Desde a Constituição de 1988 que a esquerda brasileira tem uma bandeira: a taxação das grandes fortunas. Não tem muito embasamento técnico porque a ideia pressupõe que o cidadão nessa condição deve pagar mais imposto apenas pelo fato de ter mais patrimônio.
No meio acadêmico mesmo - o de esquerda - a ideia de taxas as grandes fortunas é vista com descrédito pela dificuldade se auferir o que, num grande patrimônio, é tributável. Mas a proposta faz parte do discurso. E, vez por outra, ele volta.
A novidade no Governo Bolsonaro é o ministro Paulo Guedes ter aderido à tese, embora ele prefira chamar de taxação aos super-ricos.
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Com ajuda da Receita Federal, ele até já sabe quantos são: 20.858 contribuintes num universo de 3.605.008 pessoas que ganham mais de 40 salários-mínimos por mês.
Segundo o ministro, essas pessoas têm hoje uma isenção de R$ 26,9 bilhões e ele acredita que podem pagar mais R$ 68,9 bilhões.
Cobrar R$ 70 bilhões de 20 mil pessoas é mais radical que qualquer proposta de taxação das grandes fortunas da esquerda. Mas é uma proposta de um dos economistas que chegou ao Governo se dizendo discípulo da Escola de Chicago (Estados Unidos), a Meca do liberalismo.
O problema de Guedes é que ele exagera em tudo que faz. E na reforma do imposto de não foi diferente.
Segundo o ex-secretário da Receita Federal Marco Cintra, o problema do ministro é que ele "incorporou" o espírito dos auditores mais radicais da Receita Federal e entregou um projeto ruim e equivocado.
Cintra advertiu: ministro é última instância. Não pode deixar o pessoal da Receita Federal escrever projeto. É da natureza do Fisco radicalizar.
Nesta quarta-feira, Paulo Guedes reconheceu que errou (no projeto inicial da Reforma Tributária).
Segundo ele, “no início, o setor privado ficou no alto da gangorra. De castigo. E a Receita Federal ficou do outro lado. Agora, mudamos: o setor privado sempre terá ganho de causa. Eu quero tributar os 20 mil super ricos e não as empresas. São os afluentes que vão pagar 20% de dividendos. A reforma vai ser aprovada.”
Complicado ver o representante do Governo reconhecer que errou em assunto tão importante. A conversa para valer nem começou na Câmara Federal. E o projeto do relator do projeto já deu uma torada forte no texto.
Esse é um comportamento típico de quem não tem segurança do que está propondo. E como se sabe, Paulo Guedes é conhecido no Congresso pelas "rés" que engata na hora do aperto. Foi assim em todos os embates. Basta ver o que aconteceu na Reforma da Previdência.
Mas a ideia de um ministro liberal falando em taxa super-ricos é engraçada. Embora isso seja muito sério.
O problema do conceito radical de Paulo Guedes contra exatos 20.858 contribuintes é o risco dessa lista "vazar" na internet e a gente ter um problema sério de quebra de sigilo fiscal.
Entretanto, o problema são os demais 342.325 contribuintes que, segundo o ministro, analisando dados da Receita Federal têm um potencial de pagar mais R$ 26,6 bilhões em lugar das isenções que eles têm hoje no total de R$ 5,8 bilhões. Esses contribuintes, segundo dados da Receita Federal, ganham entre 40 e 320 salários-mínimos por mês.
Para um País que se diz capitalista, é assustador que o Governo divulgue ou não conteste esse tipo de informação sobre rendimentos dos contribuintes que informaram seus rendimentos à Receita Federal. Se não divulgou, deveria se posicionar.
Mas para defender sua tese Paulo Guedes chama-os de super ricos. E o Governo não contestou a informação ou permitiu que ela fosse construída.
O problema da proposta do ministro é exatamente esse. Taxar quem ganha acima de 40 salários-mínimos. Aliás, o governo também enxerga potencial de arrecadação em que ganha até 40 salários-mínimos.
Para quem se diz liberal, o Paulo Guedes não para de surpreender.