Chegar a 500 mil mortos como o Brasil chegou neste sábado significa ao menos 5 milhões de pessoas que precisaram prantear seus mortos sem ao menos se despedir deles dignamente.
As cerimonias têm tido um choro contido. Porque em sua maioria vêm depois de uma internação na medida em que eles precisaram levá-los a um hospital sabendo de alguém conhecido que não voltou.
Eles precisaram conviver com pessoas desconhecidas nas proximidades dos hospitais. Por que o isolamento que o tratamento exige que fiquem à distância. Não é fácil enterrar um parente depois de uma chamada de vídeo em que ele despede antes de ser entubado. Marca. Dói e revolta porque em todos os casos fica a indignação.
Morrer faz parte da vida. Mas morrer por falta de remédios para tratar o paciente não fere apenas a família, machuca os médicos. Mais ainda porque como a maioria ficou dentro de alas de hospitais por várias semanas, enfermeiros, médicos e auxiliares transformaram-se numa nova família. E eles, também choram a perda de pacientes-amigos.
O que mais machuca nesses profissionais é que o procedimento da covid-19 os obriga se tornarem-se responsáveis por movimentos mínimos dessas pessoas. E entregá-los aos responsáveis pelos procedimentos funerários, faz com que esses gestos técnicos sejam a despedida de uma pessoa que conheceram e tornaram-se sua família.
A covid-19 potencializa sofrimentos dentro e fora dos hospitais. Bate na família dos profissionais de saúde que também enterraram colegas e familiares.
Por isso a marca de 500 mil mortes leva a que ao menos 5 milhões de pessoas se lembrem seus parentes e desses novos parentes. Dói. Mais ainda quando se desdenha até de vacinas.
E por isso vem o sentimento de revolta quando não veem gestos do presidente. E isso nos diferencia dos demais países. E isso nos fará ser diferente nos próximos anos. Nos envergonhando é claro.
E bastava apenas uma palavra sincera de respeito. Seria suficiente apenas um gesto em que fosse possível perceber respeito.
Mas eles não terão isso. Não está na sua personalidade. O presidente precificou a pandemia. Ele avalia, e já disse isso, que as mortes estão dentro do quadro previsível.
O presidente prefere concentrar suas atenções numa estratégia de distribuição de medicamentos que ele tem absoluta certeza de que salvaram vida. O presidente e alguns de seus auxiliares dormem certos de que salvaram milhares de vida com essa medicação.
Não mudarão de opinião. Já sabem que podemos chegar aos 660 mil em setembro e aos 20 milhões de infectados ainda em agosto. Mas acreditam que a vacinação os salvará das críticas até o final do ano.
O presidente continuará pensando desse jeito. Levará essa concepção para o resto de seus dias. E ele vai radicalizar nessa concepção.
Jair Bolsonaro acredita que está salvando o Brasil. Ele tem certeza de que fez uma boa gestão da pandemia e se conforma com o discurso de que não fez mais porque o Supremo Tribunal Federal o impediu de desenvolver uma estratégia que mirava a contaminação de toda a população em pouco tempo chegando a uma imunidade geral.
O Brasil caminha para 10% seus cidadãos contaminados e até 0,03% de mortes chegando a 660 mil óbitos. É possível que tenhamos de tratar 6% dos brasileiros em hospitais algo como 6.6 milhões de pessoas.
Para o presidente e alguns auxiliares é previsível e está dentro do que considera danos colaterais da parada a economia que julga estar defendendo.
Ele também acredita que a campanha de vacinação o isenta de mais responsabilidades e que ao final do ano quando o país poderá ter vacinado sua população ele será reconhecido.
O presidente dorme bem. E tranquilo. Na verdade, a única coisa que pode lhe tirar o sono seria a impossibilidade de um segundo mandato. Não mudará de opinião. Seja 500 mil ou 660 mil não mudará sua opinião.