Líder global na produção de alimentos, o Brasil está sendo confrontado com uma constrangedora realidade nos últimos meses. O crescimento das famílias abaixo da linha da pobreza - estimada em 19 milhões de pessoas - que precisam de doações para se alimentar enquanto as empresas produtoras de proteína animal e comodities agrícolas batem recordes de produtividade e exportação.
O brasileiro baixa renda sempre comprou produtos de terceira qualidade, como ossos bovinos, aparas de charque, quebra de feijão (chamado em algumas regiões de bandinha) e arroz de terceira, que no Rio Grande do Sul é chamado de arroz fragmentado. Também é comum o grande consumo de fubá, que evoluiu para o floculado, além do ovo, que funciona como uma espécie de coringa na cozinha.
O fato novo é que, em cada vez mais cidades, as populações sem renda estão sem ter acesso a esses produtos pelo crescimento do número de famílias que também passaram a adquirir os produtos. E por passarem a depender também de doações ou da ajuda ONGs. Essas organizações começaram a distribuir comida pronta já que milhares de famílias não tem os R$ 90 para aquisição do gás de cozinha.
As imagens de famílias disputando a entrega de ossos em açougues, comprando arroz fragmentado e feijão bandinha constrange o agronegócio. É verdade que as Ceasas de todo o Brasil já possuem programas de doação de restos de alimentos e cozinhas para a produção de sopas. Mas como explicar que o mesmo país que lidera a produção mundial de alimentos em oito das 10 principais comodities globais tem tanta gente passando fome?
Este ano, o Brasil deve colher sua maior sofra de grãos - 262 milhões de toneladas. Também deve se consolidar como o segundo maior produtor de milho e de carne suína, mantendo a liderança em carnes de bovinos, frango, soja, feijão, e figurar entre os líderes na produção de arroz e algodão cujo caroço serve para produção de óleo comestível.
No caso do milho, a produção de 93,4 milhões de toneladas, representando uma redução de 9% em relação ao alcançado na safra anterior.
O caso da soja é mais emblemático. Este ano, a produtividade alcançada registrou incremento de 4,5% em relação ao exercício passado. Com isso, mais uma vez foi atingida produção recorde de 135,9 milhões de toneladas, representando incremento de 8,9% em comparação à safra passada.
Mas toda essa exuberância que faz cidades produtoras de grãos e carnes terem lista de espera para aquisição de SUVs, está sendo obrigada a conviver com a duplicação do número de famílias abaixo da linha de pobreza.
Também está sendo obrigada a convier com uma redução drástica do número de doadores de alimentos no setor privado. Com isso, hoje no Brasil, o maior número de refeições e doações de alimentos está sendo feitas por pessoas físicas para entidades encarregadas de coleta e distribuição.
A opção das entidades tem sido pelas cozinhas comunitárias com a entrega de comida pronta em porções padronizadas. Mas essa opção só reforça a ideia de que não estão recebendo doações que permitam distribuir alimentos em lugar de comida pronta.
Nas últimas semanas, a questão do fragmento de arroz ganhou o noticiário nas redes sociais.
Antigamente, o fragmento de arroz não era comercializado por ter seu valor nutricional reduzido, sendo usado para compor rações e fazer farinha de arroz. Nos últimos anos, algumas marcas famosas vendem os produtos para consumo integral das famílias.
O Brasil produz mais de 11 milhões de toneladas de arroz para um consumo de 10 milhões exportando para de 1,3 milhões de toneladas. Mas ele tem a concorrência no Rio Grande do Sul devido aos elevados preços dos grãos que competem por área com a cultura do arroz (soja e milho).
No caso do feijão partido, embora uma empresa tenha registrado a marca Bandinha, é semelhante. Do ponto de vista nutricional, ele não perde muito ao feijão com grãos selecionados. Mas ele é vendido pela metade do preço dos demais. Indústrias de farinha e rações também compram o produto.
Entretanto, para um país que este ano vai produzir 3 milhões de toneladas em 2,93 mil hectares dedicados ao cultivo da cultura ver pessoas tendo que consumir o feijão partido como primeira opção é constrangedor.
Já nas proteínas animal, o Brasil, que tem um rebanho de 214.5 milhões de cabeças, produz por ano 8,31 milhões de toneladas e exporta 2,74 milhões de toneladas impulsionada pelos preços do dólar.
Para 2021, a estimativa é de um novo recorde na produção de frangos e suínos, chegando a 14,76 milhões de toneladas e 4,35 milhões de toneladas, respectivamente. Só as vendas para o mercado externo devem chegar a 4,15 milhões de toneladas neste ano,
No caso dos suínos, o Brasil tem um plantel de 40,94 milhões de cabeças e produz 4,35 milhões de toneladas com exportações de 1,07 milhões de toneladas.
Com números tão grandes como explicar de mais de um quatro da população não coma carne ao menos uma vez por semana. E que quase 20 milhões venham há meses substituindo a proteína animal por um ovo?