Recife perpetraram em grupo de WhatsApp contra o ex-BBB Gilberto Nogueira, conhecido como Gil do Vigor, revelam o enorme preconceito que parte da chamada elite brasileira tem para com vários grupos sociais que ela julga inferiores ou diferentes da maioria.

O WhatsApp é uma plataforma de interação social muito interessante e prática atualmente. Mas pode prejudicar quem o utiliza ou revelar "o caráter" de quem não a domina, como vimos nos casos dos ataques ao rubro-negro participante do BBB.

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Pouca gente sabe, mas o mensageiro WhatsApp foi criado por Brian Acton e Jan Koum, dois programadores veteranos do site de buscas Yahoo! Em 2009, ele foi vendido em US$ por US$ 16 bilhões para o Facebook.

O aplicativo é uma extraordinária ferramenta de inclusão social, que no Brasil se transformou num veículo de comunicação e negócios que passam a terabytes da ideia de Acton e Koum quando o escreveram.

O próprio formato que possibilita a criação de grupos de até 256 participantes permitiu uma revolução tecnológica que mudou a base de comunicação interna das empresas, inclusive as de comunicação.

Pela sua simplicidade, ele viabilizou soluções de mercado, articulação de comunidades e prestação de serviços, embora tenha viabilizado, também, a propagação de mensagens de ódio e, como se viu nos áudios dos dois conselheiros do Sport, um repositório de preconceitos e manifestações homofóbicas. Esse seria o lado negro do WhatsApp.

Em trabalho acadêmico, o WhatsApp foi descrito como “uma highway conversacional de múltiplas possibilidades para a inserção de discursos dentro do ciberespaço que oferece uma completa e complexa oferta de entradas, saídas e pontos de retorno ao eixo central de tráfego para chegar a um destino definido quando do envio da mensagem”.

Naturalmente, todas essas possibilidades nem sempre são compreendidas pelas pessoas que se esquecem que o WhatsApp documenta tudo.

Essa possibilidade de documentação, inclusive, foi absorvida rapidamente pela Justiça, que passou a reconhecer as conversas no WhatsApp como prova pelo simples fato de, pelos textos, áudios ou vídeos, ele comprova sua alteridade.

Ou seja, qualquer mensagem no WhatsApp é documento autêntico do emissor. E não apenas a possibilidade de envio como a transformação em documento texto, com detalhamento da mensagem, constitui-se prova já reconhecida pela Justiça para defesa e acusação.

Mas o WhatsApp não pode eliminar preconceito, homofobia e propagação de ódio, embora o documente. E isso ficou bem demonstrado no conjunto de áudios dos dois conselheiros do Sport nesta semana.

É importante não esquecer: preconceito é um exercício de discriminação de quem tem ou pensa ter poder. Só discrimina quem tem, ou pensa ter, o poder de escolher o que julga certo ou errado, bom ou ruim, justo ou injusto à sua maneira e concepção de mundo.

Na prática, quando um conselheiro do Sport diz nos áudios que as manifestações de amor de Gil do Vigor prejudicam a imagem do clube, está decidindo o que é bom ou ruim para o Sport.

Para eles, pessoas de orientação sexual diferente da que julga correta, não podem torcer e manifestar publicamente esse amor pelo clube.

Como se qualquer pessoa que se defina como homo, trans, lésbica ou qualquer outra expressão de orientação sexual não possa torcer pelo Sport. Isso é uma estultice.

Independentemente das considerações homofóbicas dos áudios, a simples manifestação num grupo fechado de WhatsApp é um desrespeito a Gil do Vigor e a todas as pessoas que se declaram LTBTQ+ ou são simpatizantes e apoiam a causa, sejam elas do Sport, Náutico, Santa Cruz ou qualquer outra agremiação esportiva mundial. Por que Gil do Vigor não pode torcer e expressar esse amor pelo Sport?

Mas, é importante não esquecer que esse é um comportamento típico de quem se julga elite. De quem se considera superior aos iguais e se atribui, como por exemplo, estar dentro do quadro de conselheiros de um clube tradicional de futebol, o direito de poder escolher quem pode, e quem não pode simplesmente gostar da mesma entidade esportiva que ele. Isso é preconceito que vira todas a demais fobias.

Isso precisa ser combatido e denunciado. Mesmo que a mensagem tenha sido enviada dentro de um grupo fechado às demais pessoas, o contexto que pode alegar só consolida a prova de um crime que o WhatsApp documentou.

O ataque a Gil do Vigor é um bom exemplo de como as pessoas podem ser desrespeitosas com as outras, principalmente, quando julgam não estarem sendo vistas, filmadas ou gravadas. E como podem expressar seus preconceitos ainda que em relação aos iguais e aos diferentes.

A história de vida de Gilberto Nogueira é inspiradora.

Por qualquer ângulo que se olhe, ela vai além da exposição do BBB. Gil do Vigor já está aceito por duas das melhores universidades dos Estados Unidos. Será um doutor após ter defendido uma Dissertação de Mestrado numa universidade pública de qualidade. Ele deixou para trás centenas de outros candidatos.

O BBB apenas revelou essa sua vitória como cidadão do “andar de baixo” que chegou no “andar de cima” que o conselheiro julga estar e ao qual o economista não pode pertencer porque declarou-se gay e torcedor do Sport.

Gil do Vigor não precisa do Sport para nada. Ainda assim, ele se colocou como torcedor catapultando a imagem do clube em nível nacional numa exposição que poucos teriam condição de fazê-lo neste momento.

Desconsiderar isso por homofobia não é ser apenas preconceituoso. É uma demonstração de mediocridade que só diminuiu o quadro de conselheiros do Sport.

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